1. O mês de março, que teve início ontem, tem o seu nome formado a partir de Martius (Marte), o deus romano da guerra, a quem este mês era dedicado. Antes do calendário juliano, era neste mês que o ano tinha início, o que coincidia com a chegada da primavera. Era o mês consagrado ao deus Marte porque nesta altura tinham início as campanhas bélicas. Há ainda países, como o Irão, em que o ano começa em março, nomeadamente a 20 de março, no momento do equinócio da primavera (mais detalhes associados ao mês de março aqui). Na tradição popular, o mês de março está associado a provérbios relacionados com a duração do dia solar («Em março, tanto durmo como faço»), com a instabilidade meteorológica («Março, marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão», «Em março, chove cada dia um pedaço.», «Lua cheia em março trovejada, trinta dias é molhada.») ou com a agricultura («Poda em março, vindima no regaço.», «Nasce a erva em março, ainda que lhe deem com o maço.», «Vento de março, chuva de abril, fazem o maio florir.») (outros provérbios relacionados com o mês de março aqui).
Este tema justifica também que recordemos algumas respostas relacionadas com o mês de março: «Hoje são 2 de março» e «Eram princípios de março».
Primeira imagem: Marte, de Diego Velázquez, 1640.
2. O termo empreendedorismo é frequentemente utilizado no domínio empresarial para referir a iniciativa de promover negócios inovadores que podem envolver alguns riscos. Embora seja já do domínio comum, a forma que este nome assumiu continua a oferecer dúvidas face à forma "empreendorismo", que aqui se esclarece, discutindo ainda a forma das palavras computorizado e computadorizado. Na atualização do Consultório, trazemos ainda uma resposta sobre a proximidade de significados dos adjetivos radioso e radiante. Os tempos verbais voltam a colocar problemas tanto no campo da correção como no da significação, como se observa pelo cotejo das frases«Talvez possa ir hoje» e «Talvez pudesse ir hoje». No campo da sintaxe, discutimos a regência de partícipe e a função sintática do adjetivo no sintagma «série televisiva». Uma nota ainda para o enriquecimento da resposta «Guitarra "vs." viola», com um esclarecimento sobre a tradução de guitarra e de viola para o inglês e uma precisão relativamente ao uso do termo guitarra em contexto formal em Portugal.
3. Na terça-feira, dia 3 de março, 14 estados norte-americanos realizarão as suas eleições estaduais para o processo de nomeação do candidato presidencial pelo Partido Democrata. É a designada superterça-feira. Dado que este termo tem assumido várias grafias na comunicação social escrita (ver aqui), aconselhamos a que a sua grafia assente na aglutinação de super a terça, mantendo-se o hífen já existente em terça-feira. Por outro lado, a palavra deve ser grafada com letra minúscula (uma opção similar é aconselhada para o espanhol pela Fundéu BBVA).
4. O coronavírus continua na ordem do dia, pelo que muito se escreve a propósito desta temática. Para além do que já aqui ficou recomendado (cf. Aberturas de 24/01/2020, de 30/01/2020, de 03/02/2020 e de 28/02/2020), remetemos para algumas precisões introduzidas pelo Fundéu BBVA que também se aplicam à língua portuguesa: as expressões «foco do vírus» ou «epicentro do vírus» são preferíveis a «epicentro do foco do vírus», que se revela redundante; a expressão «paciente zero» deve ser escrita com minúsculas e não necessita de aspas. A este propósito coloca-se também a questão da pronúncia de coronavírus que deve ser realizada como /kurônavírus/, não sendo correto pronunciar a primeira sílaba como "kô", pelo menos, entre os falantes de Portugal.
Cf.covid-19: em minúsculas e no feminino é a opção adotada no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
5. Entre as notícias relacionadas com a língua portuguesa em sentido largo, destacamos:
– A atribuição do Prémio Literário Vergílio Ferreira ao professor da Universidade de Coimbra e ensaísta Carlos Reis, cuja cerimónia de entrega tem lugar hoje (2 de março) na Universidade de Évora (notícia);
– A reabertura do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, no dia 25 de junho – cinco anos após o incêndio que o destruiu em 2015.
1. Falando de entretenimento mediático, volta-se novamente a atenção para um concurso muito popular da televisão pública em Portugal. Trata-se do Joker, um campeão de audiências, que com aflitiva despreocupação deixa incólumes vários erros de escrita e oralidade. Um caso recente com o vocábulo obus motivou o professor João Nogueira Costa a escrever um apontamento no Pelourinho, para lembrar que esta palavra é aguda (isto é, oxítona) – soa obus –, e não grave ("óbus"), como erradamente se pronunciou no programa em causa.
2. No consultório, evoca-se o escritor duriense João de Araújo Correia (1899-1985), a propósito de um curioso regionalismo de origem obscura: trata-se de manaxo, que, em Portugal, parece típico do vale do Douro e do norte das Beiras. Outros tópicos: como abreviar a palavra frei, sinónimo de freire e frade? Que tipo de complemento seleciona o verbo adaptar-se? A sequência «como te dê jeito» não deveria ser substituída corretamente por «como te der jeito»?
3. Afinal, em Portugal, o sotaque regional não inspira apenas a composição de personagens cómicas, à moda vicentina; também tem um reverso sombrio, por constituir fator de exclusão na procura de emprego. Na rubrica O nosso idioma, o preconceito linguístico – isto é, a discriminação em consequência da pronúncia que foge ao padrão –, é o tema que a jornalista Catia Mateus desenvolve num texto, transcrito, com a devida vénia, do caderno Emprego do semanário Expresso, do dia 23 de fevereiro de 2020. Ainda na mesma rubrica, outra transcrição, a da crónica que o escritor português Miguel Esteves Cardoso escreveu à volta das recordações de família que lhe desperta a locução «ao nível de» (texto do jornal Público, do dia 26/02/2020).
4. Face ao agravamento da propagação da doença do coronavírus, agora chamada COVID-19, a própria Organização Mundial da Saúde não descarta um cenário de pandemia e a multiplicação dos casos em todo o mundo. A situação pode até determinar mudanças na organização dos dois mais importantes eventos desportivos deste ano: os Jogos Olímpicos de Tóquio (entre 24 de Julho e 9 de agosto) e o Europeu itinerante de futebol (de 12 de junho a 12 de julho, em 12 cidades europeias). Em Itália, entretanto, anuncia-se que seis jogos de futebol se disputarão à porta fechada devido à propagação do coronavírus no país, considerada já muito preocupante. Para o espanhol, a Fundéu já identificou vários termos, tendo dado várias recomendações; para o português, entre palavras recorrentes nas notícias a respeito do tema, a lista inclui assintomático, contágio, contaminação, doença crónica, epidemia, infeção/infecção, infetado(s)/infectado(s), (médico) infecionologista/infecciologista, infodemia, pandemia, propagação (do vírus), sinofobia, quarentena, virose, etc. Cf. Aberturas de 24/01/2020, de 30/01/2020 e de 03/02/2020.
5. E já que se fala de léxico, refira-se o lançamento da plataforma Património Léxico da Gallaecia (PLG), coordenado pelo Instituto da Língua Galega (ILG) com a participação de equipa do Centro de Linguística da Universidade do Porto e outra do Centro de Estudos em Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Esta nova ferramenta permite, conforme se lê no texto de apresentação em linha, «conhecer as diferentes unidades lexicais que servem para expressar uma série de conceitos e visualizar a sua distribuição territorial no noroeste da Península Ibérica, numa área que compreende a Eurorregião Galiza-Norte de Portugal e as zonas galegófonas das Astúrias e de Castela e Leão». As fontes de informação lexical utilizadas encontram-se entre as que «compilam léxico dialetal com a referenciação geográfica correspondente a territórios de fala galega ou dos municípios portugueses da Eurorregião».
6. Fazendo ainda referência ao léxico, mas já não de âmbito regional, registe-se como curiosidade um glossário que a publicação eletrónica Vortex Magazine reuniu sob o título "90 palavras da língua portuguesa que você (quase de certeza) não conhece". Na verdade, muitas das palavras elencadas até são bem conhecidas, mas outras há menos comuns, de caráter mais ou menos especializado, como asseidade, colédoco, gematria, humifuso, menorá, etc. Para saber os significados, consultar aqui.
7. Nos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa, têm destaque:
– no programa Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 29 de fevereiro, pelas 13h20*, um depoimento do linguista Bernardino Calossa sobre o ensino do português em Angola,
– e, no programa Página de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 1 de março, pelas 12h30*, uma entrevista ao linguista Fernando Venâncio, sobre a publicação do livro que publicou em outubro de 2019, Assim Nasceu uma Língua.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 29 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 7 de março, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. Era um jogo de futebol, e o desportivismo deveria ser inerente aos gestos e às palavras. Não foi o que aconteceu em 16 de fevereiro de 2020, no jogo entre o o Vitória de Guimarães e o Futebol Clube do Porto, durante o qual o jogador franco-maliano Moussa Marega foi insultado por adeptos da equipa minhota. A deceção pela derrota levou várias pessoas a dar voz a palavras e expressões de ódio, testemunhos verbais de práticas e visões racistas de um passado para não repetir. Fazendo a crónica deste triste incidente na rubrica O nosso idioma, a linguista Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, dá conta de como o racismo, entre outras atitudes ofensivas da integridade humana, se inscreve na língua – e deixa um aviso: «[A] linguagem que usamos pode colocar-nos acima ou abaixo da linha da humanidade. A escolha é nossa!»
2. De histórias antigas de preconceito e discriminação se fala também no Consultório, a propósito da expressão tradicional «ruço de mau pelo». Mas os tópicos relativos à análise interna da língua igualmente estão igualmente de regresso na presente atualização: como se classifica o complemento do verbo pertencer? E a que subclasse gramatical pertencem, afinal, os advérbios efetivamente, efetivamente e decerto? Por último, uma resposta volta a abordar um uso do advérbio onde: deve apenas dizer-se «aonde vamos?», e «onde vamos?» é erro crasso?
3. Em vários pontos do mundo, o divertimento, a alegria esfuziante e a imaginação das máscaras marcam o Carnaval, tempo também de excessos e abusos que nenhuma tradição pode legitimar. No Brasil, país onde a festa é especialmente assinalada, a campanha Não É Não, começada em 2017, atinge, em 2020, 15 estados contra o assédio sexual, que cresce durante este período tão popular. Num artigo de 19/02/2020 da publicação digital Tornado, o jornalista brasileiro Marco Aurélio Ruy faz a reportagem da ação do referido movimento, que sublinha que «assédio é diferente de paquera» e «xingar de vagabunda» é evidente abuso – tudo isto se pode ler no título bem brasileiro que o autor dá ao texto: "Não seja um babaca no Carnaval e leve a lição contra o assédio para a vida toda". Recorde-se que babaca é termo muito utilizado no português brasileiro para designar, de forma insultante, uma pessoa tola, ingénua, boba, idiota ou de baixo intelecto.
Leia-se, ainda a reportagem No Carnaval brasileiro vale tudo, menos assediar, da autoria do jornalista João Ruela Ribeiro, no jornal "Publico" do dia 26/02/2020. Texto escrito segundo a norma ortográfica de 1945.
Na imagem à esquerda, Carnaval, de Candido Portinari (1903-1962).
4. Convém ainda lembrar que o Entrudo, nome mais tradicional desta festa, tinha e ainda tem uma função precisa no calendário de tradição cristã: trata-se de um introito, isto é, da preparação para a entrada no período de jejum e de abstinência da Quaresma. Sobre o Carnaval e a Quaresma, é já longa a lista de artigos e respostas em arquivo no Ciberdúvidas, mas aqui se deixa uma seleção: "Portugal, Alentejo, no Carnaval", "'Enfezar o Carnaval': etimologia", "'Enfezar o Carnaval', mais uma vez", "Entrudo, novamente", "Natal, Carnaval, Páscoa: palavras variáveis", "A palavra confete", "Do Carnaval ao futebol", "O Carnaval e o futebol são o ópio do povo»", "Partidas de Carnaval", "Sobre a origem de Quaresma"., "Etimologia de Quaresma, Pascoela, micareta, advento, educar e inteligente", "/Quarèsma/", "Quarta-Feira de Cinzas". E serve esta chamada de atenção também para informar que, devido à quadra festiva, a próxima atualização fica marcada para sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020.
5. Comemora-se na presente data o Dia Internacional da Língua Materna, e vem, portanto, a propósito o artigo que a publicação em inglês The Visual Capitalist dedicou em 15/02/2020 às 100 línguas mais faladas no mundo. Baseando-se numa infografia divulgada pelas páginas do Wordtips, por sua vez, apoiado pela 22.ª edição do Ethnologue, o texto salienta alguns dados interessantes sobre o estatuto do português na história e na atualidade linguística mundiais: é uma das línguas da família linguística mais difundida no mundo, a indo-europeia; encontra-se entre as 10 mais faladas mundialmente, ocupando a 9.ª posição quanto ao número total de falantes nativos e não nativos; mas ascende à 6.ª posição, quando se conta o número de falantes nativos. Uma conclusão entre várias é que, em comparação com o inglês ou o espanhol, o chamado idioma de Camões precisa de ser mais dinâmico para se tornar 2.ª língua de muitos milhões de falantes.
6. No âmbito da promoção do português como língua internacional e de conhecimento, assinala-se a eleição de Margarida Mano, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), para presidente da direção da associação FORGES-Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa. Trata-se de uma instituição criada em 2011 que tem como principal objetivo promover uma rede de estudo e investigação na área da gestão e das políticas de ensino superior no espaço da língua portuguesa. Em nota de imprensa da Universidade de Coimbra (UC), data de 14/02/2020, a nova presidente da FORGES considerou que «[o] português é a língua mais utilizada no hemisfério sul e a sexta língua mais falada do globo», acrescentando que «o ensino superior tem particulares responsabilidades de um compromisso ativo na defesa da língua portuguesa e do seu papel na preservação da civilização e da cultura humanas» (ler também aqui no jornal regional As Beiras).
7. Nos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa, o tema comum é a leitura, em conversa com dois convidados:
♦ No programa Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 21 de fevereiro, pelas 13h20*, entrevista-se Ana Sousa Martins, linguista e coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, a propósito da edição da obra Contos com Nível, especialmente dirigida a alunos de português língua estrangeira com cerca de um ano na aprendizagem do idioma.
♦ No programa Páginas de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 23 de fevereiro, pelas 12h30, convida-se o professor João Luís Lisboa, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa a falar da necessidade que a atual sociedade do conhecimento tem de adquirir competências de leitura de diferentes textos – literários, informacionais, mediáticos.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 22 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 29 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. Ao contrário dos eufemismos, cujo conteúdo suaviza a alusão a certas realidades – caso de «ir desta para melhor», em vez de morrer –, fala-se de disfemismos quando em discurso se usam palavras e expressões desagradáveis e depreciativas que acentuam e dão vazão a sentimentos de amargura, rancor ou ódio. São bons exemplos as metáforas inspiradas no mundo natural: «seu burro!», «grande camelo!», «este tipo é um cepo». Sobre a criatividade linguística mobilizada e fixada ao longo de gerações, frequentemente para ofender e insultar, a professora Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, desenvolve na rubrica O nosso idioma um curioso apontamento sobre as diferentes injúrias e imprecações do português.
2. Na rubrica Pelourinho, um erro indesculpável em televisão é tema de comentário: o uso da forma popular "tar" em lugar de estar, levando na escrita a confusões escusadas com o verbo ter. Recorde-se que esteve é a forma de estar na 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo; mas teve é a flexão correspondente do verbo ter.
3. No Consultório, cinco novas perguntas: haverá algum adjetivo equivalente a «(pessoa) que tem memória de elefante»? O que é um não expletivo? Numa pergunta, a palavra ou a expressão interrogativas são seguidas de vírgula? Como distinguir casos de coesão lexical? E quando se torna obrigatório empregar a locução pronominal relativa «o qual»?
4. O escritor angolano Pepetela é o vencedor do prémio Prémio Literário do festival Correntes d’Escritas 2020, conforme o anúncio feito neste dia na cerimónia de abertura oficial deste encontro (ler também aqui). Trata-se de um acontecimento cultural que reúne escritores africanos, brasileiros e de expressão ibérica na cidade portuguesa da Póvoa de Varzim e se prolonga até 22 de fevereiro.
Além de outros escritos do escritor angolano Pepetela disponíveis no arquivo do Ciberdúvidas, vale a pena (re)ler, na rubrica Antologia, o texto "Uma língua que aceita brincadeiras" – especialmente escrito para uma sequência que envolveu o cabo-verdiano Germano Almeida, o guineense Carlos Lopes, o moçambicano Mia Couto e o português José Saramago.
5. Um comportamento recorrente na história de qualquer língua é empregar velhas palavras para aplicar a novos referentes. Foi o caso de faia, que, nos Açores e na Madeira, passou de denominação da Fagus sylvatica a termo identificativo da Myrica faya; ou, entre os topónimos, o de Santarém, nome latino-romance de uma cidade portuguesa de origens romanas e de uma cidade brasileira fundada no século XVII. A expansão e colonização europeias a partir do século XV marcaram uma época fértil em situações destas, bem conhecidas na evolução do português. A propósito deste tema, assinale-se o artigo que, no blogue Travessa do Fala-Só, o tradutor Vitor Lindgaard dedica, em 17/02/2020, a nomes como milho e feijão, de etimologia europeia bastante antiga, mas que hoje denotam plantas importadas do continente americano há mais de trezentos anos.
6. Entre iniciativas académicas com interesse para a promoção da língua portuguesa, merecem registo:
– Neste dia, 19 de fevereiro, o conjunto de atividades abertas à comunidade que a Universidade de Aveiro organiza, focando a importância da diversidade cultural para as relações humanas e para a sociedade. É uma iniciativa que se insere na comemoração, em 21 de fevereiro p. f., do Dia Internacional da Língua Materna.
– O colóquio Línguas de Camões. O que pode e o que quer o português língua estrangeira?, a realizar em 11 de março de 2020 na Faculdade de Ciências de Humanas da Universidade Católica Portuguesa. A conferência de abertura é do professor Roberto Vecchi, especialista de literatura portuguesa na Universidade de Bolonha. As inscrições são até 4 de março (mais informação aqui).
7. Sobre os programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa, uma chamada de atenção para o programa Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 21 de fevereiro, pelas 13h20*, e para o Páginas de Português, que tem mais uma emissão na Antena 2, no domingo, 23 de fevereiro, pelas 12h30.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 22 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 29 de fevereiro, às 15h30. Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. De onde vêm as palavras? Que percursos realizaram para chegar até nós com a roupagem que hoje trazem? Dúvidas desta natureza ocorrem muitas vezes aos falantes e algumas delas chegam ao Consultório do Ciberdúvidas. Na nova atualização, ocupamo-nos da etimologia do substantivo noite, que se explica vir de uma forma do latim vulgar. As palavras que se apresentam como novas aos falantes que as pretendem converter à forma escrita são, por vezes, feitas de sons que parecem resistir à grafia. Como selecionar, então, a melhor solução ortográfica? Hoje, fazemos essa reflexão a propósito da palavra ianomâmi, referente a uma tribo indígena brasileira, à procura de uma forma que a torne clara para as diferentes variantes do português. Em palavras como mares, rapazes, dores e luzes, o e que surge antes da consoante s faz parte do sufixo de plural ou pertence ao radical da palavra? As conjunções, ao estabelecerem nexos entre segmentos textuais, podem não traduzir sempre o mesmo valor. É o que sucede com a conjunção enquanto na frase «Enquanto não trouxermos o estrangeiro até à nossa língua, teremos ficado apenas a meio do caminho», na qual se afasta do seu valor típico de localização de um intervalo de tempo que inclua a situação descrita na oração subordinante. Por fim, uma reflexão sobre as diferenças entre a modalidade epistémica e a modalidade apreciativa.
Primeira imagem: Noite Estrelada, pintura de Vincent van Gogh,1889
2. Adotando como tema central a questão da expansão e afirmação da língua portuguesa no plano internacional, o jornalista, escritor e ex-ministro da Comunicação Social angolano João Melo advoga que a defesa da língua deve constituir um objetivo comum a todos os países de língua portuguesa, que têm de conseguir ultrapassar os seus "traumas" de fundo histórico para se unirem em torno deste objetivo estratégico, fundamental para a sua afirmação no plano internacional. Defende, ainda, que a existência de um acordo ortográfico, comum a todos os países é vital para se atingir com sucesso esta meta (artigo originalmente publicado no Diário de Notícias, aqui transcrito com a devida vénia).
3. Ainda a propósito do mundo cinematográfico e dos seus prémios e festivais, a lexicógrafa Ana Salgado organizou um pequeno apontamento onde se esclarecem as regras a adotar para grafar títulos de documentários, de eventos cinematográficos, de prémios e de categorias de prémios, um texto divulgado na plataforma Gerador.
4. Numa altura em que Portugal parece estar próximo de atingir a média europeia em termos de abandono escolar, há outro problema estruturante que emerge: os alunos que, estando na escola, não aprendem quase nada. Refletindo sobre o tema, no artigo O perfil dos que não aprendem, divulgado no jornal Público, Isabel Flores, secretária-geral do IPPS-ISCTE, analisa os indicadores ligados à família destes alunos muito fracos, comparando-os com a média nacional. Assinala ainda as razões justificativas do insucesso apontadas por diretores e pelos próprios alunos. Uma reflexão importante para a definição de caminhos suscetíveis de integrar estes alunos, que não podem viver à margem da escola sob pena de estarem condenados a permanecer à margem da sociedade.
5. No plano das notícias relacionadas com a língua e cultura, destacamos:
– A cerimónia de apresentação pública do Programa Indicativo de Ação Cultural Externa para 2020, que tem lugar no próximo dia 19 de fevereiro, pelas 11h30, no Ministérios dos Negócios Estrangeiros;
– O projeto da TDM rádio Macau, que, a partir de Macau, China, produz uma emissão de 24 horas com conteúdos totalmente em português. Trata-se de uma rádio com milhares de ouvintes, pelo que o projeto tem relevância para a promoção da língua portuguesa (notícia).
1. Na atualização do Consultório, a pontuação volta a motivar uma questão, desta feita relacionada com as expressões «ave Maria» e «salve Maria», relativamente às quais se pretende determinar se deveriam ter vírgula antes dos nomes próprios, que têm a função de vocativo, apesar de na tradição religiosa tal não fazer parte dos usos. Uma resposta esclarece que a concordância do verbo haver com sentido temporal com o verbo principal é considerada de regra pela linha mais tradicional de gramática. Todavia, parece verificar-se alguma tendência para a cristalização do verbo no presente do indicativo. Ainda neste contexto, há situações de especialização de usos que importa considerar, uma vez que o verbo haver tanto pode contribuir para a expressão da duração («Ele faz este trabalho há dois anos.») como para a localização («Ele fazia este trabalho há dois anos.») e, nestes casos, como aqui se explica, a concordância pode interferir nos sentidos veiculados. Esclarece-se ainda o significado da expressão latina «in Liborium», usada por Camilo Castelo Branco na obra A queda de um anjo. Por fim, uma questão sobre a compatibilidade do adjetivo quieto com o verbo ser e uma outra sobre a regência do adjetivo coetâneo.
Primeira imagem: Ave Maria, de Paul Gauguin, 1891.
2. A despenalização da morte assistida será discutida na Assembleia da República portuguesa no próximo dia 20 de fevereiro (ver notícia). Este debate traz à atualidade vocábulos e expressões como «suicídio assistido», «morte assistida» ou eutanásia, cujos significados importa esclarecer. A eutanásia significa, etimologicamente, "morte sem sofrimento" ou "morte boa". Este termo é utilizado para referir um ato praticado por alguém com o objetivo de proporcionar uma morte sem sofrimento a um paciente terminal, afetado por dores intoleráveis, a pedido deste último, que deseja intencionalmente pôr fim à vida. O «suicídio assistido» é um ato praticado pelo paciente, que, encontrando-se numa situação de doença terminal, com dores insuportáveis, decide pôr termo à vida. Neste caso, a função de um terceiro será a de facilitador/colaborador, pois apenas ajuda, de forma indireta, o paciente a autoadministrar os fármacos letais. Em termos sintéticos, a diferença entre os dois termos reside no agente responsável pela ação de pôr termo à vida. O conceito de «morte assistida» engloba a eutanásia e o «suicídio assistido». Pode usar-se, ainda, o termo ortotanásia, que se refere à situação de suspensão ou de minimização dos tratamentos destinados a prolongar a vida de um paciente em situação terminal. O contrário de ortotanásia é a distanásia, que designa a ação de prolongar a vida de um paciente terminal através do recurso desproporcionado a tratamentos ou máquinas.
O Ciberdúvidas abordou já questões linguísticas relacionadas com esta temática, como se pode recordar nas respostas «Eutanásia», «Eutanásico» e «Bioética».
3. COVID-19 é a designação atribuída pela Organização Mundial de Saúde à doença provocada pela ação do coronavírus. O nome escolhido é um acrónimo formado a partir do inglês "coronavirus disease". Trata-se de um nome próprio que deve ser escrito com letras maiúsculas e com um hífen antes de 19, opção que segue as indicações da Classificação Internacional de Doenças. O vírus, por seu turno, foi designado oficialmente SARS-CoV-2. Isto significa que afirmações como «contágio por coronavírus Covid-19» não são corretas, devendo ser substituídas por «contágio por SARS-CoV-2». Tal como indica a Fundéu, para o espanhol, o que também se aplica ao português, se se preferir lexicalizar o nome da doença, usando-o como substantivo comum, a palavra deverá ser escrita em minúsculas, não usando maiúscula inicial (covid-19). Quando se designa a doença pelo nome, será correta uma afirmação como «(A doença) COVID-19 continua a fazer vítimas».Cf. A locução «à tona de», o verbo discriminare o termo infodemia – campo aberto para manifestações de sinofobia
4. O professor universitário e tradutor Marco Neves lança, no dia 18 de fevereiro, um novo livro intitulado Almanaque da Língua Portuguesa (ed. Guerra e Paz). Trata-se de uma publicação que, segundo a editora, é «uma homenagem feliz à língua portuguesa. Aqui se contam histórias deliciosas, curiosidades e efemérides incríveis. Aqui se resolvem dúvidas e erros. Um livro divertido e inspirador». A obra inclui ainda as listas de erros mais irritantes e palavras mais feias e bonitas do português, na opinião dos leitores do blogue Certas Palavras.
5. «Se ti sabir, ti respondir; se non sabir, tazir, tazir»1. Esta frase retirada do Burguês gentil-homem, uma comédia ballê, de Molière, de alguma forma, soa-nos familiar, ao mesmo tempo que traz estranheza. Isso acontece porque está escrita não em francês mas em sabir, uma língua franca que se falou no Mediterrâneo durante séculos e que desapareceu completamente. Tratava-se de uma língua oral, usada como facilitadora por diplomatas, comerciantes e marinheiros e que resultava, julga-se, de uma mescla do italiano, com os seus dialetos, com espanhol, provençal, português, árabe, turco e línguas berberes. Seria falada no Mediterrâneo oriental e nos portos de Tripoli, Tunes e Argélia e ainda, possivelmente, em Marrocos. Estes e outros pormenores relacionados com o sabir poderão ser lidos no artigo da BBC News, redigido em espanhol (aqui).
6. A vida e a obra de João Malaca Casteleiro constituem o tema central dos programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa. O linguista, recentemente falecido, é aqui evocado pelas palavras de Margarita Correia, professora da Faculdade de Letras de Lisboa e presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, e pelo gramático brasileiro Evanildo Bechara.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 15 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 22 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. «Se sabes, responderás; se não sabes, silêncio, silêncio.»
1. Associando as denominações de cargos políticos e governativos aos nomes dos seus titulares, como se deve pontuar a seguinte frase: com vírgulas – «o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, fez uma visita oficial» –, ou sem elas – «o primeiro-ministro António Costa fez uma visita oficial»? Neste caso, justificar-se-ão as duas vírgulas a ladear o nome pessoal, se este tiver a função de aposto, isto é, de modificador apositivo, como se explica numa das novas respostas em linha no Consultório. Outros tópicos abordados nesta atualização dizem respeito à legitimidade do uso do adjetivo perfilístico, à identificação da referência exata de «um par de calças» e à relação do composto porta-chaves com o nome porta. Por último, comenta-se a repetição do pronome se no mesmo complexo verbal – ex.: «deve-se conformar-se» ou, simplesmente, «deve-se conformar»?
2. Fala-se de discurso académico, mas que características e géneros tem ele, afinal, e que vantagem se tira do seu estudo para a promoção da literacia nos contextos escolar e científico? Procurando dar resposta a estas interrogações, publicou-se em 2019 um volume em formato eletrónico intitulado Discurso Académico: uma área disciplinar em construção. É um conjunto de 18 artigos nos quais se dá um panorama sobre a investigação que a linguística aplicada em Portugal desenvolve atualmente em torno do discurso académico. Na Montra de Livros, a consultora permanente do Ciberdúvidas, Carla Marques, dá pormenores na apresentação que faz desta obra.
3. Ainda a propósito de coisas menos simpáticas mas já não diretamente gramaticais ou linguísticas, refira-se a procura de um termo que, em português, denote a discriminação social com base na idade. Há diferentes formas em circulação, mas, entre as compatíveis com padrões de correção morfológica e de coerência semântico-referencial, contam-se as palavras idadismo (de idade), etarismo (de etário), a que se junta uma solução menos concisa, «discriminação etária».O tema tem sido abordado no Ciberdúvidas: em "Idadismo e idadista", "O neologismo idadista", "Etarismo" e "Etarismo: preconceito contra idosos". E, dado que convém sempre estar atento ao que é prática nas línguas próximas do português, assinale-se a recomendação que a Fundéu BBVA emitiu relativamente ao termo a empregar em espanhol – edadismo, um derivado de edad, «idade», que é, portanto, homólogo de idadismo quanto à sua formação.
Na imagem, foto de Christian Newman (Unsplash).
4. A identificação do que é e não é correto tem uma importante componente social, pois frequentemente resulta de atitudes perante usos do idioma, umas bem fundadas, outras com critérios nem sempre congruentes. Tendo em conta o interesse que há em conhecer os juízos dos falantes sobre os erros linguísticos, o tradutor e professor universitário Marco Neves pediu a várias pessoas que indicassem os mais irritantes. A lista, divulgada em 9 de fevereiro na plataforma Sapo 24 e no blogue deste autor Certas Palavras, é também transcrita com a devida vénia na rubrica O nosso idioma. Para compensar a irritação, leia-se, também de Marco Neves, outro breve e muito mais apaziguador elenco vocabular: "Cinco expressões deliciosas da língua portuguesa" (em Certas Palavras, 26/09/2020).
5. Na rubrica Notícias, divulga-se o agradecimento da família que o filólogo e académico português João Malaca Casteleiro dirigiu a quantos manifestaram pesar pelo seu desaparecimento, ocorrido no dia 7 de fevereiro de 2020. Foi, entre muitos, o caso do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.
6. Falando ainda do mundo académico e, em particular, da linguística, registo para:
– o anúncio do colóquio Norma e Cidadania Linguística, promovido pela Academia das Ciências de Lisboa, que o realiza em 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa (inscrição de até 12 de março; mais informação aqui);
– a multiplicação do lançamento de obras científicas em formato eletrónico, como é o caso do livro acima mencionado, mas também de outras publicações recentes, como A linguística na formação do professor: das teorias às práticas, uma obra com organização e participação dos linguistas António Leal, Fátima Oliveira, Fátima Silva, Isabel Margarida Duarte, João Veloso, Purificação Silvano, Sónia Valente Rodrigues, entre mais nomes.
7. O tema principal dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para rádio pública portuguesa foca a vida e da obra do filólogo João Malaca Casteleiro, evocado em depoimentos prestados por Margarita Correia, professora da Faculdade de Letras de Lisboa e presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, e pelo gramático brasileiro Evanildo Bechara.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 15 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 22 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. O filólogo e académico português João Malaca Casteleiro faleceu em Lisboa (no dia 7 de fevereiro), aos 83 anos. Professor catedrático com uma longa carreira na docência universitária, Malaca Casteleiro distinguiu-se nos estudos no âmbito da sintaxe, do léxico e da didática da língua, tendo orientado mais de meia centena de teses de mestrado e doutoramento. Foi também membro da Academia de Ciências de Lisboa, diretor de investigação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa. Participou em vários trabalhos conducentes à unificação da ortografia em língua portuguesa, sendo um dos autores do texto do Acordo Ortográfico de 1990. Deixa uma vasta obra científica, na qual se destaca a coordenação científica do Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, obra que não conseguiu atualizar, como pretendia, e o Dicionário de Língua Portuguesa Medieval (brevemente a ser publicado), coordenado por si, por Maria de Lourdes Crispim e por Maria Francisca Xavier (também recentemente falecida). Em jeito de homenagem e despedida, Margarita Correia, presidente do conselho científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, partilha um texto in memoriam, que transcrevemos em O Nosso Idioma: «Até sempre, Professor Malaca». A informação do falecimento de João Malaca Casteleiro, noticiada pela agência Lusa, mereceu um justificado destaque nas páginas de diversos jornais portugueses – como o Expresso, o Observador, o Correio da Manhã, o Jornal de Notícias, entre outos.. Na rubrica Notícias, deixamos transcrito, com a devida vénia, o obituário escrito pelo jornalista Vítor Belanciano, no jornal Público: «João Malaca Casteleiro (1936-2020), mais do que obreiro do acordo ortográfico». Registe-se, ainda , a evocação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, num comunicado colocado sua página oficial.
Juntamente com o gramático e académico brasileiro Evanildo Bechara, João Malaca Casteleiro foi alvo de uma homenagem promovida pela equipa central do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), com apoio do IILP e da Universidade do Porto, por ocasião da 1.ª Reunião Ordinária do Conselho de Ortografia da Língua Portuguesa (COLP), realizada no Porto, nos dias 7 e 8 de outubro de 2019.
2. A atribuição dos Óscares 2020 da Academia de Hollywood, que decorreu durante a madrugada de 10 de fevereiro, trouxe surpresas que fizeram história, sobretudo pela atribuição do Óscar de Melhor filme a Parasitas, filme sul-coreano que conquistou ainda as categorias de Melhor realizador, Melhor argumento original e Melhor filme internacional (ver notícia). Como acontece em muitas ocasiões, falar do vencedor implica também falar do derrotado. E, de facto, é previsível que, nos próximos dias, muito se fale do filme que era considerado o grande favorito: 1917, de Sam Mendes. O que já não é tão certo é que o apelido do realizador britânico seja bem pronunciado no espaço mediático português, como assinala a professora Carla Marques, num apontamento intitulado «É "Mendch" e não "Mendèsh"».
A cerimónia de atribuição dos Óscares justifica que aqui se recorde que a palavra Óscar é um nome próprio (que pode também ser usado como nome comum) que tem como plural Óscares. Este lembrete, já por diversas vezes recordado, mantém a sua pertinência uma vez que continuamos a encontrar textos onde se usa o termo inglês "Oscar/Oscars": «A lista de vencedores dos Oscars 2020» ou «Oscars 2020: Estes são os vencedores da noite». Esta opção não tem justificação dado que a tradução da palavra já entrou na língua portuguesa, estando mesmo dicionarizada, como se recorda na resposta «Oito "oscars" / oito óscares». Desta palavra têm derivado outras, num processo de criação lexical, como é o caso do verbo oscarizar, do particípio oscarizado ou do adjetivo oscarizável (como se recordou, por exemplo, na Abertura de 25 de fevereiro de 2019). É ainda de referir que o verbo nomear rege a preposição para, como se esclareceu em «Nomeado para 10 óscares».
3. O léxico científico próprio de cada área do saber pode mobilizar palavras de maior complexidade, tanto no domínio da ortografia como no da ortoépia. Exemplo disso são os pares de palavras assimptota/assintota e assímptota/assíntota, que aqui se analisam para determinar se se trata de uma palavra grave (paroxítona) ou esdrúxula (proparoxítona) e qual a grafia correta antes e depois do Acordo Ortográfico de 90. No Consultório, determina-se ainda a origem e evolução do regionalismo escolateira. Já no plano semântico, trata-se uma questão sobre a correção do uso das palavras alvo e objeto em referência a seres humanos. Uma outra questão pretende determinar a correção do uso do verbo ter com significado existencial. Por fim, regressamos aos relativos. Desta feita para identificar a função sintática desempenhada por quem no interior de uma oração subordinada substantiva relativa.
4. No âmbito das notícias relacionadas com a língua portuguesa, destacamos o Encontro de Escritores Lusófonos, organizado pelo Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora, que terá lugar no dia 13 de fevereiro, na Biblioteca Camões, em Lisboa (notícia).
1. O verbo dizer é seguido muitas vezes de uma oração que o completa, como acontece na frase «ela diz que não quer isso». Geralmente essa oração tem o verbo no modo indicativo, embora também possa ocorrer o modo conjuntivo – «ela diz que lhe abram a porta» – , só que alterando o significado de dizer – de que maneira? A resposta está na presente atualização do Consultório, onde igualmente se fala de outro verbo, alastrar. Sobre a alteração, em Portugal, do nome de um serviço de atendimento, comenta-se o caso de «Loja do Cidadão», que em 2017 passou a chamar-se «Loja de Cidadão». Fala-se ainda de classes de palavras a propósito de outro e distingue-se sequência textual de tipo de texto.
2. De vez em quando, em referência às relações culturais e institucionais entre a língua portuguesa e a espanhola, salienta-se o importante grau de intercompreensão (discutível e com muitas assimetrias, é certo) entre os falantes dos dois idiomas. Na rubrica Diversidades, apresenta-se o resumo de uma publicação digital intitulada Iberofonía e Paniberismo – Articulación y Definición del MundoIbérico (em português, Iberofonia e Pan-Iberismo – Definição e articulação do Mundo Ibérico). Trata-se de um ensaio de Frigdiano Álvaro Durántez Prados, especialista em Ciências Políticas, que considera que os países de língua espanhola ou portuguesa formam um espaço linguístico de mais de 700 milhões de falantes – a iberofonia – com potencial para promover a cooperação horizontal entre diferentes países da América, África e Ásia, bem como para alcançar grande visibilidade e influência no plano internacional (ver entrevista que este politólogo concedeu em 09/02/2015 à agência de notícias espanhola EFE, disponibilizada nas páginas da Fundéu BBVA).
3. Ainda nas Diversidades, transcreve-se com a devida vénia um curioso artigo saído no Público de 5 de fevereiro 2020, no qual se resenha um estudo em inglês sobre as origens e as linhagens das línguas gestuais – "Evolutionary dynamics in the dispersal of sign languages" (literalmente "A dinâmica evolutiva a dispersão das línguas textuais"), publicado em 22/02/2020 na revista digital Royal Society Open Science (volume 7, n.º 1, janeiro de 2020). Assinale-se que o artigo menciona a língua gestual portuguesa, defendendo que esta procede da língua gestual sueca.
4. A atualidade internacional da semana que finda é marcada pela absolvição de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, no final do processo de impeachment, anglicismo que frequentemente se deixa por traduzir, dada a sua especificidade na ordem político-jurídica norte-americana. Observe-se, porém, que não é impossível encontrar-lhe equivalente – a palavra impugnação é boa opção –, como já explicou o tradutor português Marco Neves em áudio disponível no canal Cinco Palavras. Sobre o termo impeachment, leia-se igualmente, do arquivo do Ciberdúvidas, a resposta "Impeachment = impugnação".
5. Ainda da atualidade, mas já no plano do quotidiano que foi notícia, em Portugal, a vitória da ucraniana Halina Dyakun, residente em Viseu ), na edição de 2019 do maior concurso realizado em Portugal para o setor das barbearias*. É de lembrar que esta e outras profissões, tradicionalmente tidas como domínios masculinos, passaram a abranger as mulheres, configurando uma mudança social com repercussão linguística, de que o Ciberdúvidas tem repetidamente dado testemunho em repostas e outros artigos, a saber: "Mulheres... barbeiras", "Palavras à procura do feminino", "Maléfica: Mestre do Mal", "O sexo das profissões","Sobre o uso da forma presidenta no Brasil e em Portugal", "O sexo e a língua", "Poetisa inferioriza?", "O feminino da palavra bispo", "Qual a regra gramatical que permite a forma presidenta?", "A propósito do feminino de procurador-geral da República".
* O concurso tem nome inglês: Challenge CACP Barbershop 2019. A sigla CACP está pela bem vernácula expressão Clube Artístico dos Cabeleireiros de Portugal. Porque não se deu nome também em português ao certame?
6. Regista-se com pesar o falecimento em 23/01/2020 do Sebastião Tavares de Pinho, professor catedrático da Universidade de Coimbra (UC) e reputado autor de uma obra repartida por vários temas, dos estudos clássicos greco-latinos ao legado clássico nas literaturas de língua portuguesa e dos estudos camonianos ao Humanismo à literatura neolatina do Renascimento em Portugal. Nas exéquias, celebradas em 25/01/2020, em Rocas do Vouga, terra natal do docente, o também classicista Carlos Ascenso André pronunciou, conforme é norma na UC, um elogio fúnebre, do qual se retiram as seguintes palavras:«[...] foi no Humanismo renascentista que [Tavares de Pinho] mais se deteve, esse tempo em que o homem se indagou e indagou o mundo que o rodeava e o seu lugar nesse mesmo mundo. Nesse estudo, tinha um prazer especial na busca da palavra, a sua raiz, o seu sentido sempre renovado, a sua identificação com o devir cósmico de que o homem é parte» (o texto integral está disponível no arquivo de mensagens públicas da UC).
7. Entre publicações recentes, com interesse para o estudo e o ensino da língua portuguesa, referência a um volume editado pelo Instituto Politécnico de Santarém em 2019: Estudos de Língua Portuguesa: a União na Diversidade, uma obra que teve coordenação de Madalena Teixeira, docente na Escola Superior de Educação de Santarém.
8. Temas principais da presente semana, nos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa: no programa Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 7 de fevereiro, pelas 13h20*, a africanização do português em Moçambique; e, no programa Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 9 de fevereiro, pelas 12h30, um curso de Escrita Criativa sobre o conto que decorreu em janeiro de 2020 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 8 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 15 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
1. A palavra tona, vinda do fundo dos tempos – atribui-se a sua origem ao céltico *tunna, «pele, crosta» –, é hoje sobretudo usada em locuções como «vir à tona», no sentido de «vir à superfície», e «à tona de», como em «à tona de água» – ou será melhor «à tona da água», com o artigo definido a? A resposta integra a atualização do consultório, onde o mote céltico se prolonga noutra questão a respeito de nomes irlandeses começados pela partícula O' – caso de O'Connor ou, ainda, de O'Neill, que o poeta português Alexandre O'Neill (1924-1986) tornou conhecido em português. Além disso, reflete-se sobre a correção do termo «insuficiente renal », para referir os pacientes com insuficiência renal. Por último, regressa a análise sintática: como reconhecer o sujeito das chamadas frases copulativas identificadoras? E, em português, será que só a conjunção se pode marcar o valor condicional, ou existem outras construções?
2. Discriminar a descriminação é o resultado paradoxal a que chega quem confunde discriminar com descriminar. A esta troca incorreta mas recorrente na nossa língua, a professora Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, dedica um novo apontamento, em linha na rubrica O nosso idioma.
3. Na Montra de Livros, apresenta-se Novo Vocabulário Ortográfico – Com Prontuário Anexo, um novo livro de D´Silvas Filho, sob a chancela da editora Guerra & Paz. Ponto de partida desta obra, segundo o próprio autor: «aproveita[r] o que o AO 90 tem de positivo e mant[er] o que da equilibrada norma de 1945 pode ou deve conservar-se».
4. A saúde mundial continua na ordem do dia por causa do contágio do novo coronavírus, o nCoV-2019 (ver as Aberturas de 24/01/2020 e 03/01/2020). A China tem sido até agora a protagonista desta grave situação. Por toda a parte, os media têm dado cobertura da propagação da doença entre a população mundial, nem sempre da melhor forma, com notícias imprecisas ou falsas. Tanto mais grave quanto o alarmismo provocado e, pior, fomentador de reações de medo, descamba em formas inaceitáveis de sinofobia. Para denominar este vertiginoso fluxo informativo, em que é difícil distinguir fontes credíveis das que o não são, surge o novo termo infodemia, que começa a ter circulação, por exemplo, em italiano e facilmente se adapta ao português sem alteração gráfica – tal como para o espanhol. O termo faz parte do livro que o investigador Giancarlo Manfredi publicou em Itália em 2015, com o título original Infodemia. I meccanismi complessi della comunicazione nelle emergenze (literalmente, «os mecanismos complexos da comunicação nas emergências). Do ponto de vista da sua formação, diga-se que infodemia é composto de info-, um prefixo relativamente recente que resulta da truncação de informação, e do elemento -demia, que figura nas conhecidíssimas palavras epidemia e pandemia.
Cf. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19 + La OMS entra en guerra contra la 'infodemia' + Coronavirus: ¿epidemia o "infodemia"? + "Infodemia", o termo que descreve a grave epidemia de informações falsas sobre o coronavírus + Infodemia Coronavirus: l'epidemia più pericolosa sono le fake news + Enquanto o coronavírus avança, a xenofobia alastra-se pelo mundo + As duas pestes de 2020: coronavírus e racismo
5. Nas Controvérsias, transcrevem-se dois textos publicados no jornal Público em 4 de fevereiro de 2020: um, da autoria da professora Maria do Carmo Vieira, que critica as mudanças curriculares em Portugal, levando ao escasso ou nulo tratamento dos temas da 2.ª Guerra Mundial e do Holocausto nas diferentes disciplinas; noutro, a secretária-geral do Sindicato dos Professores das Comunidades Lusíadas, Teresa Duarte Soares, tece também duras críticas à gestão da rede de Ensino do Português no Estrangeiro (EPE), desmentindo as afirmações que o deputado português Paulo Pisco, do Partido Socialista, produziu em artigo saído igualmente no jornal Público (também disponível na mesma rubrica).
6. Morreu George Steiner (1929-2020), um dos grandes ensaístas e historiadores da cultura das últimas décadas, e, com ele, parece também ir-se fechando um capítulo da memórias do Ocidente renascido das cinzas da 2.ª Guerra Mundial (ler aqui, aqui e aqui). Steiner não ficou alheio às literaturas de língua portuguesa, havendo testemunho deste seu interesse, como acontece com o vídeo a seguir, que regista o encontro que teve com o escritor António Lobo Antunes em outubro de 2011, graças à iniciativa do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) e da revista Ler.
7. Nos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para rádio pública portuguesa, têm relevo os seguintes temas: no programa Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 7 de fevereiro, pelas 13h20*, a africanização do português em Moçambique, a propósito do uso transitivo do verbo nascer, numa entrevista à professora Sandra Duarte Tavares; e, no programa Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 9 de fevereiro, pelas 12h30, convida -se o professor José Ferreira GomesN para falar do curso de Escrita Criativa sobre o conto, que este especialista orientou em janeiro de 2020 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 8 de fevereiro, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 15 de fevereiro, às 15h30). Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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