A lexicografia começou a estruturar-se como disciplina linguística desde a primeira metade do século XVI, em vários centros humanísticos europeus. Foi inicialmente motivada pelas solicitações do ensino do latim como língua não materna, e encontrou na técnica tipográfica uma condição determinante para a sua configuração e difusão.
Podemos todavia recuar a génese dos dicionários para as escolas medievais de latim. Desde o século XI, produziu-se, sobretudo na Itália, uma espécie de pré-lexicografia que foi rapidamente divulgada entre as escolas monásticas de toda a Europa. Em Portugal conservam-se testemunhos manuscritos do Elementarium (c. 1050) de Papias, que pode ser considerado como o primeiro arquétipo dos dicionários modernos; do Liber derivationum (fins do século XII) de Hugúcio de Pisa; do Catholicon (1286) de João Balbo; e de outros textos medievais com informação lexicográfica, essencialmente latina, mas que serviram de referência para o aparecimento dos primeiros glossários das línguas modernas (Verdelho, 1995, 137).
A emergência da escrita entre os vernáculos europeus, desde a recuada Idade Média, paralelamente à escolarização do latim, deu naturalmente origem à dicionarização das língua vulgares. Gerou-se em primeiro lugar uma espécie de lexicografia implícita que tecia os próprios textos e facilitava a compreensão do vocabulário característico da escrita, forçosamente mais amplo e menos quotidiano do que o da língua oral. Os textos que dão testemunho das primeiras tentativas do uso da escrita em vernáculo português e ainda quase toda a produção textual subsequente, até aos tempos modernos, vêm marcados por esse esforço metaliguístico de clarificação e autodescodificação, próximo da informação lexicográfica. Muitos textos medievais portugueses parecem ser construídos com a preocupação de fornecerem um fácil acesso à significação do seu próprio léxico, apresentando um estilo parafrástico, enquadrado por muitas palavras redundantes e frequentemente entretecido por verdadeiras definições lexicográficas. Os exemplos mais elucidativos poderão recolher-se nos textos jurídicos de Afonso X, tais como as Partidas e o Foro Real traduzidas do castelhano logo nos primeiros séculos da escrita em língua portuguesa (Ferreira 1980 1987).
Os textos da Casa de Avis, e muito especialmente O Leal Conselheiro de D. Duarte, oferecem também bons exemplos do fundo pré-dicionarístico que acompanhou o início da memória textual portuguesa. O Leal Conselheiro apresenta-se como obra de tipo paralexicográfico nas declarações introdutórias do próprio autor ("E filhayo por h̃uu ABC de lealdade"). (Verdelho 1995, 172).
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