Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Antes de mais, gostaria de vos felicitar pelo vosso extraordinário trabalho e pelo esforço contínuo em promover o conhecimento e o bom uso da língua portuguesa. O vosso contributo é, de facto, notável e inspirador para todos os que valorizam o rigor e a beleza da nossa língua.

Venho solicitar o vosso esclarecimento sobre a seguinte questão:

No segmento «um grande ‘asiático’ português» (texto de Pedro Mexia), como se classificam – em termos de classe e subclasse gramatical – as palavras que o compõem?

Obrigado.

Resposta:

Muito agradecemos as palavras de apreço pelo nosso trabalho.

No segmento «um grande "asiático" português» temos:

um, que é um determinante (artigo indefinido), que introduz o sintagma com valor de indefinição;

grande, adjetivo qualificativo que modifica o nome asiático, atribuindo-lhe uma qualidade; 

asiático é o núcleo do sintagma, funcionando como nome e, neste contexto, é empregado como substantivo, referindo-se a uma pessoa de origem asiática;

– e português, que é um adjetivo pátrio que também modifica o nome asiático, indicando a sua ligação a Portugal.

A posição dos modificadores – grande e português – confirma que asiático é o nome. Os adjetivos grande e português aparecem antes e depois do núcleo, respetivamente.

A ordem «asiático português» é típica da colocação dos adjetivos de nacionalidade, que geralmente ocorrem depois do nome. Por exemplo, diz-se «hino português» e não «português hino», salvo em construções literárias com grande liberdade estilística. Assim, português não é o nome, mas sim um modificador do nome asiático.

Pergunta:

Começando por agradecer o ótimo e muito útil trabalho do Ciberdúvidas, que consulto muitas vezes, peço que me esclareçam, por favor, sobre a forma correta de referenciar uma entrevista.

Imaginando que o jornalista Santos entrevistou o ministro Silva, devemos referir a situação como:

– Entrevista do ministro Silva ao jornalista Santos

ou

– Entrevista do jornalista Santos ao ministro Silva?

Muito obrigada.

Resposta:

Começo por agradecer as gentis palavras que nos direciona. 

Ambas as construções são gramaticalmente possíveis, pois resultam de nominalizações de estruturas sintáticas diferentes:

1. «Entrevista do ministro Silva ao jornalista Santos»  corresponde à frase: «O ministro Silva deu uma entrevista ao jornalista Santos». Aqui, o foco está no ministro como fonte da entrevista, ou seja, quem a concedeu.

2. «Entrevista do jornalista Santos ao ministro Silva» corresponde à frase: «O jornalista Santos entrevistou o ministro Silva». Neste caso, o foco está no jornalista como autor da ação de entrevistar.

Ambas são, portanto, corretas do ponto de vista sintático. No entanto, é mais comum e menos ambíguo usar a forma: «Entrevista do jornalista Santos ao ministro Silva.» Esta construção deixa claro que o jornalista é quem realizou a entrevista e o ministro quem foi entrevistado, evitando interpretações erradas.

Entre a individualidade e o individualismo
Deslize lexical no desporto

Será possível um jogador de futebol abusar da individualidade, como sugere o jornal A Bola? Aparentemente, sim – pelo menos segundo a frase publicada na análise às notas do Sporting após a vitória frente ao Paços de Ferreira. Mas será mesmo esse o termo adequado? A consultora Sara Mourato dá a resposta neste pelourinho. 

Pergunta:

Na frase «Ele tinha-a fechada neste momento», estamos perante um complexo verbal (verbo auxiliar ter + verbo principal fechar)?

Resposta:

Na frase «Ele tinha-a fechada neste momento», a estrutura «tinha-a fechada» não constitui um complexo verbal. Na verdade, trata-se do uso transitivo-predicativo do verbo ter, ao qual se associa um valor resultativo (ver Textos relacionados). A frase «ele tinha-a fechada neste momento» não é, portanto, sinónima de «ele tinha-a fechado neste momento».

Na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 1349-1350) refere-se que o verbo ter, exprimindo posse, pode ter como complemento direto um sintagma nominal definido e um predicativo do complemento direto de natureza adjetival, como acontece nos seguintes exemplos (transcritos da fonte consultada, ibidem):

(1) O aluno já tem os exercícios corrigidos.

(2) Já tenho a carta escrita.

Sobre estes e outros exemplos, lê-se na mesma fonte:

«O predicativo, aqui, atribui uma propriedade à entidade possuída; na realidade, estas frases não significam exatamente que o indivíduo referido pelo sujeito "possui" a entidade referida pelo complemento direto, mas sim que possui essa entidade no estado particular indicado pelo predicativo.»

Voltando à frase em questão, «ele tinha-a fechada neste momento», o particípio passado «fechada» é predicativo do complemento direto e, portanto, concorda com o complemento direto «-a», realizado por um pronome pessoal átono.

Quando <i>convêm</i> não convém
A conjugação do verbo convir

Numa crónica incluída no jornal Expresso em 13/10/2025,  Lê-se: «[...] põem o dedo em feridas comuns que não convêm sarar num Estado de direita.» Contudo, o verbo conjugado na terceira pessoa do plural constitui um deslize que, mesmo que compreensível, merece o reparo da consultora Sara Mourato