O termo verbo neutro não parece ter grande difusão na descrição gramatical mais recente, especializada ou não, pelo menos a avaliar pela sua ausência em algumas gramáticas publicadas nos últimos 40 anos1. No entanto, foi usado por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998), que na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (13.ª edição, 1961, p. 190), o define assim (manteve-se a grafia original):
«Verbo neutro: [...] há casos em que o sujeito não pratica nem recebe a ação expressa pelo verbo, por não indicar êste ação alguma. Assim, quando dizemos: "O cozinheiro é bom" – o sujeito cozinheiro não pratica nem recebe nenhuma ação. Indicamos, assim falando, um estado (ou conseqüência de uma ação) , e o sujeito, com tais verbos, não é nem agente nem paciente.
Outros verbos neutros : estar, ficar, permanecer.
Nota – Os verbos neutros são os mesmos verbos de ligação; chamam-se de ligação enquanto considerados quanto à predicação [e] chamam- se neutros enquanto considerados quanto à voz.»
À luz desta definição, parece, portanto, que sofrer e receber não são verbos de ligação, e levar tampouco o é em nenhuma das situações em questão, a saber, «levar uma surra», «a ambulância levou Marcos» e «Marcos foi levado pela ambulância». Sendo assim, também não serão verbos neutros.
Não obstante, a linguista basileira Amini Boainain Hauy, como bem assinala o consulente, refere a possibilidade de classificar os verbos levar, sofrer e receber como verbos neutros. Mas é de notar que essa observação está enquadrada pela crítica da autora à, para ela, indesejável heterogeneidade teórica e terminológica das gramáticas prescritivas e descritivas da língua portuguesa.
Seja como for, o termo verbo neutro parece relacionar-se com a falta de agentividade do sujeito de certos verbos ou da impossibilidade de outros serem transpostos para a voz passiva.
No caso de «ele levou uma surra», o sujeito não é agente – note-se que não é possível a «ele» passar a agente da passiva numa frase como «uma surra foi levada por ele» –, mas, sim, um paciente ou um alvo. Neste caso, aceita-se atualmente que o verbo, num fenómeno aparentemente parecido com o esvaziamento semântico dos verbos de ligação, funciona como um verbo leve (ou verbo-suporte) em associação a «uma surra». Por outras palavras, «levar uma surra» pode ser encarado como equivalente à construção passiva «ser surrado», muito embora sintaticamente não se confunda com ela.
Nos exemplos A e B, a situação é muito diferente: o verbo levar não é verbo-suporte e significa «transportar», funcionando como verbo transitivo, o que possibilita a sua ocorrência nas tradicionalmente chamadas voz ativa (exemplo A) e voz passiva (exemplo B).
Em relação aos casos em questão, trata-se, portanto, de situações de uso do verbo que são diferentes e atribuem papéis semânticos distintos ao sujeito de levar.
1 Consultaram-se as seguintes gramáticas ou guias gramaticais: Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984); Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa (2003); Maria Helena de Moura Neves, Gramática de Usos (2000).