1. No conhecido verso camoniano «vi, claramente visto, o lume vivo» (canto V, est. 18, Os Lusíadas), em que a personagem de Vasco da Gama começa a descrever a experiência do fenómeno do fogo de Santelmo, o pleonasmo gerado pela repetição do verbo ver tem intenção expressiva e, portanto, justifica-se como garantia da veracidade do relato*. O génio de Camões não é, portanto, posto em causa, nem por este, nem por outros versos que hão de certamente ser citados no discurso público português por ocasião do 10 de Junho, Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades, que, em 2025, ainda se enquadra nas comemorações do V Centenário do Nascimento de Camões, prolongadas até 2026. Previsível será igualmente a ocorrência de expressões como «musas inspiradoras», sobre a qual recaem suspeitas de pleonasmo vicioso. Contudo, no Consultório, dá-se conta de que essa é avaliação parcial, por não considerar o valor estilístico de certos usos aparentemente redundantes. Outros tópicos abordados na presente atualização: os fenómenos de assimilação e dissimilação de fizeste e armário; a transcrição fonética da palavra leite; a expressão «passar no exame»; e o ato ilocutório configurado por «falo do tempo e de pedras» (frase de José Saramago). Entretanto, devido ao feriado de 10 de Junho em Portugal, a próxima atualização fica agendada para 13 de junho, mas, acerca de Camões, da sua obra e do seu contributo para a afirmação da língua portuguesa, sugere-se a consulta dos textos que se disponibilizam na Antologia e aqui.
Na imagem, Encontro de Vasco da Gama com o Rei de Melinde, pintura que se encontra no Centro Cultural Português, em Santos (Brasil).
* O campo lexical da visão motiva abundantes aproveitamentos estilísticos no comentário político em Portugal. Uma palavra recorrente é evidente, que encerra etimologicamente a mesma raiz do verbo ver. Sobre a expressão «parece evidente», leia-se o artigo de opinião intulado "Inverdades, eufemismos, e outras coisas que parecem evidentes", que os neurologistas Rui Araújo e Diogo Carneiro assinaram no Público em 28/05/2025. Dizem estes autores, : «A expressão “parece-me evidente” é especialmente frequente [no discurso político], e causa alguma estranheza. Ora, se algo é evidente, ou seja, “que se compreende sem esforço, que é claro ou manifesto”, [...], “parecer evidente” é, na mais neutra das hipóteses, uma redundância. Contudo, pode-se ir ainda mais além. A utilização da expressão “parece-me” abre a possibilidade de dúvida e de explicações opostas, sendo utilizada precisamente quando a situação não é evidente.»
2. Falando de Camões, discute-se também o problema de desenvolver o gosto pela leitura da sua obra, questão que se generaliza a muitos outros autores. Em Montra de Livros, apresenta-se o Guia de Leitura que o Plano Nacional de Leitura lançou em Portugal, visando apoiar o trabalho dos docentes de Português como Língua Não Materna (PLNM).
3. Uma assentada foi a forma de protesto que o grupo ativista Climáximo organizou em 01/06/2025, junto do Aeroporto Sá Carneiro, no Porto. Em O Nosso Idioma, o consultor Carlos Rocha comenta esta nova significação de assentada.
4. Relativamente aos projetos em vídeo do Ciberdúvidas, o episódio 37 de Ciberdúvidas Responde incide no uso da expressão «menor de idade» no Brasil, e, em Ciberdúvidas Vai ás Escolas, distingue-se senão de «se não» (episódio 32, realizado com a participação do Agrupamento de Escolas Verde Horizonte em Mação).
5. A propósito das filas de imigrantes que, em Portugal, esperam a emissão ou a validação de documentos, registe-se o artigo "Carimbo, n.m." (Público, 31/05/2025), do professor universitário António Cerdeira, que revela uma curiosidade: a palavra carimbo e o verbo carimbar são especificidades da língua portuguesa, no contexto das línguas vizinhas. Com efeito, observa o autor que, em Santiago de Compostela, para certificar a realização da peregrinação, «[é] muito frequente, no caso dos peregrinos portugueses, serem incompreendidos nesse pedido, pois, ignorando a palavra espanhola que designa a marca deixada pelo sinete no papel (sello), ou a galega (selo), ou sequer a catalã (segell), os portugueses, exercitando o tão plástico portunhol, pedem que lhes “carimbien la credencial”.» Sobre a origem de carimbo, acrescenta: «a palavra carimbo provém do quimbundo do noroeste angolano kirimbu, significando "marca", e refere-se ao método cruel com que os captores, muitas vezes africanos, e os traficantes, quase sempre portugueses, marcavam indelevelmente os escravos negros com um ferro em brasa.»
5. Temas de dois dos programas que a rádio pública de Portugal dedica ao idioma de Camões.
– a emergência das variedades africanas, numa entrevista com o linguista e professor universitário Augusto Soares da Silva (Universidade Católica Portuguesa) incluída em Língua de Todos, na RDP África, sexta-feira, 6 de junho, pelas 13h20 (repetição no dia seguinte, depois do noticiário das 09h00);
– e, para comentar a padronização do português, enquanto língua pluricêntrica, o mesmo convidado em Páginas de Português, na Antena 2, domingo, 8 de junho, pelas 12h30 (com repetição no sábado seguinte, 7 de junho, às 15h30): Augusto Soares da Silva refere-se à sua participação na 11.ª Conferência sobre Línguas Pluricêntricas e suas Variedades Não-Dominantes, que decorreu de 22 a 24 de maio no Iscte-IUL, em Lisboa. O programa inclui ainda o apontamento gramatical da professora Carla Marques, sobre a utilização do hífen.