Aberturas - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A presença nos usos quotidianos de construções como «Mãe, posso água?» tem estado no centro das atenções em Portugal, como se conclui pela reportagem divulgada pela CNN Portugal. As estruturas em questão, associadas sobretudo ao universo linguístico infantil, ocorrem em casos de complexo verbal formado pelo verbo auxiliar poder seguido de um qualquer verbo principal, o qual é elidido. A recuperação inferencial do verbo por parte do interlocutor fica, assim, dependente do contexto. Por exemplo, uma criança, dirigindo-se à mãe, aponta para uma fatia de pão e verbaliza «Posso pão?», deixando à progenitora a tarefa de recuperar o verbo comer. O fenómeno conta já com vários registos por todo o país e tem deixado pais e professores preocupados. A situação abre a possibilidade de nos encontrarmos perante uma mudança em curso. A este propósito, importa ter presente que a língua não é estática e que as alterações, entre as quais as sintáticas, ocorrem na história da evolução do português. A título de exemplo, recordemos que, entre os séculos XIII e XIV, a colocação dos clíticos em frases afirmativas ocorria tanto em posição pré-verbal como pós-verbal. Veja-se como era correta a frase, hoje inaceitável em português europeu, «E a donzela lhe disse entom (...)»* (Primeiro Livro de Linhagens, Piel e Mattoso, 1980, 28). Não esqueçamos, todavia, que os processos de evolução necessitam, antes de mais, de tempo para se fixarem na língua e para se alargarem a vários segmentos da sociedade. Nenhuma destas premissas se verifica neste momento pelo que é ainda muito cedo para falar em mudança linguística. Poderemos, sim, considerar que o fenómeno de elipse presente nas construções infantis resulta de um processo de economia linguística e que as razões que o explicam não serão alheias ao facto de estarmos perante estruturas produzidas por crianças em estado de aprendizagem e alargamento do conhecimento sintático (e não só) da língua. Falar em mudança é, assim, extemporâneo. 

*O estudo e exemplos estão presentes em Ana Maria Martins, "Mudança sintática e história da língua portuguesa", In B. Head et al. (eds.). História da Língua e História da Gramática: Actas do Encontro. Univ.do Minho, 2002, pp. 251-297)  

2. É também a defesa da língua portuguesa que move a professora e antiga consultora do Ciberdúvidas Maria Regina Rocha. Constatando a presença cada vez mais generalizada da língua inglesa, sobretudo nos meios de comunicação social, a autora recorda títulos de programas e de rubricas, designações de cadeias de televisão e muitas opções que poderiam passar ao lado do recurso aos anglicismos (artigo divulgado no jornal Público e aqui partilhado com a devida vénia). A este propósito, registe-se o neologismo inglês entrado no léxico português: looksmaxing, usado para descrever o processo de aperfeiçoar a aparência pessoal. 

3. A presença do português do Brasil nas salas de aula portuguesas e no contexto social em geral tem contribuído para a consciência mais generalizada da existência de diferenças nas regras ortográficas relativamente ao português europeu. O consultor do Ciberdúvidas e gramático Fernando Pestana elaborou uma síntese de diferenças ortográficas entre as duas variantes, que será útil conhecer para compreender a diversidade da língua portuguesa no mundo.

 4. As dúvidas de natureza ortográfica levam, por vezes, os utilizadores da língua a hesitar entre grafias, uma situação que, por vezes, também é contemplada nas próprias análises dos gramáticos. Desta feita, apresentamos uma resposta que considera os casos das grafia de Cingapura / Singapura e beringela / berinjela. Ficam ainda disponíveis respostas para as seguintes questões: «Estão incompletas as aceções do termo nabo em alguns dicionários?», «O nome retrato pode ser acompanhado tanto de complemento como de modificador?», «A palavra impacto pode ser usada com particípio do verbo impactar?», «Papel rima com chapéu no português do Brasil?», «Qual a concordância possível em orações com quem?», «Os termos tanto e quanto integram sempre uma construção aditiva?» 

5. Qual a forma correta: abaixo-assinado ou «abaixo assinado»? E em que contextos se poderá usar a expressão? Estas questões estão na base do apontamento da consultora Inês Gama para o programa Páginas de Português na Antena 2.

6. Destacamos os seguintes eventos:

– Em Portugal, o primeiro laboratório de visualização imersiva de arquivos históricos nacionais, um projeto conduzido pelo ISCTE, que pretende digitalizar e disponibilizar ao público arquivos de organizações como o Instituto da Mobilidade e Transportes, o Ministério da Defesa Nacional e do projeto Ephemera, de José Pacheco Pereira (notícia);

– A comunicação de Fabrizio Boscaglia intitulada Fernando Pessoa, Omar Khayyam e o Orientalismo em língua inglesa, no âmbito do seminário Fernando Pessoa e a Cultura Inglesa, com lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no dia 18 de fevereiro, entre as 15h e as 16h (também disponível em direto no canal Youtube).

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. 14 de fevereiro é Dia de S. Valentim, ou Dia dos Namorados, uma celebração de origem anglo-saxónica que também se naturalizou em grande parte do mundo de língua portuguesa. Sobre como S. Valentim se tornou o padroeiro dos namorados, lê-se na Infopédia que a festa cristã se sobrepôs «ao festival pagão de Juno Februata, celebrado no dia seguinte, [e à] tradição de tirar os nomes dos namorados à sorte», o que «foi reforçado pela crença medieval de que os pássaros começavam a acasalar na festividade do santo». Se os amores se querem felizes, a verdade é que a literatura e a criação artística em geral têm especial predileção por associá-los à melancolia e à infelicidade. É o caso de Verdes Anos (na imagem ao lado*), um filme de 1963 realizado por Paulo Rocha, que vem à colação, porque o tema musical é da autoria de Carlos Paredes (1925-2004), cujo centenário se comemora em 16 de fevereiro de 2025. Paredes é um dos grandes vultos da música de Portugal, tendo sabido tirar partido do potencial de um instrumento tradicionalmente ligado ao fado: a guitarra portuguesa. Sem mencionar as diferenças que os instrumentos identificados pelo nome guitarra podem apresentar entre si e em relação a outros designados por viola e violão (cf. "Guitarra vs. viola), refira-se que é palavra de origem grega mas, ao que parece, transmitida pelo aramaico e depois pelo árabe às línguas latinas da Península Ibérica, de acordo com um esquema que se pode encontrar na entrada castelhana guitarra do dicionário da Real Academia Espanhola e que é também válido para o português: grego κιθάρα/kithára («cítara») > aramaico qiṯārā > ár. qīṯārah. Um bom exemplo, portanto, de como a história de uma palavra reflete simultaneamente o encontro de povos e a afirmação cultural de cada um deles.

* Na imagem, capa de Guitarradas Sob o Tema do Filme "Verdes Anos" (1963), de Carlos Paredes e Fernando Alvim (crédito: "Os Verdes Anos" in Memoriale Cinema Português, de Jorge Leitão Ramos). Para aprofundar a compreensão deste filme, leia-se o documento Os Verdes Anos, de Filipa Rosário, o qual faz parte da Coleção de Dossiês Pedagógicos do Plano Nacional de Cinema (PNC). Para ouvir a célebre peça musical, executada por Carlos Paredes, escutar aqui e, com poema de Pedro Támen, na voz de Teresa Paulo Brito, ouvir aqui. Finalmente, sobre a adequação dos termos guitarra e cítara para referir o instrumento musical, ler "Guitarra portuguesa: a história, a construção, a importância e o futuro", in Nascer do Sol (12/02/2025).

2. Na Montra de Livros, o tema é também o da diversidade: apresenta-se o número 2, volume 13, da revista elingUP (Universidade do Porto), que reúne textos da área da linguística computacional, tradução e variedades linguísticas.

3. «Os pronomes estão mesmo pelas ruas da amargura...», diz a escritora e editora Maria do Rosário Pedreira num texto que se divulga no Pelourinho, rubrica que inclui ainda um apontamento do consultor Carlos Rocha à volta de dois lapsos vocabulares nos noticiários de um canal de notícias português.

4. «São um perigo/ as palavras», lê-se num poema de Alice Vieira, extraído de O que dói às Aves e agora acessível na rubrica Antologia.

5. Os particípios passados do verbo secar, o significado do termo gramatical antecedente, a expressão «ir a penantes», o nome Caio, a análise de «viagem de avião» e um complemento oblíquo que inclui uma oração constituem os tópicos do conjunto de seis perguntas que atualizam o Consultório.

6. Quanto aos vídeos do Ciberdúvidas, fala-se da colocação do pronome pessoal átono em «vou-vos contar», em Ciberdúvidas Responde (episódio 17) e do uso de meia na expressão das horas, em Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 22).

7. Outros tópicos relacionados com temas da língua:

– as notícias do jornal espanhol El Mundo e outras publicações, segundo as quais 55 universidades de Espanha adotaram um guia politicamente correto para usos linguísticos não binários;

– um estudo de 2018, relativo ao português como língua de herança: Maíra Candian, "Memória fonológica de falantes de português brasileiro como língua de herança" (Domínios de Lingu@gem, EDUFU – Editora da Universidade Federal de Uberlândia);

– o anúncio da realização do congresso internacional "O Português no Mundo: Unidade, Diversidade e Diálogos Culturais no Países Lusófonos", em 21 e 22/05/2025, na Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes (Universidade Pedagógica), em Maputo.

8. Conteúdos de dois dos programas que a rádio pública de Portugal dedica à língua portuguesa:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 14/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), a professora Rute Perdigão (Escola de Educação do Instituto Piaget) aborda a importância da imersão, da transversalidade e da diversidade linguística na formação de professores;

João Pedro Aido, presidente da Associação de Professores de Português, comenta o recentemente publicado relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 16/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 22/02/2025, às 15h30*). Inclui-se ainda um apontamento gramatical da consultora Inês Gama sobre a utilização do hífen em abaixo-assinado.

* Hora oficial de Portugal continental.

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1. O projeto do Ministério de Educação português designado por «provas-ensaio» decorre na semana entre 10 e 14 de fevereiro com o objetivo de preparar os alunos dos 4.º, 6.º e 9.º anos para a transição de uma avaliação externa em papel para o formato digital. Esta iniciativa tem trazido alguma instabilidade às escolas quer porque evidencia as fragilidades dos sistemas informáticos no ensino quer porque desencadeou um movimento contra a realização destes testes, cuja validade se questiona, e contra a obrigatoriedade da sua correção por parte dos professores, uma opção que aumentará o volume de trabalho já excessivo. No plano linguístico, as alterações na área da avaliação externa têm propiciado a inovação lexical, como se verifica pelo aparecimento de estruturas lexicais como «provas-ensaio» e «provas ModA». A primeira é um composto que resulta da junção de dois nomes associados por meio de um hífen. A obrigatoriedade de hifenizar compostos formados por dois nomes não está claramente prevista no Acordo Ortográfico de 90, mas constitui uma opção que se funda na tradição que, de igual forma, dita que a junção de um verbo a um nome se faz por meio de hífen (como em «lava-louça»). Note-se ainda que o plural desta palavra assume a forma «provas-ensaio», pluralizando apenas o primeiro nome e não o da direita porque este é analisado como um modificador que incide sobre o núcleo do composto, o único que, por esta razão, assume forma singular e plural. Inovador é também o nome ModA, um acrónimo formado a partir da expressão «monitorização da aprendizagem», e que se destaca pela originalidade de incluir uma maiúscula no seu interior. Estamos perante uma opção que não se enquadra nos modelos canónicos de grafia de acrónimos. Não obstante, é possível assinalar também o seu uso em acrónimos como UAb (Universidade Aberta) ou UAlg (Universidade do Algarve), onde se recorre ao uso de maiúsculas interiores como forma de destacar um dos elementos constitutivos da nova palavra.

2. O provérbio «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo» foi usado em tempos pretéritos com um significado que contraria os factos médicos relacionados com o sarampo, mas, no entanto, tem um fundo de verdade, como explica a professora Carla Marques no seu apontamento dedicado à Dúvida da Semana (divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

3.  Por que razão na sigla GNR, a primeira letra se lê como e não como guê? Encontramos a explicação para este fenómeno na atualização do Consultório, onde se disponibilizam igualmente outras cinco novas respostas a questões colocadas pelos consulentes: «O termo jubilado», «Concordância: «Gratidão é bom»», «Singular genérico: «caminhão demora a frear»», «O uso nominal de querer» e «O nome pessoa com modificador». 

4. A posição de alguns linguistas, que questionam os modelos de padrão normativo seguidos pelos gramáticos, motiva a reflexão do linguista brasileiro Aldo Bizzocchi sobre a gramática que queremos, partilhada, com a devida vénia, na rubrica Controvérsias

5. Entre os eventos a decorrer, destacamos:

– O V PHONOSHUTTLE OPO-LIS - Ponte aérea de Fonologia, encontro de fonologia promovido pelo Centro de Linguística da Universidade do Porto e pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, com lugar nos dias 13 e 20 de fevereiro, entre as 12h00 e as 13h30, em formato virtual, através da plataforma Zoom;

– O 40.º Colóquio da Lusofonia, com lugar nos dias 23 a 27 de abril, em São Miguel (Açores).

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1. A língua evolui muito (sempre) entre dois polos da atividade linguística dos falantes: a deturpação e a criatividade, nem sempre discerníveis. Os conteúdos dos media dão a toda hora exemplos desta situação, como documentam breves registos que o Ciberdúvidas vai recolhendo no seu canal no Youtube. Conta-se agora entre eles o uso discutível do adjetivo e nome vernáculo como sinónimo de «calão, linguagem grosseira» conforme se ouviu num comentário televisivo sobre a atualidade do futebol português: «Eu tenho uma palavra para tudo isto, não a posso dizer na televisão porque... também é um vernáculo» (CMTV, 28/01/2025). Como já houve aqui oportunidade de explicar, a palavra vernáculo regista-se tradicional e lexicograficamente na aceção geral de «idioma próprio de um país ou região; uma língua pátria, na sua pureza» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). 

Refira-se também outro caso, igualmente recolhido no canal Ciberdúvidas no Youtube e ilustrativo do outro polo de modificação linguística, o da criatividade. Trata-se da forma Centenistão, provavelmente cunhado no momento, com intuito crítico, num comentário aos cortes orçamentais ordenados por Donald Trump nos EUA: «É ilegal desrespeitar a lei orçamental do Congresso. Nos Estados Unidos, não há cativações, não é, não há cativações. Não vivemos no Centenistão, não é?» Refira-se que a palavra alude a Mário Centeno, que foi ministro das Finanças em Portugal, de 2015 a 2020, e é, desde julho de 2020, governador do Banco de Portugal. Sobre a produtividade do elemento -istão, truncado de nomes de países como Paquistão e Afeganistão, para conotar situações sociais, económicas ou políticas vistas negativamente, leia-se "O impacto das crises na língua portuguesa", da jornalista Filipa Lino. Crédito da imagem: xukun_1995, Pixabay.

2Epónimos são nomes comuns resultantes da conversão de nomes próprios. Será o caso de carrasco, na aceção literal de «indivíduo que executa a pena de morte», originário do nome Belchior Nunes Carrasco, algoz do século XV (cf. Dicionário Houaiss). Em O Nosso Idioma, a consultora Inês Gama apresenta algumas palavras cuja origem são nomes de figuras históricas.


3
. Sobre a decisão do Presidente norte-americano Donald Trump em relação a novas taxas para produtos da China e do Canadá, o político e comentador Paulo Portas disse que o caso era «um pedaço estranho», na CNN Portugal (02/02/2025). Será que a um pedaço pode juntar-se um adjetivo para exprimir o grau em que manifesta certa característica? À pergunta responde a consultora Sara Mourato, numa reflexão sobre o uso de pedaço na língua portuguesa – também na rubrica O Nosso idioma.

4. Em Montra de Livros, em breve nota, apresenta-se de História Global da Literatura Portuguesa, uma obra que reúne cem artigos sobre a relação da literatura portuguesa com outros espaços linguísticos e culturais, desde as origens medievais galaicas à contemporaneidade.

5. Em que país de língua portuguesa se usa palavra barba-cara (também grafada «barba cara», como locução), com o significado de «desfaçatez, descaramento»? Na atualização do Consultório, dá-se resposta a esta e a outras questões, num total de seis: a frase «a mim ninguém controla» está correta? O que é um avicóptero? Que diferença há entre «outros» e «os outros»? Cesta, sexta e sesta são palavras homófonas? E qual a figura de estilo em «meu amor, minhas boninas, olho de perlinhas finas» (Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente)?

6. A respeito dos vídeos que o Ciberdúvidas difunde nas redes sociais, registe-se que, em Ciberdúvidas Responde (21.º episódio), o tema é a concordância com expressões de percentagem na perspetiva normativa do Brasil; e também de concordância se fala em O Ciberdúvidas Vai às Escolas (16.º episódio), a propósito da locução «é necessário».

7. Quanto a iniciativas e acontecimentos a terem lugar em Portugal e com interesse linguístico e literário, salientam-se: as I Jornadas "Humanidades Digitais na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa", que se realizaram de 5 a 07/02/2025, em formato híbrido; a chamada de trabalhos, até 16/02/2025, para as IV Jornadas Científicas Internacionais sobre a Investigação em Disponibilidade Léxica, um encontro promovido por especialistas espanhóis e pela primeira vez realizado fora de Espanha, na Universidade do Minho, em Braga (mais informação aqui); a sessão “A noção de padrão discursivo: análise de textos e caracterização de géneros”, pela linguista Rute Rosa (Centro de Linguística da Universidade Nova), em 14/02/2025 (via Zoom; mais informação aqui); e, em Óbidos, de 13 a 16/02/2025, o festival Latitudes – Literatura e Viajantes.

8. Nos programas que, na rádio pública de Portugal, têm a língua portuguesa por tema, tem relevo:

– Em Língua de Todos, programa difundido pela RDP África, na sexta-feira, 07/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), entrevista-se o professor universitário e tradutor Marco Neves sobre o seu recente livro Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa, em que se retoma o tema da hipercorreção e das ideias falsas sobre o português e o funcionamento das línguas em geral.

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 09/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 15/02/2025, às 15h30*), conversa-se com Rute Perdigão, professora adjunta da Escola de Educação do Instituto Piaget, acerca do tema "Imersão, transversalidade e diversidade linguísticas na Formação de Professores", e a professora Carla Marques comenta um ditado popular: «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo.»

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A atualidade está marcada pelo aviso do presidente do EUA Donald Trump de que poderá criar taxas aduaneiras para os produtos europeus. Esta sua declaração insere-se no quadro das iniciativas MAGA, um acrónimo que abrevia o slôgane da sua campanha presidencial: «Make America Great Again» e que atualmente funciona linguisticamente como um hiperónimo que aglutina todas as iniciativas promovidas pelo novo governo americano. Trump continua, deste modo, a contribuir não só para a instabilidade da política internacional como ainda estimula uma atividade linguística que promove a criação de neologismos. Entre os mecanismos de inovação lexical associados à ação do presidente, assinalamos hoje a extensão semântica do termo inglês to weave / weaving (à letra, «a trama / a tecelagem»). Com efeito, é o próprio Trump que assume que os processos de criação dos seus discursos assentam no que ele designa por «the weave». Na ótica do presidente, este é um novo estilo de oratória marcado pela genialidade e que ele descreve da seguinte forma: «falo sobre cerca de nove coisas diferentes, e elas acabam por se harmonizar de forma brilhante» (tradução nossa). Não obstante a visão autoelogiosa, os discursos de Trump têm sido considerados errantes, ininteligíveis e incoerentes, podendo inclusive constituir um sinal da sua decadência cognitiva. No meio-termo, os europeus continuam a aguardar as novidades resultantes da "tecelagem" do presidente americano, o que talvez nos permita encontrar a palavra certa para descrever os seus processos mentais e discursivos. 

Primeira imagem: Foto das notas de Donald Trump, numa conferência de imprensa (Fonte: Jornal The New Republic). 

2. A tensão linguística patente na escolha o uso de «ter de» ou de «ter que» é resolvida, do ponto de vista da tradição normativa, pela opção pela primeira estrutura. No entanto, os usos continuam a não confirmar em absoluto o respeito por esta opção gramatical. Partindo da análise dos usos patentes numa fonte jornalística, o gramática brasileiro Fernando Pestana procede a uma análise dos dados, cujos resultados partilha neste seu apontamento (aqui divulgado com a devida vénia). 

3. Ao Consultório chegam diversas perguntas de âmbito ortográfico de palavras/estruturas como «cabeça de cartaz», lombossagrado e cossolicitante. No quadro da sintaxe, analisa-se a função sintática desempenhada pela oração relativa em «aqui, onde vivo...», o comportamento dos pronomes relativos conjugados com o verbo servir e o uso de vírgula com modificadores relacionados com cargos ou parentesco. Divulgamos ainda uma resposta sobre a etimologia do substantivo princípio, uma outra sobre o género de BADESC.

4. A questão da literacia em Portugal está na base da crónica da professora universitária  e escritora Dora Gago, que nos deixa a seguinte reflexão: «Terra da Iliteracia encontra-se em expansão, como o comprovam vários estudos, como foi o caso, muito recentemente do Relatório Global da OCDE sobre as competências dos adultos, no qual Portugal evidenciou desafios na literacia, numeracia e resolução de problemas da população adulta, classificando-se muito abaixo da média.» 

5.  Entre os eventos dignos de referência, destaque para:

– O Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, assinalado a 5 de fevereiro, que o Plano Nacional de Leitura (PNL) assinala com o lançamento de pequenos desafios

– O Congresso Internacional Fernando Pessoa, nos dias 12, 13 e 14 de fevereiro de 2025, que terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, Auditório 2.  

6. Uma nota final de pesar para a jornalista,  escritora e poetisa Maria Teresa Horta, que faleceu hoje (04/01/2025), em Lisboa. Com uma vasta obra poética e ficcional, Maria Teresa Horta deixa um legado inconfundível, no qual se destacam as Novas Cartas Portuguesas, obra escrita em coautoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (as autoras ficaram conhecidas como «as três Marias»), conhecida pela sua matriz feminista e pelo contributo para a queda do regime de Marcello Caetano. 

Imagem: pormenor do mural «Mulheres da Revolução de Abril», de Elton Hipólito (2019), em Vila Nova de Cerveira

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A aprendizagem da língua portuguesa pelas comunidades estrangeiras radicadas em Portugal é tema mediático, gerando preocupação na vida governativa e política em geral (cf. "Um em cada quatro alunos estrangeiros tem um “conhecimento limitado” da língua portuguesa", Público, 23/01/2025). No plano do ensino, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) anuncia o Plano Aprender Mais Agora (A + A) através de duas notas informativas, uma relativa à contratação de «mediadores linguísticos e culturais» e outra respeitante a medidas a aplicar ao funcionamento da disciplina de Português como Língua Não Materna (PLNM) – cf. Direção-Geral de Educação. A propósito destas preocupações, apresenta-se em Montra de Livros a publicação Desafios e Descobertas: Perspe(c)tivas do Português como Língua Não Materna, que visa dar conta de diferentes perspetivas de investigadores e professoras sobre problemas e inovações no ensino de PLNM.

Crédito da imagem: Gerd Altmann, Pixabay.

2. Espaço privilegiado de inovação verbal e contacto interlinguístico é o mundo do futebol. No Pelourinho, o consultor Carlos Rocha aborda um uso "castelhanista" de ilusão, ou seja, um caso de castelhanismo semântico, por enquanto, só justificável pelo espanhol ilusión.

3. Diz-se e escreve-se «mais se informa» ou «mais informa-se? Esta é uma das seis perguntas que atualizam o Consultório, que abrange ainda os seguintes tópicos: a expressão «doença social», o uso de vírgulas com adjuntos adnominais, os valores aspetuais de uma frase, a grafia de telessaúde e os compostos que integram o nome limite.

4. Relativamente aos projetos que o Ciberdúvidas desenvolve em vídeo, em Ciberdúvidas Responde (episódio 20) encerra-se o ciclo de esclarecimentos sobre termos associados ao ano novo e, no episódio 14 de O Ciberdúvidas Vai às Escolas, o qual conta com a participação da Escola Secundária Fernando Namora (Condeixa-a-Nova), dá-se conta da concordância verbal correta com a construção «a maioria de» seguida de nome.

5. Registos vários, à volta do português e das línguas em geral: as críticas contra o Acordo Ortográfico de 1990 a que o jornalista Nuno Pacheco volta mais uma vez no jornal Público em 30/01/2025, argumentando com situações, quanto a ele, reveladoras de contradições nefastas; o recente lançamento de uma nova edição do Novo Dicionário Etimológico do Português Arcaico – séculos XIII-XVI, um trabalho de Américo Venâncio Lopes Machado Filho, professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA); e outra questão também retomada, a de saber até que ponto as línguas condicionam o pensamento, num apontamento da BBC Brasil dedicado ao livro A Myriad of Tongues («Uma Miríade de Línguas»), de  Caleb Everett, um linguista que, desde a infância, tem tido contacto com as línguas indígenas do interior da Amazónia, em Rondónia.

6. Semanalmente, as Notícias registam os temas dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas produz para a rádio pública de Portugal, ou seja:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 31/01/2025, às 13h20*, a professora Sandra Duarte Tavares fala sobre o aperfeiçoamento da competência linguística dos alunos das nossas escolas. O programa conta também com a participação da linguista brasileira Edleise Mendes (UFBA), com um apontamento a respeito da ideia de translinguagem.

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 02/02/2025, às 12h30*, inclui-se uma conversa do professor e tradutor Marco Neves, conhecido divulgador de temas linguísticos, acerca de Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa. Esta emissão inclui um apontamento gramatical da professora Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. No dia 27 de janeiro de 2025 passaram 80 anos desde o dia em que o campo de concentração de Auschwitz foi libertado pelas tropas soviéticas. A entrada no campo dos soldados deixou a descoberto as atrocidades cometidas naquele local, onde se exterminou cerca de um milhão e meio de judeus (de um total de seis milhões assassinados no decurso da Segunda Guerra Mundial). Um momento da História que a memória humana não deve esquecer para que barbaridades desta natureza não voltem a ter lugar. Estranhamente, no entanto, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto convive com tempos de negacionismo do extermínio levado a cabo nos campos de concentração criados pelo regime nazista e assiste a atos de violência extrema que recordam genocídios passados e que vão a par de ondas de antissemitismo. Situações que espelham o passado e que convocam, de forma mais intensa, a necessidade da perenidade da memória. Falar do passado, analisá-lo e refletir sobre as suas implicações poderá ser o caminho para evitar amnésia do mal, que ameaça grassar um pouco por todo o lado. Os acontecimentos relacionados com aquele período negro da História dizem-se com palavras. Aqui ficam algumas que poderão contribuir para a consciência sempre ativa de que é preciso querer que a «banalidade do mal» (expressão e teoria da filósofa Hannah Arendt) não se instale de novo: nazi e nazista são ambas palavras corretas, que poderão ser usadas quer como substantivos quer como adjetivos; embora seja uma sigla, SS (de Schutz, «proteção, defesa» e Staffel, «equipa») pode ser acompanhado de artigo no plural, o que se justifica pela força do uso; a palavra holocausto grafa-se com maiúscula quando refere o período em que ocorreu o massacre dos judeus e outras minorias; judeu ou judia podem ser usados como substantivos ou adjetivos, mas judaico, apenas como adjetivo; judaísmo leva acento no -i- e não é palavra derivada de judeu ou judia; o verbo judiar pode significar «observar os preceitos da religião judaica», mas também tem valor depreciativo de «fazer troça de; fazer diabruras ou maldades». (A propósito desta temática, recorde-se também o artigo «Churban, Holocausto e Shoah, ou da difícil nomeação»). 

Primeira imagem: Entrada principal de Auschwitz, onde se pode ler a frase «O trabalho liberta» (Fonte Agência Brasil). 

2. Poderá o complemento direto (ou objeto direto, na nomenclatura brasileira) ser introduzido por uma preposição? A resposta a esta questão é a primeira que se inclui na atualização do Consultório. A ela associam-se outras seis: as datas exigem próclise do pronome átono? Quais os recursos expressivos presentes nos versos «Que a abominável onda / O não molhe tão cedo», de Ricardo Reis? O que significa a expressão «etimologia obscura», patente nos dicionários? Qual o significado de crente e evangélico? Qual a origem das palavras capacitismodeterrência especialismo? E qual o aumentativo de comedor

3.  A locução «cerca de», que pode surgir em construções como «A consulta demorou cerca de uma hora» integra que classe de palavras? A professora Carla Marques apresenta a explicação, no âmbito do desafio semanal, uma rubrica destinada às redes sociais do Ciberdúvidas e divulgada no programa da Antena 2, Páginas de Português

4. O professor universitário brasileiro Rafael Rigolon apresenta um apontamento dedicado à família de palavras de idiota, considerando a sua etimologia. 

5. Entre os destaques desta semana, assinalamos:

– O início dos serviços em linha de empréstimo de livros eletrónicos, por meio da biblioteca pública de leitura e empréstimo digital BiblioLED, disponível nos municípios portugueses que aderiram ao projeto;

– O artigo de análise dos impactos da Inteligência Artificial no ensino e na avaliação dos estudantes e onde se propõem modelos de aprendizagem autónoma, divulgado no jornal Público (disponível aqui). 

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. Outras notícias haverá além das protagonizadas pelo novo Presidente dos EUA Donald Trump, mas os acontecimentos à sua volta motivam usos mais ou menos inovadores nos media em português. Para já, entre as numerosas medidas anunciadas pelo recém-empossado presidente dos EUA, uma que evidencia o papel da toponímia  numa estratégia de afirmação nacionalista: a decisão (ou intenção) de substituir «golfo do México» (em inglês, «gulf of Mexico») por «golfo da América» («gulf of America»), substituição que não tem de ser seguida em língua portuguesa. Maior relevo teve o sermão de  Mariann Edgar Budde, líder da Igreja Episcopal de Washington, que, em 21/01/2025, na catedral de Washington (na imagem), dirigiu um pedido a Trump, gerando controvérsia (Observador, 22/01/2025). Porque se trata de uma mulher que exerce as funções de bispo, leu-se a palavra bispa em muitas publicações; outras, em minoria, optam por «mulher bispo», que lembra o funcionamento dos nomes epicenos e pode não ser solução feliz. Bispa tem vantagem: é vocábulo bem formado, como nome do género feminino correspondente a bispo e, tal como a ministro corresponde ministra, surge pela simples mudança do morfema -o em -a, ou seja, em linguagem especializada, pela troca dos índices temáticos associados à categoria gramatical de género. Se estranheza existe, esta advirá de, nos meios católicos, o cargo de bispo ainda só ser desempenhado por homens. Não é assim nas igrejas de tradição protestante, facto reconhecido pelo registo de bispa na Infopédia – «mulher que chefia uma diocese, em certas religiões cristãs não católicas». O Dicionário Priberam igualmente consigna o termo com definição próxima da anterior, sem, no entanto, especificar a corrente cristã, e, como sinónimo de bispa, apresenta ainda episcopisa, com mais tradição para denotar «nos primórdios do cristianismo, mulher que exercia algumas funções sacerdotais, especialmente nos cultos litúrgicos» (Dicionário Houaiss). Episcopisa tem contraparte masculina em epíscopo, forma erudita pouco corrente e sinónima de bispo (ibidem); no entanto, a sua legitimidade funda-se também em papisa, feminino de papa que se fixou e evoca uma lenda famosa. Mas, se o homem que ocupa este alto cargo eclesiástico é geralmente conhecido como bispo, e não como epíscopo, para quê preferir episcopisa a bispa, muito mais transparente?

2. O português conserva muitos galicismos que documentam um intenso contacto com a cultura de língua francesa, de finais do século XVIII a meados do século XX. Em Diversidades, a consultora Inês Gama propõe inverter a perspetiva e apresenta alguns lusismos franceses, isto é, palavras francesas cuja origem é portuguesa.

3. Até que ponto é adequado falar de «erros "dispendiosos"» num jogo de futebol? No Pelourinho, a consultora Sara Mourato dedica um apontamento a este emprego do adjetivo dispendioso.

4. Pode-se afirmar que, em qualquer narrativa, o imperfeito do indicativo configura momentos de descrição? A resposta inclui-se no conjunto de seis que atualizam o Consultório e abrangem ainda os seguintes tópicos: o dativo ético, as construções partitivas com numerais cardinais, a grafia de láctico, o uso de demonstrar-se com predicativo do sujeito e as noções de frase, oração e sintagma.

5. «A descrição gramatical far-se-á obrigatoriamente em corpus de língua escrita dada a cabal impossibilidade de fazê-lo em corpus de língua oral» – declara Ricardo Cavaliere, linguista, filólogo e membro da Academia Brasileira de Letras, numa reflexão sobre a definição da norma linguística no Brasil. O texto, publicado na página Língua e Tradição (Facebook, 05/01/2025), transcreve-se com a devida vénia na rubrica Controvérsias.

6. Relativamente aos projetos de divulgação e didática do Ciberdúvidas, retoma-se o comentário do nome Melchior e fala-se da grafia de Baltasar no 19.º episódio de Ciberdúvidas Responde, e aprende-se a identificar as funções sintáticas das orações subordinadas substantivas no 14.º episódio de Ciberdúvidas Vai às Escolas (com a participação da Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova).

7. Da atualidade da atividade académica em língua portuguesa, salienta-se: a realização do 8.º Encontro Internacional do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), subordinado ao tema “Do social ao linguístico e retorno(s): textos, língua e desenvolvimento”, de 22 a 24 de janeiro de 2025, na NOVA FCSH, em Lisboa, Portugal; a chamada para a apresentação de trabalhos no XIII EMEP – Encontro Mundial sobre o Ensino de Português, organizado pela  American Organization of Teachers of Portuguese (Associação Americana de Professores de Português), a ter lugar na Duke University em 1 e 2 de agosto de 2025; e a chamada de artigos para o dossiê Novos estudos em História da Língua Portuguesa: Novas abordagens para uma redefinição da periodização linguística do português, incluído na Revista Philologus.

8. Nos programas que, na rádio pública de Portugal, têm a língua portuguesa por tema, são temas de relevo:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 24/01/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), conversa-se com Carlos Nuno Granja a propósito da sua recente obra A Arte de Gostar de Ler. Ainda um apontamento gramatical de linguista Sandra Duarte Tavares acerca da frase «A União Europeia decidiu apoiar as milhares de vítimas da catástrofe».

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 26/01/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 01/02/2025, às 15h30*), Carlos Nuno Granja e o seu livro preenchem a maior parte da emissão. O programa inclui a resposta da professora e consultora permanente do Ciberdúvidas, Carla Marques, à pergunta: será que a palavra não tem forma plural?

* Hora oficial de Portugal continental.

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1. Donald Trump tomou posse como quadragésimo sétimo presidente dos Estados Unidos da América, no dia 20 de janeiro. O seu regresso ao poder ficou marcado por toda uma subversão lexical caracterizada pela associação de novos valores a algumas palavras, que são mobilizadas para dizer algo diferente do seu valor habitual, como se pode constatar pela análise dos mais recentes discursos presidenciais. O mundo assistiu, logo após a tomada de posse, a uma fúria legislativa que conduziu à emissão de perto de largas dezenas de ordens executivas, uma decisão que permitiu ao líder americano afirmar que seria «ditador por um dia», associando a palavra ao sentido de «aquele que decide muito rapidamente». Na subida de Trump ao poder, destaca-se a descrição do seu mandato como uma nova «era dourada», uma expressão aplicada habitualmente a um período de paz, harmonia, estabilidade e prosperidade, mas que, sendo usado como um valor proléptico, acaba por poder cobrir qualquer realidade, mesmo a mais inesperada. No discurso de tomada de posse, Trump descreveu-se como «pacificador», mas não deixou de agitar as águas ao exigir o Canal do Panamá; acrescentou à palavra «imigração» o valor de "invasão" e sustentou que «ser daltónico» é ver apenas dois géneros: masculino e feminino. Entretanto, o planeta ficará à espera de perceber como os valores lexicais se alargarão para cobrir novas realidades ditas com termos de valores eufóricos e sempre justificadas pelo desejo de «tornar a América grande», ainda que o fosso entre a realidade e as palavras se possa revelar abismal. 

2. Em cada nova situação, a língua vai-se ajustando a novas possibilidades de sentido ou criando condições para o aparecimento de novas palavras. Neste âmbito, registamos esta semana o termo aporofobia ¹, criado pela filósofa espanhola Adela Cortina para referir a «aversão aos pobres», e a palavra doxocracia, usada pela politóloga italiana Nadia Urbinati para descrever «um poder monopolista da nossa mente», que, segundo ela, poderá caracterizar a ação de Donald Trump em associação à do multimilionário Elon Musk.   

¹ Cf. Aporofobia —o medo dos pobres que anula a empatia.Fundéu declara termo cunhado pela filósofa Adela Cortina como a palavra do ano de 2017

3. Na atualização do Consultório, destacamos o predomínio de questões relacionadas com aspetos lexicais: «O verbo plasmar», «Luthier, lutier, luteiro e violeiro», «Laço e gravata-borboleta» e «Realidade e verdade». Ainda duas questões de natureza sintático-semântica («Infinitivo simples e infinitivo composto» e «A sintaxe de comparticipar»), uma relacionada com a morfologia («A palavra boboca») e uma interpretação estilístico de alguns versos d'Os Lusíadas Uma aliteração camoniana»). 

4. Na rubrica Dúvida da semana, a professora Carla Marques analisa a questão da contração ou não da preposição seguida de artigo em diferentes contextos sintáticos e considerando a realidade do português europeu (divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

5. A  escritora e professora universitária Dora Gago propõe uma reflexão assente na analogia entre a fábula da cigarra e da formiga e o comportamento de alguns alunos em contexto escolar e social, deixando uma avaliação de natureza moral para os tempos modernos. 

6. Entre os eventos de relevo, destaque para:

– A Conferência: Criatividades Periféricas "Juventudes, Territórios e Políticas Públicas", com lugar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos dias 30 e 31 de janeiro (mais informações);

– O 8.º Encontro Internacional do Interacionismo Sociodiscursivo, organizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, nos dias 22 a 24 de janeiro (mais informações).  

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1. Ainda assinalando o 28.º aniversário do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, lançado a 15 de janeiro de 1997, ocorre perguntar que interesse os problemas de gramática e de norma da língua despertam entre falantes de português nascidos à roda desta data, ou seja, a Geração Z*. Que apelo terá um serviço gratuito como Ciberdúvidas, que dá esclarecimentos sobre temas da língua para esta geração nos países de língua portuguesa, nomeadamente, em Portugal? É um inquérito por fazer, mas vale a pena refletir no tema da consciência e competência linguísticas dos jovens adultos lusófonos, que enfrentam enormes incertezas, incluindo as linguísticas. A propósito do trabalho de quase três décadas do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, a consultora Inês Gama reflete em O Nosso Idioma sobre a utilidade deste serviço para os jovens adultos da Geração Z.

*Justifica-se também aqui lembrar que a expressão «Geração Z» faz parte de uma série de denominações, originalmente cunhadas em inglês, que identificam sociologicamente as gerações que se têm sucedido desde finais do século XIX. Três das gerações dos últimos 60 anos são identificadas pelas últimas letras do alfabeto latino e, assim, fala-se de Geração X, nascida entre 1965 e 1980, de Geração Y (ou Mileniais), entre 1981 e 1996 e de Geração Z (ou Zoomers, em inglês), entre 1997 e 2010/2012. Quanto à escrita da palavra geração, não sendo obrigatória a maiúscula inicial, esta é legítima em português quando se pensa no exemplo de Ínclita Geração – isto é, «ilustre geração» –, expressão em que geração tem maiúscula. Observe-se que Ínclita Geração é uma criação de Camões para referir, em Os Lusíadas, os filhos de D. João I, que protagonizaram os destinos do então reino de Portugal nas primeiras décadas do século XV. Crédito da imagem: https://justinsecurity.medium.com/xyz-why-b855970fdd89.

2. Quando o português não parece suficiente, recorremos ao inglês para um appetizer («aperitivo, entrada») ou talvez um pouco de awareness («consciência, perceção»). No Pelourinho, a consultora Sara Mourato dá conta de mais um exemplo de anglicismos escusados num canal televisivo de informação.

3.  Que valor modal tem uma frase como «É admirável e arrepiante a coragem dela»? E o que se entende por modalidade nos estudos linguísticos? São interrogações que configuram uma das oito questões que atualizam o Consultório. Abordam-se também tópicos das áreas da sintaxe – a construção clivada «é... que...», a concordância com «cada um» e a expressão «fazer cirurgia» –, do léxico – a locução «pé de castelo», a formação de adjunção, disjunção e conjunção – e da semântica – a incompatibilidade de suplicar com querer e um caso inesperado de sinonímia entre acerto e asserto.

4. Relativamente às rubricas em vídeo do Ciberdúvidas, dão-se pistas para a identificação das orações subordinadas substantivas em Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 13, com a colaboração da Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova), enquanto em Ciberdúvidas Responde (episódio 18) fecha-se o ciclo do Natal com um comentário acerca do uso da forma hifenizada Ano-Novo no português do Brasil.

5. «Quando digo língua, digo mar, digo mãe e saboreio o amor de cada sílaba» – lê-se num novo texto da rubrica Antologia. É um poema em prosa da professora e escritora Ana Albuquerque.

6. Refira-se uma apropriação muito interessante, pelo escritor Miguel Esteves Cardoso, da terminologia gramatical, para falar de como se forma um leitor. Num texto intitulado "O sujeito e o predicado" (Público, 09/01/2025; mantém-se a ortografia do original), à volta da frase «ela lê um livro», afirma este autor: «A sequência sujeito-predicado-complemento indica a importância: a pessoa está acima da actividade, e a actividade está acima do objecto.» E acrescenta, provocador: «Para pôr alguém a ler, é preciso conhecer essa pessoa, para descobrir o que interessa: o sujeito vem primeiro. [...] O livro que ela lê – o complemento – é o menos importante, até porque pode sempre trocá-lo por outro.»

7. Outros registos, de eventos e opiniões em torno da língua portuguesa:

– a comemoração do bicentenário do escritor Camilo Castelo Branco (1825-1890), autor de Amor de Perdição (1862), entre muitos outros romances e novelas;

– o programa de Leituras no Mosteiro, uma iniciativa do Teatro Nacional S.João, no Porto, que, em 2025, é dedicada ao teatro em português, encerrando em junho com a leitura das três peças conhecidas de Luís de Camões: as comédias FilodemoAuto chamado dos Enfatriões e Comédia d’El-Rei Seleuco;

– à volta do projeto Amália, um grande modelo de linguagem para o português (em inglês, Large Language Model – LLM), a opinião de linguista Violeta Amélia Magalhães (Público, P 3, 06/01/2025), que considera que «[à] entrada em 2025, seria insensato ignorar que um LLM é uma forma de visibilidade e reconhecimento linguístico»;

– o artigo de opinião  "A língua que ainda está aqui" (Público Brasil, 15/01/2025), no qual o autor, o professor e linguista José Luís Landeira, defende que, «[s]e queremos que a língua portuguesa seja a ponte entre seus muitos milhões de falantes, precisamos pensá-la organicamente, como uma realidade plural e questionadora».

8. Em dois dos programas que, na rádio pública de Portugal, se centram na língua portuguesa, são temas de relevo:

– em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 17/12/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), a linguista Sandra Duarte Tavares discute algumas particularidades gramaticais do português. Participa ainda Carlos Rocha, editor executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, para falar de liberdade poética a propósito da expressão «bicos de rouxinóis» num poema de Vinicius de Moraes, O Falso Mendigo;

– uma entrevista a Joana Pimentel, presidente da CATPor (Canadian Association of Teachers of Portuguese – Associação de Professores de Português do Canadá), a propósito do VII Simpósio da CATPor, a decorrer nos dias 1 e 2 de março de 2025, na Missão Santa Cruz, em Montreal, Quebeque, em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 19/01/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 25/01/2025, às 15h30*). O programa incluirá um apontamento gramatical da professora Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.