« (...) Os poliglotas nacionais são sobretudo jovens, entre os 18 e os 24 anos, faixa etária a que pertencem 91,6% dos plurilingues. A aprendizagem continua a ser dominada pelo inglês, sendo o idioma de Shakespeare o segundo mais comum para os portugueses, como comprovam 91% dos inquiridos. (...)»
Ciao! Hello! Salut! Hola! Shalom! Ni hao! Estas são algumas das formas de lhe dizer olá em seis dos 7111 idiomas que fazem do nosso mundo um espaço singularmente plural. Acha que são demasiados? Pode complicar a comunicação, principalmente numa era em que ela se quer instantânea? A má notícia, de acordo com o prestigiado compêndio Ethnologue, é que metade desses idiomas pode já não existir no próximo século. A boa notícia, com tanto de otimista como de impraticável, é que, no século XIX, Ludwik Zamenhof tinha um sonho: unir a Humanidade sob o desígnio de uma mesma língua franca, por todos os povos entendida.
Chamou esperanto a essa esperança. O sistema fonético e gramatical, criado artificialmente pelo linguista polaco e cujas bases foram publicadas em 1887, nunca passou de uma utopia etérea, sem raízes no quotidiano, até porque muitos dos seus precursores foram presos e mortos durante a II Guerra Mundial. Ainda assim, a UNESCO estima que, nos quatro cantos do globo, existam 10 milhões de falantes.
O número de esperantistas é semelhante ao da população portuguesa, e, já que saltamos até ao nosso país, saiba que somos o segundo povo europeu com maior rácio de poliglotas. Um relatório realizado em 2019 pela Atomik Research atribui aos portugueses a medalha de prata no campeonato dos países com uma população fluente em idiomas estrangeiros. Entre os inquiridos nacionais, 77% garantem dominar uma língua forasteira, um quinto só desenrasca algumas expressões e apenas 3% não saem do berço da fala materna. À nossa frente está apenas a Suécia, com uma taxa de 80% na fluência de outras linguagens. Alemães, austríacos e holandeses também estão acima dos 70%.
Visto à lupa, Portugal foi, aliás, o país da União Europeia em que mais se assistiu ao crescimento da proporção da população adulta com conhecimento de idiomas estrangeiros no espaço temporal de uma década. As estatísticas do INE, recolhidas entre 2007 e 2016, apontam um aumento de 52% para 71,8% no número de pessoas com mais de 18 anos e menos de 65 capazes de se expressarem para lá das fronteiras da língua de Camões.
Os poliglotas nacionais são sobretudo jovens, entre os 18 e os 24 anos, faixa etária a que pertencem 91,6% dos plurilingues. A aprendizagem continua a ser dominada pelo inglês, sendo o idioma de Shakespeare o segundo mais comum para os portugueses, como comprovam 91% dos inquiridos. Já a língua de nuestros hermanos posiciona-se neste ranking com 52%, superando o francês, com 39%, que gradualmente vai perdendo terreno nas bocas.
No espaço europeu, o inglês mantém a hegemonia no ensino, estando para o mundo atual como o latim esteve outrora, até se tornar uma língua morta, aquando do colapso do império. Os números do Eurostat, relativos a 2016, não enganam: 96,2% dos estudantes da União Europeia aprendem inglês na escola, 26,1% dão primazia ao francês, o alemão chega aos manuais de 16,8% dos estudantes, enquanto o castelhano é doutrinado a 12,6%.
Alargando a escala, o mesmo cenário perdura. Há, em todo o planeta, 1,5 mil milhões de discípulos que dizem yes ao inglês, 82 milhões de pupilos instruídos para falar francês très bien, 30 milhões que derrubam a muralha para aprender chinês, bem como 14,5 milhões de tíos que preferem o espanhol, por supuesto.
Um país, 10 línguas
A facilidade dos portugueses na assimilação de outras falas pode ser facilmente explicada do ponto de vista histórico. Basta atentar na miscelânea de povos, culturas e ritos que moldaram a nossa identidade coletiva. Iberos, celtas, iberos e celtas bifurcados, lusitanos, fenícios, romanos, germânicos vários, mouros... Estes foram alguns dos que vieram. Depois há aqueles a quem chegámos, na época do expansionismo marítimo, construindo um império colonial espalhado por quatro continentes.
Isso não só moldou o português contemporâneo, filho do galaico primordial, como também desdobrou o número de idiomas falados dentro do nosso país. Não será propriamente uma novidade dizer que também la lhéngua mirandesa – falada por aproximadamente 15 a 20 mil pessoas – é um idioma oficial, com reconhecimento em Portugal desde 1999. Mas há mais, de acordo com o Ethnologue. Oito mais: língua gestual portuguesa, crioulo, barranquenho, minderico, romani (com origens indo-iranianas e falada por 500 pessoas de etnia cigana em Portugal), caló português (uma variante portuguesa do romani) e ainda galego e sendinense (que se confunde, muitas vezes, com o asturiano).
Regressemos ao início: existem atualmente 7111 idiomas em todo o mundo. O mais falado é, de longe, o mandarim — vulgarmente conhecido como chinês, uma vez que se trata do dialeto mais predominante —, que é a língua oficial de 1,3 mil milhões de pessoas. O castelhano (ou espanhol) ocupa o segundo posto nesta lista, atingindo a marca de 460 milhões de falantes, seguido no pódio pelo inglês, com 379 milhões de nativos do idioma. Com 341 milhões segue-se o indiano. O árabe une 319 milhões de pessoas, enquanto o bengali é usado por 228 milhões.
Só depois, na sétima posição, surge o português, com 221 milhões de homens e mulheres que conhecem o significado da palavra saudade. As previsões são de franco crescimento, havendo a expectativa de que existam 400 milhões de falantes em 2050 e mais 100 milhões no início do próximo século. A curva crescente é de tal ordem que na China o português é lecionado em 50 universidades, chegando a um universo de 5 mil alunos.
Ao todo, o português estabeleceu-se como língua oficial em nove países: Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e ainda Guiné Equatorial — o mais contestado dos membros que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Também a Região Administrativa Especial de Macau, na China, adotou o português como um dos dois idiomas oficiais do território, cuja soberania lusitana se manteve até 1999. É esta dimensão que coloca a fonética pátria de Fernando Pessoa à frente dos 154 milhões que falam russo ou dos 128 milhões que comunicam em japonês.
O Brasil, pela sua dimensão, tem um enorme peso nesta balança, mas ainda assim o português divide o protagonismo com outras 187 línguas indígenas ainda vivas em Terra de Vera Cruz. Parece muito? É tudo uma questão de contexto.
Usando mais uma vez o Ethnologue como bússola, esta odisseia leva-nos até à Oceânia, onde existe um pequeno país insular com apenas 8 milhões de habitantes mas detentor de uma diversidade linguística inimaginável. Estamos a falar da Papua-Nova Guiné, polvilhada por diferentes tribos e com nada mais nada menos do que 820 idiomas distintos. A vizinha Indonésia não perde por muito, com um total de 742 dialetos. Parece ficção, mas, acredite, é bem científica.
No extremo oposto desembarcamos num país cuja população não conhece outro idioma além da sua língua materna. Trata-se da Coreia do Norte, também ela um universo à parte no mundo, onde o cinto do regime proíbe até a entrada de palavras forasteiras e potencialmente "perigosas".
Assim chegamos ao fim desta viagem de circum-navegação pelos recantos idiomáticos mais fascinantes do globo, onde o português é figura de proa e anda, cada vez mais, na ponta das línguas.
Cf. Do minderico ao barranquenho: podem os jovens salvar as línguas ameaçadas em Portugal?