« (...) É fundamental sensibilizar as crianças e os jovens, mas também as suas famílias, para a importância de comunicar através das plataformas digitais com a câmara ligada, e não apenas o microfone. Sabemos que muitas crianças e jovens resistem em ligar a câmara, o que lhes permite estar mais a vontade, de pijama ou até deitados na cama enquanto assistem às aulas. Mas sabemos também que, não raras vezes, são os pais que não querem as câmaras ligadas, alegando o direito à privacidade familiar. (...)»
O estudo em casa mantém-se, e, longe da escola, muitas crianças e jovens tornaram-se invisíveis. Confinados em casa, tantas vezes no seio de famílias negligentes ou maltratantes, podem experienciar situações de risco ou perigo que permanecem, desta forma, camufladas. Podem também ser vítimas de ciberbullying ou assédio sexual online, realidades frequentemente ocultas mesmo dos olhos de quem vive diariamente com estas crianças.
Neste contexto, as crianças e jovens têm também menos possibilidade em pedir ajuda, tendo em conta que as figuras de confiança a quem recorrem são, muitas vezes, os profissionais da área da educação.
Perante isto, a que sinais de alerta devem os educadores de infância e professores estar atentos? Como detetar eventuais sinais de risco ou perigo quando as crianças estão atrás de um écran, sem possibilidade de interação presencial?
Em primeiro lugar, é fundamental sensibilizar as crianças e os jovens, mas também as suas famílias, para a importância de comunicar através das plataformas digitais com a câmara ligada, e não apenas o microfone. Sabemos que muitas crianças e jovens resistem em ligar a câmara, o que lhes permite estar mais a vontade, de pijama ou até deitados na cama enquanto assistem às aulas. Mas sabemos também que, não raras vezes, são os pais que não querem as câmaras ligadas, alegando o direito à privacidade familiar. Naturalmente que é importante preservar a intimidade da família. No entanto, é este modelo de escola que temos actualmente, e ao qual temos de nos adaptar. Escolha-se uma divisão da casa mais recatada, por exemplo, de modo a que atrás da criança seja visível apenas uma parede. É muito importante que o contacto visual e face-a-face, ainda que à distância, seja mantido entre crianças e professores. Estes últimos devem, pois, insistir para que os alunos participem nas aulas com as câmaras ligadas, e não apenas os microfones.
E a que sinais de alerta devem os professores estar atentos?
Embora não exista uma receita que possa aplicar-se a todas as situações, tendo em conta que diferentes crianças podem dar sinais muito distintos, é possível, ainda assim, sistematizar alguns indicadores que devem funcionar como um sinal de alerta.
Com as crianças em idade pré-escolar, as aulas síncronas são menos frequentes. No entanto, acabam por ser momentos de excelência para observar a interação entre pais e filhos, uma vez que, em razão da idade, estas crianças estão habitualmente acompanhadas nestes momentos. É importante observar a forma como comunicam, verbal e não verbalmente, bem como as emoções que são expressas. Parecem confortáveis na interação? Observa-se sincronia e sensibilidade parental face à criança?
Independentemente da idade da criança, existem outros indicadores a ter em atenção. A nível físico, parece bem cuidada do ponto de vista da higiene pessoal e alimentação? Evidencia alguma marca física visível? Mostra-se cansada, apática, sonolenta ou adoentada? Queixa-se de forma recorrente de dores de cabeça ou de outra parte do corpo?
Do ponto de vista comportamental, mostra-se mais agitada ou mesmo agressiva? Exibe um comportamento desafiador, mente (por exemplo, em relação às tarefas escolares) ou parece mais desatenta do que o habitual? Isola-se e resiste em participar nas actividades de grupo? O seu rendimento escolar alterou-se de forma muito significativa?
A nível emocional, parece triste, preocupada, ansiosa, zangada ou com medo? Revela alterações de humor que não eram habituais? Mostra-se mais desmotivada do que anteriormente?
Importa ainda estar atento às dinâmicas familiares. A criança parece estar sozinha ou sem supervisão adequada à sua idade? Os pais ou encarregado de educação não respondem ou mostram um padrão de baixo envolvimento com o estudo da criança?
Face a algum destes indicadores, o professor deve tentar estabelecer um contacto individual com a criança ou jovem, no sentido de tentar perceber o que possa estar a acontecer. Pode não ser uma situação de risco ou perigo. Ou pode ser. E, nesse caso, tem de ser sinalizada às entidades competentes.
Lembremo-nos sempre... todos os olhos do mundo são sempre insuficientes para olhar por uma criança.
Texto da autora publicado no jornal Diário de Notícias em 29 de maio de 2020.