Trata-se de um preceito hoje esquecido.
Até meados do século XX, podia acontecer que alguns autores estrangeiros fossem conhecidos por uma versão do seu nome próprio (ou primeiro nome) em português, um pouco como acontece ainda com os nomes dos monarcas estrangeiros e dos seus herdeiros1. Tal é o caso de Júlio Verne, que acabou por se fixar assim mesmo e mantém atualidade. Também se dizia e escrevia Carlos Baudelaire, Gustavo Flaubert e, já no domínio da filosofia, Carlos Marx2; estas adaptações já não ocorrem hoje em dia, substituídas que foram pelas formas inteiramente estrangeiras: Charles Baudelaire, Gustave Flaubert e Karl Marx.
Registem-se a propósito as considerações de Vasco Botelho de Amaral (1912-1980), no seu Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958; mantém-se a ortografia original):
«Uma prática errónea do português actual é a que mantém os nomes de baptismo na sua feição estrangeira ou estrangeirada. Ora o nosso idioma exige que se traduzam tais nomes e que o apelido ou sobrenome fique na forma estranha. Desta maneira, escrever-se-á: Alfredo de Musset, Henrique Heine, Guilherme Shakespeare, etc [em vez de Alfred de Musset, Heinrich Heine, William Shakespeare]. E note-se que em Espanha a mesma regra se aconselha: "Respecto a los nombres y apellidos extranjeros o regionales, los nombres se traducen, pero los apellidos hay que dejarlos como están en su propio idioma; así Anatole France, John White, etc.: – Anatolio France, Juan White, etc."»3
O preceito antes enunciado já não é hoje válido, mas a sobrevivência de casos como o de Júlio Verne dá testemunho da força que teve, que assim se popularizou.
1 Leia-se a resposta "Sobre a grafia de Delfos e outros nomes própios", de Nuno Carvalho.
2 São formas recolhidas na edição de 1959 do Dicionário Prático Ilustrado (DPI), da Lello e Irmãos Editores.
3 Curiosamente, este procedimento não foi seguido uniformemente no DPI (ver nota 1), porque nela se acha William Shakespeare, e não, como se poderia esperar, "Guilherme Shakespeare". O preceito de empregar formas vernáculas dos primeiros nomes não estava a ser observado, confirmando a queixa de Botelho de Amaral.