« (...) Nesse mesmo dia, a primeira coisa que fiz, ao começar a aula com a referida turma, foi “ajustar contas”: "Então vocês acham que hipotensão significa 'tensão de cavalo'?..." (...)»
Um dia, numa turma do 9.º ano [de escolaridade, em Portugal], a professora de Biologia perguntou aos alunos se sabiam o significado do elemento de origem grega hipo- na palavra hipotensão. Seguros dos seus conhecimentos de etimologia aprendidos na aula de Português, responderam euforicamente: significa «cavalo»!...
A professora explicou-lhes que estava errado – e os alunos não perderam tempo a ripostar: «foi o professor de Português que disse!»…
O pobre professor de Português era eu, e, quando a minha colega me contou o sucedido, ainda nos rimos a bom rir…
Nesse mesmo dia, a primeira coisa que fiz, ao começar a aula com a referida turma, foi “ajustar contas”: «Então vocês acham que hipotensão significa «tensão de cavalo»?...»
Como ainda só conheciam os elementos gregos que compõem palavras como, por exemplo, hipódromo, hipopótamo, Hipocrene1 e Filipe, nem sequer raciocinaram…
Aproveitei esta tão especial oportunidade para lhes falar nos elementos de origem grega hiper- (do grego ὑπέρ – hyper) e no seu antónimo hipo- (do grego ὑπό – hypo) em vocábulos como hipertensão e hipotensão. Depois, comparámos os elementos hipo- nas palavras hipotensão e hipódromo, cujas etimologias são diferentes: hipo- no sentido de «inferior» vem do grego ὑπó (hypo-); hipo- no sentido de «cavalo» vem do grego ἵππος (hippos).
Um aluno francês ou inglês nunca seria apanhado nesta ratoeira, pois nestas línguas não existiu a mudança de y para i e de pp para p, como aconteceu em Portugal com a Reforma Ortográfica de 1911. Por isso, tanto em inglês como em francês ainda se escreve hypotension e hippodrome. Se ainda utilizássemos a ortografia anterior à Reforma Ortográfica de 1911, escreveríamos em português hypotensão (com y e p), mas hippódromo e hippopótamo (com i e pp), por exemplo.
Numa das aulas seguintes, como revisão e consolidação, pedi-lhes o significado do elemento hip(o)- nos vocábulos hipotermia, hipoderme e hipismo. Parece que a lição ficou aprendida – e ainda houve quem, por brincadeira, tivesse dito que hipoderme2 era a pele dos cavalos…
1 Hipocrene (grego: Ἱπποκρήνη, Ἵππου κρήνη; «fonte do cavalo»), é uma nascente de água doce situada na encosta leste do Monte Hélicon, tradicionalmente consagrada a Apolo e às musas, que teria brotado de uma pedra fendida por uma patada de Pégaso. Era considerada a fonte de inspiração poética por excelência, sendo que quem bebia das suas águas ficava em comunhão com as musas (fonte: Wikipédia).
2 Hipoderme significa «camada de tecido celular fibroadiposo, de espessura variável, situada imediatamente por baixo da derme; tecido celular subcutâneo» e é formado por dois elementos de origem grega: hipo-, de hypo («sob») e -derme, de dérma, dérmatos («pele») (fontes: Dicionário Infopédia de Termos Médicos e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).