Do ponto de vista das tradições e padrões de uso do português culto, não se recomendam o uso de evidência como sinónimo de prova, nem a substituição deste por aquele, como, aliás, se confirma pelos exemplos facultados pelo consulente. Trata-se de um anglicismo semântico; ou seja, a (enganadora) semelhança da palavra portuguesa com a inglesa evidence, que, entre vários significados, abrange os de «prova» e «demonstração», pode ter motivado essa extensão semântica de evidência, por exemplo, em traduções menos cuidadas.
Numa perspetiva comparativa, sem deixar de ser prescritiva, é de assinalar que este caso de empréstimo semântico do inglês replica o que já se verificou noutras duas línguas românicas, por exemplo em espanhol e francês. Com efeito, a Fundéu-BBVA desaconselha o emprego genérico do espanhol evidencia, no sentido de «prueba» («prova») num parecer de 16/06/2015. Também em francês se não aprova o uso anglicizante de évidence, como preuve («prova»), conforme a recomendação da Banque de Dépannage Linguistique do Office Québécois de la Langue Française.
Mas, voltando ao caso português, nota-se que evidência, num sentido próximo do de «prova», aparecerá em A Relíquia, de Eça de Queirós (1845-1900):
(1) «Duvidava eu? Queria uma evidência? Que fosse nessa noite, tarde, depois da uma hora, bater à portinha da Adélia!» (Eça de Queirós, A Relíquia, Porto, Tipografia de A. J. da Silva Teixeira, 1887, p. 50)
(2) «Sim, ainda havia uma circunstância qu me escorraçaria do testamento da titi? Seria aparecer diante dela, material e tangível, uma evidência das minhas relaxações...» (idem, p. 240)
Estas duas passagens são as abonações dadas pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa para atestar o uso de evidência na aceção de «aquilo que serve para mostrar que alguma coisa é verdade», portanto, num sentido que não anda longe do de prova. Mas, aceitando as críticas de francesismo e global estrangeirismo que têm sido feitas ao estilo queirosiano, talvez estas ocorrências ainda hoje não deem força ao uso em causa.
Acrecente-se ainda que o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2003) atribui a evidência, entre várias aceções, a de «indício, indicação, prova», ilutrando-a com esta abonação: «Não será essa guerra uma evidência de que o Messias está para chegar?».
De outro prisma, no âmbito da linguagem jurídica do Brasil, vale também a pena registar as considerações sobre a substituição de prova por evidência, feitas por Luciana Carvalho Fonseca, em Inglês Jurídico. Tradução e Terminologia (São Paulo, Editora Lexema, 2014, pp. 198-199):
«Podemos afirmar que a linguagem jurídica brasileira não conhece evidência na acepção de prova. E isso fica claro ao consultarmos as obras terminográficas da área, [...] em que não há entrada para o termo evidência. Essa constatação corrobora a ausência do termo evidência em nossos Códigos de Processo[...].
Então por que há tantas traduções de evidence por evidência? Acredito que por duas razões:
– Porque muitas pessoas que traduzem linguagem jurídica caem na armadilha dos falsos cognatos, i.e., palavras que parecem ser o que não são. E o Direito está cheio delas (e.g. evidence, consideration, agreement, execute).
– Porque evidência, na acepção de prova, é considerado um anglicismo cujo uso corrente na linguagem coloquial remonta a 50 anos [...].
Em suma, há diferença entre evidence e evidência na linguagem jurídica. Nesse caso, o termo evidence deve ser traduzido por prova, respeitando os usos e convenções da língua de chegada. Por outro lado, não há essa mesma diferença na língua geral em que se pode usar evidência.»
Em síntese, o uso de evidência com o significado de «prova» terá origem anglo-saxónica, o que constitui motivo para a sua censura normativa. No entanto, parece tratar-se de um caso bastante antigo, de extensão semântica por empréstimo, já com algum enraizamento no uso linguístico de domínios especializados e não especializados.
N. E. (17/11/2022) – Registe-se o comentário que o consultor jurídico Miguel Faria de Bastos entendeu partilhar e que muito se agradece: «[Na linguagem jurídica], fala-se de prova como material probatório apresentado (por exemplo, o arrolamento de testemunhas ou o pedido de efetuação duma peritagem grafológica ou médica) e fala-se de prova como material probatório produzido, pronto para julgamento em Juízo. Evidência são os factos que dispensam prova, precisamente porque são evidentes (metem-se pelos olhos dentro). O modismo evidência felizmente, ainda não invadiu o mundo do Direito, pelo menos em Portugal e em Angola. Vejo esse modismo, entre não poucos, como uma corruptela semântica anglógena da língua portuguesa.» Ainda sobre o inglês evidence, assinale-se a proposta de tradução de Helder Guégués ("Corria o ano de 2005", Linguagista, 13/12/2011): « [...] evidence deve traduzir-se por elementos de prova, indícios.»
N. E. (19/11/2022) – Sobre este assunto, esclarece ainda o consultor Miguel Faria de Bastos na seguinte achega, que se agradece: «Quanto ao termo jurídico português “prova indiciária”, igual a “indícios de prova”, a tradução mais próxima em inglês é, em meu entender, “circumstantial evidence”, embora este termo também possa significar “prova indireta”. É usado na redação legislativa o termo “factos notórios”, que pela sua natureza dispensam prova, de modo a abarcar quer factos evidentes, quer factos conhecidos da generalidade das pessoas, uma vez que, ao que é considerado classicamente, o lexema notório respeita normalmente a um destes dois tipos de factos. Não é notado o termo “factos evidentes”. O consabido facto de o Direito eurocontinental e o Direito anglo-americano pertencerem a sistemas diferentes, que começam não raramente por noções elementares diferentes, cria frequentes problemas de tradução, mesmo para tradutores profissionais.»
Cf. Evidência (ou prova?) + Escreva Direito: prova e evidência têm definições diferentes.