Quando estamos perante uma frase que inclui uma oração subordinada adverbial causal, tipicamente, a segunda oração descreve uma causa real:
(1) «O João partiu a perna porque caiu.» (O facto de ter caído tem como consequência ter partido a perna)
Nesta frase, cair corresponde à situação apresentada como causa real que tem como consequência «partir a perna».
Numa frase que inclua uma oração coordenada explicativa, a segunda oração não apresenta uma causa real para a situação enunciada na primeira oração, mas antes uma causa a qual também não é uma consequência da segunda. Trata-se, antes, de uma causa de dicto. Veja-se (2):
(2) «Vai chover, pois o céu esta muito escuro.» = «*O facto de o céu estar muito escuro não tem como consequência chover.»
A frase (2) apresenta uma justificação para o enunciado apresentado na primeira oração, pelo que poderá ter a seguinte paráfrase:
(2a) «Afirmo que vai chover, e justifico a minha afirmação com o facto de o céu estar muito escuro.»
Esta paráfrase não é possível em (1):
(1a) «*Afirmo que o João partiu a perna, e justifico a minha afirmação com o facto de ele ter caído.»
Acresce que a oração coordenada explicativa surge sempre em final de frase enquanto a subordinada causal pode ser colocada no início ou no fim da frase:
(1b) «Porque caiu, o João partiu a perna.»
(2b) «*Pois o céu está muito escuro, vai chover.»
No plano da temporalidade, quando a causa é efetiva, a situação apresentada na oração causal é temporalmente anterior à situação descrita na oração principal, enquanto na oração coordenada explicativa esta anterioridade pode não ter lugar:
(1c) «Primeiro o João caiu, depois partiu a perna.»
(2c) «*Primeiro o céu está muito escuro, depois vai chover.»
Finalmente, se introduzirmos uma negação antes do verbo da primeira oração, no caso das orações subordinadas causais o seu escopo será a oração subordinada, enquanto no caso da oração explicativa o advérbio não não terá esta capacidade:
(1d) «O João não partiu a perna porque caiu (partiu a perna porque lhe bateram).»
(2d) «?Não vai chover, pois o céu está muito escuro.»
Em (2d), a negação incide apenas sobre chover e a justificação apresentada é sentida como estranha.
Apliquemos os testes1 apresentados atrás à frase apresentada pelo consulente, usando frases com duas conjunções distintas – pois, conjunção típica das orações explicativas, e porque, conjunção típica das orações causais:
(3) «Ela estudava muito, pois desejava ser aprovada.» = «Afirmo que ela estudava muito, e justifico a minha afirmação com o facto de ela desejar ser aprovada (disse-o desde sempre).»
(4) «Ela estudava muito porque desejava ser aprovada.» = «?Afirmo que ela estudava muito, e justifico a minha afirmação com o facto de ela desejar ser aprovada.»
(3a) «*Pois desejava ser aprovada, ela estudava muito.»
(4a) «Porque desejava ser aprovada, ela estudava muito.»
(3b) «*Primeiro ela desejava ser aprovada, depois ela estudava muito.»
(4b) «?Primeiro ela desejava ser aprovada, depois ela estudava muito.»
(3c) «*Ela não estudava muito pois desejava ser aprovada.»
(4c) «Ela não estudava muito porque desejava ser aprovada (estudava muito porque o pai lho exigia).»
Os testes mostram que a frase (3), com a conjunção pois, reage bem aos testes de identificação da coordenada explicativa. Neste caso, o locutor pretende com o seu enunciado defender que «ela estuda muito», apresentando este facto como não comprovado ou não observável, pelo que sente necessidade de justificar a sua afirmação com uma outra afirmação: a de que «ela tem o desejo de ser aprovada». É este desejo que justifica a afirmação de que ela estuda muito, facto que é apresentado como uma possibilidade na qual o locutor acredita.
A frase (4), com a conjunção porque, também reage bem à maioria dos testes. Somente a ordenação temporal das situações descritas poderá levantar algumas dúvidas. Todavia, o importante é perceber que nesta frase se afirma algo diferente do que se descreve em (3). Aqui, o locutor afirma um facto que não é discutível («ela estuda muito») e apresenta a situação «desejar ser aprovada» como a causa real deste estudo intenso.
Em (4) estamos perante uma constatação, enquanto em (3) estamos perante uma argumentação que sustenta uma possibilidade.
Em conclusão, o consulente tem razão na interpretação que faz da frase (desde que não recorra ao conector pois, que tem dificuldade em estabelecer nexos causais), mas também a resposta dada pelo Ciberdúvidas está correta (esta recorrendo ao uso do conector pois).
Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as gentis palavras que nos endereça.
Disponha sempre!
* Assinala anomalia sintática ou semântica.
? Marca a estranheza da frase.
1. Para maior desenvolvimento e para a identificação de outros testes, leia-se pp. Matos e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1814 – 1816 e Lobo in Ibidem, pp. 2006 – 2011.