Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A minha questão prende-se com a diferença de significado entre "meta" e "objetivo", uma vez que os artigos que encontrei online sobre o tema são inconsistentes.

Por um lado, temos artigos que sugerem que "as metas são mais abrangentes e representam conquistas de longo prazo, e os objetivos são mais detalhados e orientados para a ação" (por exemplo, https://speedio.com.br/blog/diferenca-de-meta-e-objetivo/). Ou seja,

– Uma meta é um resultado geral que se pretende alcançar a médio/longo prazo. A meta é essencialmente a "linha de chegada".

– Os objetivos são resultados específicos que se pretende alcançar a curto/médio prazo. Os objetivos ajudam a alcançar as metas.

Por outro lado, temos artigos que dizem precisamente o contrário (por exemplo, https://happyflow.pt/objetivos-e-metas-o-que-sao-diferencas-importancia/):

– "Um objetivo define um propósito de concretização. Ou seja, indica com clareza aonde se quer chegar, e em que posição se quer estar num futuro mais ou menos próximo."

– "As metas são marcos que devem ser superados ao longo do caminho, para que seja possível atingir o que se deseja. Isto é, são os passos concretos e mensuráveis que se tomam para alcançar um objetivo específico."

Esta dúvida surgiu no contexto de uma aplicação de desporto, em que os atletas podem definir "goals". Estes "goals" são objetivos/metas específicas e mensuráveis de curto, médio ou longo prazo, por exemplo, correr 100 km num mês. À primeira vista, a palavra mais indicada parecer ser "metas" porque se trata de uma aplicação de desporto; no entanto, "meta" tem sempre esta ideia de "linha de chegada" ou "ponto final", e parece um pouco estranho dizer-se "as minhas metas de corrida para esta semana são...".

Obrigado pela vossa ajuda.

Resposta:

De uma forma geral, meta e objetivo podem ser usados como expressões equivalentes, visto que meta tem, entre outros, o valor de «objetivo que se almeja» e objetivo o de «aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; alvo, fim, propósito, objeto»1.

Nalguns usos ou contextos particulares, a palavra meta pode ser associada ao ponto final de um percurso, ao seu limite ou termo, sendo aquilo que se atinge. Objetivo, por seu turno, pode ser associado preferencialmente ao que se pretende alcançar durante o percurso.

Com estes valores, poderá parecer a alguns falantes mais ajustada a seleção de objetivo para as frases como a seguinte:

(1) «O objetivo do atleta é correr 100 km num mês.»

Neste quadro, a palavra meta poderá indicar onde se pretende chegar no final de muito treinos ou até chegar um momento particular:

(2) «A sua meta é ficar classificado para a competição internacional.»

Disponha sempre!

 

1. Para a identificação destes valores, consultou-se o Dicionário Houaiss em linha.

«Ficar triste com algo»
Funções sintáticas

A professora Carla Marques esclarece, no desafio semanal, qual a função sintática do constituinte «com a tua decisão» na frase «Fiquei triste com a tua decisão» (rubrica divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2de 23/06/2025)

Pergunta:

O assunto que me traz hoje aqui é alusivo à perceção lógica de algo.

Se pretendo dizer que um assunto carece de sentido comum, devo empregar «senso comum» ou «sentido comum»?

Por outra parte, um raciocínio lógico é algo que faz sentido. Visto assim, dizer sentido ou «senso comum», não seria redundante?

Aproveito para agradecer encarecidamente o afinco de todos os membros desta maravilhosa página web!

Muito obrigado a todos!

Resposta:

Afirmar sobre algo que ele carece de senso comum é apontar que essa situação não se enquadra num determinado entendimento que é comum a um conjunto alargado de pessoas.

A expressão «senso comum» está cristalizada, tendo uma longa tradição de uso associada a conceitos de natureza filosófica. Neste âmbito, descreve «no aristotelismo, na escolástica e no cartesianismo, a faculdade cognitiva cuja função é reunir as múltiplas impressões dos nossos sentidos, com o objetivo de unificar a imagem de um objeto percebido»1; «na filosofia romana, e posteriormente no pensamento moderno, conjunto de opiniões, ideias e conceções que, prevalecendo num determinado contexto social, se impõem como naturais e necessárias, não evocando geralmente reflexões ou questionamentos». Num uso mais comum, a expressão pode descrever «entendimento, compreensão comum»1. De uma forma geral, a expressão «senso comum» alude a um conjunto de perceções, julgamentos ou outros que são generalizados.

Já a expressão «sentido comum» não tem a mesma tradição de usos, mas poderá ser usada como equivalente ao sentido genérico de «senso comum».

Em nome da equipa do Ciberdúvidas, agradeço as gentis palavras.

Disponha sempre!

 

1. Para a identificação destes valores, consultou-se o Dicionário Houaiss em linha.

Pergunta:

Seria possível confirmarem-me se na frase «O problema, dizia Benito, era que não tinha os papéis em ordem», a palavra que é uma conjunção subordinativa completiva com a função sintática de predicativo de sujeito.

Tenho colegas que consideram que é um pronome relativo, mas eu não considero que haja antecedente.

Muito obrigada pela ajuda!

Resposta:

Nesta frase, identificamos a presença de uma oração subordinada substantiva completiva, que se transcreve em (1):

(1) «que não tinha os papéis em ordem»

Esta oração desempenha a função sintática de predicativo do sujeito e é introduzida pela conjunção subordinativa completiva que.

Note-se, todavia, que estas estruturas são construções particulares que não podem ser colocadas no mesmo plano dos grupos de palavras que desempenham a função de predicativo do sujeito. Com efeito, tal como afirma Barbosa, «em rigor, não há predicação nestas frases […] a oração completiva, nestes exemplos, não atribui nenhuma propriedade à entidade abstrata representada pelo sujeito, mas limita-se antes a especificar, ou explicitar o próprio conteúdo dessa entidade»1.

Disponha sempre!

 

1. Raposo et al., Gramática do PortuguêsFundação Calouste Gulbenkian, p. 1858 [caixa 2].

Pergunta:

1) Quem tem experiência, é experiente.

2) Quem tem maturidade, é maduro(a).

3) E quem tem mentalidade, é o quê no caso?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Nem sempre a língua dispõe de recursos que estabeleçam uma relação simétrica ou homogénea entre palavras da mesma família.

Assim, se entre os substantivos e adjetivos inteligênciainteligente e experiênciaexperiente, existe uma relação na qual o adjetivo adquire um valor de possuidor (inteligente é o que tem inteligência e experiente, o que tem experiência), o mesmo não se verifica entre o substantivo mentalidade e o adjetivo mental. Este último tem na sua base o valor de «relativo a mente» e pode ainda ser usado com valores como «que se processa na mente, no intelecto, sem manifestação escrita ou oral» ou «relativo a ou afetado por desordem ou desequilíbrio da mente». Não dispõe a língua de um adjetivo que descreva um valor de «posse relativa a mentalidade. Deste modo, a solução será optar por uma formulação que descreva o que se pretende dizer de forma mais perifrástica, como «X é uma pessoa com mentalidade de/para […]»

Disponha sempre!