1. Fala-se de «janelas para o mundo», e evocam-se imagens de libertação. Depois, diz-se «portas trancadas», e o temor assalta o espírito. Em O nosso idioma, a professora Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, vira mais uma vez a sua atenção para as metáforas motivadas pelas vivências da presente crise sanitária, com um novo texto. Desta vez, a autora revela como o campo lexical do vocábulo casa é fonte de um discurso onde se inscreve o sempre difícil equilíbrio entre as liberdades e a necessidade de proteção.
Na imagem, Casas (1957), de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), no Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea, em Lisboa (fonte: MatrizNet).
2. Em Portugal, fazendo frente à propagação do SARS-CoV-2 – também chamado «(novo) coronavírus» –, o Governo renova a situação de calamidade, anunciando a passagem à terceira fase do desconfinamento, ainda com restrições sobre a utilização e desfrute dos lugares públicos (ver notícia do jornal Público em 29/05/2020 e infromações sobre a covid-19 na RTP Notícias). E, apesar das temperaturas estivais no país, a gerarem a ânsia por mar e praia, a opção mais segura continua a ser o recolhimento doméstico. Prossegue, portanto, na rubrica O nosso idioma a atualização de "A covid-19 na língua", glossário que dando testemunho da evolução desta crise e da sua verbalização sobretudo mediática, se apresenta agora repartido por uma página principal e 25 páginas organizadas por ordem alfabética (cf. abertura de 27/05/2020). Neste dia, têm entradas poluição, pré-pandemia, propileno, robusto e «momento Delors», uma expressão criada pelo presidente da República Portuguesa ao referir-se à proposta da Comissão Europeia para um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros destinado à minimização dos efeitos económicos e sociais da pandemia. Uma referência também para desconfinamento e máscara, a cujos registos se juntou nova informação.
3. O combate ao coronavírus é igualmente mote para uma nova questão em linha no Consultório: com «perímetro de segurança», que verbo é mais adequado – criar, montar ou estabelecer? E, a propósito da investigação sobre a covid-19, o que é melhor: «evidências científicas», ou «provas científicas»? A sintaxe volta a marcar presença: será que o pretérito imperfeito e o pretérito perfeito do indicativo podem combinar-se na mesma frase – por exemplo, «quando vivia em Luanda, a Mariana visitou Benguela»? Finalmente, uma pergunta sobre pontuação: têm vírgula as orações subordinadas substantivas que ocorrem em «quem vai ao mar perde o lugar» e «que a praia está cheia já se sabe»?
4. De França, chegam notícias preocupantes sobre as condições de aprendizagem da língua portuguesa entre crianças lusodescendentes. Numa entrevista à agência Lusa (27/05/2020), Carla Dugault, copresidente da Federação dos Conselhos de Pais e Alunos (FCPE), alerta para a redução da oferta na rede de escolas públicas francesas, assinalando que «o inglês [é] para toda a gente e o português acaba por ficar um pouco para o ensino à distância»; e acrescenta: «O ensino do português depende das mairies [câmaras municipais], portanto não sei se o governo português fez esse trabalho para que a língua se aprenda nas escolas. Não me parece que se tenham batido muito por isso» (ver também publicação digital Lusojornal).
4. As épocas de crise económica e social favorecem o choque de interesses e mal-entendidos, bem como a exploração destes por mentes vocacionadas para o conflito. Os tempos que atravessamos justificam, portanto, o registo da comemoração, na presente data, do Dia Internacional das Forças de Manutenção da Paz pela Organização das Nações Unidas. Apesar de um passado não isento de críticas, os chamados capacetes-azuis mantêm-se como pilares fundamentais para impedir o regresso da guerra, em todo o mundo. E a propósito do acrónimo ONU, relembre-se o já relembrado inúmeras vezes: a pronúncia correta é "onú", e não "ónu", visto o u final e a falta de acento gráfico indicarem que a palavra é aguda – ou oxítona –, tal como bambu, Peru ou tabu.
5. Maria Velho da Costa (Lisboa, 1938-2020) , recentemente falecida, é a figura em destaque nos dois programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para a rádio pública portuguesa. No Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 29 de maio, pelas 13h20*, o professor António Cabrita, da Universidade Eduardo Mondlane, sobre a vida e obra desta escritora portuguesa; o tema é também abordado no programa Página de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 31 de maio, pelas 12h30*, com entrevistas às professores universitárias Ana Luísa Amaral (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) e Helena Buescu (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Dar-se-á igualmente destaque ao tão atual verbo «confinar» – com um apontamento a cargo da professora Carla Marques.
Na imagem à direita, as "Três Marias" – da esquerda para a direita, Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno – na época do célebre processo judicial que contra elas foi movido por causa da publicação de Novas Cartas Portuguesas (1972).
* O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 30 de maio, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 6 de junho, às 15h30. Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.