O caminho é longo, mas fez-se para ser palmilhado até ao fim. O caminho exige o cansaço e a perseverança de quem o percorre, mas premeia quem passa a linha da meta.
Mal chegou, o vírus SARS-CoV-2 mostrou que a sua ação se iria prolongar no tempo e no espaço, o que exigiria dos humanos o grau máximo do esforço. Este conceito foi interpretado na mente humana de forma metafórica como um caminho que tem de ser trilhado por meio de uma modalidade de corrida. Neste quadro, vinca-se a importância da «chegada à meta», que traz como prémio o desaparecimento do vírus e da doença que ele arrasta. Sabemos que a travessia é penosa, o que desencadeia a interpretação de qualquer movimento realizado em torno da doença não como uma caminhada, mas como uma corrida de fundo, prolongada, exigente e difícil: «esta epidemia não é um sprint, é uma maratona», também concebida como uma «prova de esforço».
O vírus estará controlado quando se encontrar uma vacina. Logo, uma das metas da corrida está bem definida: esta é uma «corrida à vacina». E é importante ter sempre presente que não se trata de uma corrida solitária porque há muitos «aliados na corrida contra o tempo», mas, claro, há também um adversário e, nesta competição, só há um vencedor: é uma «corrida contra o vírus» e também «uma corrida da ciência contra o tempo».
A forma como se percorre o caminho não é, todavia, uniforme. Cada fase do percurso tem as suas particularidades, que exigem que se avance de diferentes formas. Por vezes, dão-se «pequenos passos», porque é preferível a segurança a deitar tudo a perder; noutras ocasiões, há que «reduzir a velocidade», porque a pressa pode ser inimiga do objetivo final; há momentos em que é preciso «fazer um sprint para conseguir dar resposta». Curioso também é que o caminho da pandemia abriu outros caminhos na nossa interpretação conceptual. Alguns são caminhos que não existiam, que têm sentido único e onde é proibido fazer inversão de marcha: «o teletrabalho é um caminho sem regresso».
Ao contrário do que seria de esperar, todo este exercício físico não traz saúde, antes pelo contrário. A presença da covid-19 desencadeia um esquema conceptual do universo médico que convoca outras doenças para falar de várias realidades associadas à pandemia. Fala-se da «anemia da nossa sociedade» para referir a sua incapacidade para reagir, de uma «neurose coletiva», para descrever a atitude das pessoas ou de «uma experiência assética», que procurar retratar uma nova forma de vida que procura eliminar qualquer vírus. O problema é que as formas de contágio parecem ser múltiplas, pois até «o medo é contagioso». E não esqueçamos que também para as doenças, a passagem do tempo pode ser perigosa, pois pode arrastar novas doenças, como bem se vê na «febre de recuperar o exercício da liberdade». Para além disso, vários setores da nossa sociedade vão sofrendo de doenças mais ou menos graves e mais ou menos súbitas, como fica patente na metáfora da «embolia financeira», que poderá mesmo «matar a economia». Nestes casos, como em qualquer situação extrema, há que trazer o paciente de regresso à vida e não deixar que se apague para sempre. Daí a urgência de «revitalizar a economia».
Seja o caminho a percorrer, seja a doença de que se padece, ambos convocam a necessidade de um final: chegar à meta ou recuperar a saúde é a única forma de nos livrarmos de todas estas metáforas porque isso significará que somos vencedores e saudáveis!