Como se trata de um regionalismo, não tem de se impor uma forma padronizada de pronunciar nem de escrever.
No entanto, tem-se considerado que a interjeição tem origem em bô, que é variante de bom, com o fechado desnasalizado. Nesta perspetiva, a grafia com ô seria mais correta, no sentido de a fonética e da grafia da interjeição estarem mais próximas das do adjetivo donde supostamente provêm. Contudo, não se exclui a possibilidade de, numa dada comunidade de falantes, ocorrerem casos de o aberto, e, portanto, não se dirá que bó esteja incorreto.
Perante cada par de exemplos da lista recolhida pelo consulente, é, portanto, difícil identificar a forma mais correta. Por outro lado, o facto de na pergunta se apresentarem tais formas em alternativa pode até indiciar que a interjeição tem oscilações de pronúncia, o que não admira, tratando-se de uma expressão profundamente implicada na oralidade. Atendendo a que a pergunta foi enviada de Vimioso, no extremo oriental de Trás-os-Montes, numa região historicamente sob influência dos dialetos leoneses (onde provém a língua mirandesa), é possível que o contraste fonológico entre o aberto e o fechado, que tais dialetos desconhecem, se neutralize, o que contribuirá para oscilações na pronúncia de casos como este.
Refira-se, entretanto, que dois dicionários de regionalismos desta região1 consignam a forma bô, indicativa de o fechado e correspondente não só a bom, mas também a boa quando faz parte de algumas expressões interjetivas, como é o caso de «bô jeira», que significa «Deus nos livre!»,em tom irónico, e tem origem em «boa jeira» (jeira pode, entre várias aceções, significar «terra que se lavra» ou «trabalho ou serviço de lavrar a terra»)2.
Não foi possível atestar a expressão «bô/bó era», mas não é difícil interpretá-la como manifestação de um desejo, equivalente a «(que) bom seria», eventualmente com o seu quê de irónico ou sarcástico.
Quanto aos restantes exemplos em questão, todos se afiguram instâncias da interjeição bô (ou bó), à qual A. M. Pires Cabral3 junta as seguintes observações:
«Bô [...] – Bom bagar: interjeição. Deixá-lo! Quero lá saber! 'A Joana diz que se vai embora. – Bô bagar [3] [ouvido em] Macedo de Cavaleiros. Exprime indiferença pelo que nos dizem. Como quem diz ironicamente: "bom vagar tenho eu de me estar a preocupar com isso" [...] Interjeição muito característica denotando incredulidade, espanto, indignação. [ouvido em] Nordeste.| Funciona às vezes como resposta negativa: "O João já veio da vila? – Bô!" Neste caso corresponde a "Isso veio ele!" Mas também pode significar assim, se acaso a resposta afirmativa for por demais evidente; nesse caso, corresponde a "Há que tempos" Claro que há uma diferença subtil de entoação. Literalmente: "Bô! Nem me digas uma coisa dessas!" [...].»
1 Foram consultados o Dicionário do Falar de Trás-os-Montes (2006), de Vítor Fernando Barros, e Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro (2013), de A. M. Pires Cabral.
2 No dicionário de A. M. Pires Cabral, escreve-se bojeira, numa única palavra gráfica.
3 Trata-se do dicionário referido na nota 1.