1. Regressa à atividade o consultório com novas dúvidas: a propósito das acusações de espionagem informática da Federação Russa nas eleições americanas de 8 de novembro de 2016, o que querem dizer os anglicismos phishing e spearphishing? E qual o significado do símbolo Btu, quando se fala de petróleo? Como grafar o nome de uma cidade brasileira: "Ipuiúna" ou "Ipuiuna"? E um morfema, o que é? Igualmente a rubrica O nosso idioma disponibiliza um novo texto, sobre os tão expressivos regionalismos da região portuguesa do Alentejo.
2. O falecimento do fundador do Partido Socialista português, o primeiro primeiro-ministro do atual regime constitucional de Portugal e seu presidente da República de 1986 a 1996, Mário Soares (1924-2017), em 7 de janeiro p. p., impõe assinalar aqui o modo como a sua personalidade e a sua intervenção política moldaram decisivamente o seu país no último meio século. Com a descolonização e a restauração da democracia em Portugal, também Soares não foi indiferente à necessidade de reequacionar o futuro do idioma e a sua unidade, como evidenciaram as suas muitas declarações sobre o tema, cuja memória se recupera agora, por exemplo, no serviço Rádio ONU (em português) ou no jornal são-tomense Téla Nón, que, de uma entrevista concedida em 2009, transcrevem a seguinte passagem: «[...] o presidente [José] Sarney deu um exemplo também extraordinário quando foi presidente porque ele tem um artigo da Constituição brasileira que diz "o idioma oficial falado no Brasil é a língua portuguesa". Portanto ele disse, um brasileiro, que é a língua portuguesa não a brasileira. Não há língua brasileira e a portuguesa. É a mesma como a língua que se fala em Portugal, como a língua que se fala em Angola, como a língua que se fala em Timor-Leste e como a língua que se fala em todas as ex-colónias de Portugal. Portanto, tivemos a grande vantagem de todas elas adotarem como língua oficial o português.» Recorde-se ainda que, com o embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira (1929-2007), o ex-líder português se distinguiu como um dos paladinos da constituição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (ler notícia do Observatório da Língua Portuguesa).
3. No novo ano, continuam a ter projeção mediática os diversos vocábulos que marcam o momento político nacional e internacional. O neologismo pós-verdade, como eufemismo de mentira, já foi aqui comentado, mas, entretanto, avulta uma nova palavra, descrispação, que o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou preferir a geringonça como a palavra do ano de 2016 (ler aqui), motivando o jornalista João Miguel Tavares, em crónica publicada no Público (7/1/2017), a produzir o seguinte comentário: «É uma escolha surpreendente de Marcelo, desde logo porque a palavra não existe. Porto Editora, Houaiss, Aurélio, Academia – nenhum dicionário cá de casa a reconhece.» Nada mais errado, pois o critério de correção das palavras não depende do seu registo nos dicionários – uma vez que eles nem sempre conseguem prever e abranger os muitos derivados possíveis com certos prefixos e sufixos. É o caso de descrispação, vocábulo bem formado – derivado de crispação, por adjunção de des-, um dos mais produtivos prefixos da língua contemporânea. Sobre este tema, leia-se também, da linguista portuguesa Margarita Correia, o artigo "Os dicionários de língua".
4. No tocante à situação e às perspetivas da língua portuguesa em 2017, a atualidade pede alguma reflexão:
– Em Cabo Verde, no meio de aplausos e vozes críticas, o português passa a ter estatuto de segunda língua no ensino. Note-se que esta mudança formaliza uma situação linguística efetiva, em que os crioulos cabo-verdianos (em processo de estandardização) constituem a língua familiar e de todos os dias. Tal não significa, porém, que o português surja agora como língua estrangeira, porque por língua segunda se entende «língua não materna que por razões sociais ou políticas é utilizada pelo indivíduo em certas circunstâncias do seu quotidiano (por exemplo, em situação escolar)», como acontece com «as línguas europeias com estatuto de língua oficial em certos países africanos [que] devem considerar-se línguas segundas» (Dicionário de Termos Linguísticos volume II, Lisboa, Edições Cosmos, 1990). Observe-se, de resto, que o governo cabo-verdiano não manifestou nenhuma intenção de deixar de usar o português na administração ou nas suas relações externas.
– Da visita oficial do primeiro-ministro português António Costa à União Indiana entre 7 e 12 de janeiro, espera-se o reforço ou o incentivo de resultados no âmbito da promoção e recuperação do português naquele país, sobretudo, no estado de Goa, bem como em Damão e Diu, onde o idioma tem longa história. Sobre a Índia, consultar o seguintes artigos e perguntas: "Os gentílicos de Calecute e Nova Deli (Índia)", "Monção, monções", "Nos 200 anos do nascimento do orientalista português Cunha Rivara", "Bombaim ou Mumbai?", "Toponímia da Índia e norma portuguesa", "As formas Diu e Dio", "O caso de Goa", "Palavras com origem na língua concani", "A influência do português no Oriente".
– Nota final para os pareceres que a académica e coordenadora da nova edição do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Ana Salgado, tem publicado recentemente no Pórtico da Língua, definindo os ajustamentos anunciados em 23/11/2016 pela própria ACL. São eles, a saber: Sobre ântero-, ínfero-, íntero, látero-, póstero-, súpero- (7/12/2016); Sobre o emprego do hífen (1) (13/12/2016); O prefixo re-; (19/12/2016) Sobre a acentuação gráfica (6/1/2017). No mesmo portal, leia-se ainda, da autoria de D'Silvas Filho, o artigo Imperfeições e dúvidas na b), do 1.º, da Base IV do AO90 (6/1/2017).
♦ No dealbar do ano de 2017 – e enquanto as atualizações regulares do Ciberdúvidas não retomam o seu curso normal, em 9 de janeiro –, os festejos do Dia de Reis no mundo católico justificam uma chamada de atenção para alguns dos muitos textos em arquivo ligados ao tema dos Reis Magos*. Por exemplo: "A grafia de Melchior e Baltasar", "As variantes Belchior e Melchior", "Plural de bolo-rei: bolos-reis", "Cantar os/dos Reis", "História da língua em dia de Reis".
* No caso particular de Espanha, onde é fortíssima a tradição da celebração da festa dos Reis Magos, a 6 de janeiro, recomendamos a leitura do artigo "O dia mais feliz para todos os espanhóis", da autoria da correspondente em Lisboa da Cadena Cope e de La Voz de Galicia, Begoña Iñiguez, publicado no "Diário de Notícias" de 09/01/2017.
♦ Entretanto, a rubrica Correio acolhe um texto do consulente João Pimentel Ferreira, inspirado no apontamento satírico que Luís Carlos Patraquim publicou no Pelourinho, a respeito da profusão de anglicismos no Natal lisboeta. Ainda no Pelourinho, deixamos também disponível um apontamento da autoria do constitucionalista português Vital Moreira, transcrito do blogue Causa Nossa sobre um erro cada vez mais vulgar na imprensa portuguesa: a contração da preposição "de" ou das locuções prepositivas compostas por "de" com o artigo subsequente antes de verbos no infinitivo.
♦ Em Portugal, conforme dados do Instiituto dos Registos e do Notariado – e que registamos na rubrica Notícias –, Santiago foi o nome mais escolhido no ano transato para os meninos, enquanto para as meninas o preferido continua a ser o de Maria. Finalmente, na rubrica Diversidades, deixamos disponível o artigo "Como as expressões 'sqn' e 'tá serto' ajudam a entender a ironia" – publicado em dezembro de 2016 na revista “Linha D’Água”, do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP (Universidade de São Paulo), sobre o uso de novas formas ortográficas na internet para expressar o que se circunscreve à oralidade. Transcrito, com a devida vénia, do jornal digital brasileiro Nexo.
♦ Neste tempo de balanços, voltam os passatempos promovidos pelas editoras que, em Portugal, mantêm dicionários eletrónicos, hoje muito procurados. É o caso da Priberam, cujo sítio eletrónico dá acesso à lista das palavras mais consultadas pelos seus utilizadores em 2016. Outro exemplo é a Palavra do Ano 2016, uma iniciativa da Porto Editora, que culmina em 4 de janeiro p. f. com o anúncio do vocábulo votado como o mais marcante do ano transato*. Já em Espanha, a Fundación para el Español Urgente (Fundéu BBVA) acaba de escolher a sua palavra do ano: trata-se de populismo, termo que assinala bem o momento político mundial, cujo equivalente português, populismo, tem também sido recorrente na atualidade publicada no espaço lusófono. Sobre a palavra do ano da Fundéu, leia-se o artigo que lhe dedicou o jornal andaluz Ideal. Por último, recorde-se que, para o inglês, o famoso Oxford English Dictionary selecionou como palavra do ano o vocábulo post-truth, a que fizemos referência aqui e que equivalem a formas como pós-verdade e pós-factual, as quais entraram também em rápida circulação em textos informativos e de opinião.
* Como anunciado, a Porto Editora revelou em 4 de janeiro que, neste passatempo, entre as dez palavras mais votadas, geringonça venceu, com 8750 votos, seguindo-se o vocábulo campeão, que ficou em 2.º lugar (29%), e Brexit em terceiro (com 8% de votos). Outros resultados: parentalidade (6%), presidente (6%), turismo (4%), racismo (4%), humanista (4%), empoderamento (3%) e microcefalia (1%). Observe-se que a palavra vencedora tem o sentido depreciativo de «coisa malfeita ou construção com pouca solidez», sendo sinónima de caranguejola ou « aparelho ou máquina considerada complicada; engenhoca»; em sentido figurado, o vocábulo também se aplica a uma «sociedade ou empresa de estrutura complexa e pouco credível », a que se junta ainda outra a aceção, talvez mais antiga que os anteriores significados, como o mesmo «linguagem vulgar, informal; calão, gíria» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). É por esta última aceção que parece poder compreender-se a origem desta palavra. Segundo nota etimológica do Dicionário Houaiss, geringonça tem origem «no castelhano jerigonza (c1350 sob a forma girgonz) "linguagem especial, difícil de compreender", do occitano antigo (ou se preferirmos do provençal antigo) gergons "idem", este derivado do francês antigo jargon ou gergon, originariamente "gorjeio dos pássaros", derivado da raiz onomatopaica garg-, que expressa as idéias de "tragar, engolir, falar confusamente" [...].» Refira-se que o Dicionário Houaiss dá como atestação mais antiga da palavra a sua ocorrência na Comédia Eufrosina ou Eufrósina de Jorge Ferreira de Vasconcelos, obra que terá sido concluída em 1543. Geringonça vem a ser, afinal, uma palavra com estreito parentesco com jargão. Quanto ao uso que geringonça tem tido ultimamente no discurso político em Portugal – em alusão ao governo minoritário do Partido Socialista, com o apoio parlamentar do PCP e do Bloco de Esquerda – a palavra marca ela própria uma posição ideológica de cariz depreciativo. Resultou de uma crónica do historiador Vasco Pulido Valente e, posteriormente, de uma intervenção no parlamento do então vice-ministro do anterior Governo PSD/CDS, Paulo Portas. [Sobre o tema, vide a notícia Quase nove mil portugueses votaram na "geringonça" (na palavra do ano, bem entendido), da autoria da jornalista Rita Pimenta, in jornal Público de 4/1/2017 + "475 anos de geringonça", artigo do jornalista Henrique Monteiro, no Expresso digital de 4/1/2017 + "Geringonça, a palavra que deu a volta ao texto", crónica do jornalista Ferreira Fernandes, no Diário de Notícias de 5/1/2017 + "A Geringonça, mas a da "Esopaida" de António José da Silva", crónica do jornalista João Paulo Guerra na Antena 1, 6/1/2017. E ainda: A geringonça vocabular do ano + O bom e mau uso do léxico político no jornalismo].
♦ Sobre os programas que o Ciberdúvidas produz para rádio pública portuguesa:
– O Língua de Todos de sexta-feira, 6 de janeiro (às 13h15*, na RDP África, com repetição no sábado, 7 de janeiro, depois do noticiário das 9h00*), entrevista o professor Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo, sobre as transformações que a língua de Camões, Craveirinha, Machado de Assis ou Mia Couto está a sofrer em Moçambique.
– Aprender a língua portuguesa não depende apenas de aprender as regras gramaticais ou a conjugação dos verbos. A aprendizagem da língua de Camões exige que haja um contacto precoce com as culturas veiculadas pelo idioma, sobretudo com a literatura e os seus clássicos. Se para muitos que têm a língua portuguesa como língua materna a leitura das obras de autores como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Aquilino Ribeiro, ou outros, pode ser difícil, para um estrangeiro, essa aventura pode tornar-se quase impossível. O Páginas de Português de domingo, 8 de janeiro (na Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, às 15h30*), fala com Ana Sousa Martins, professora e coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, que adaptou Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco e A Cidade e as Serras de Eça de Queirós, versões destinadas a aprendentes de Português Língua Estrangeira.
* Hora oficial de Portugal continental.
♦ O Natal e o Ano Novo trazem a tradicional pausa no serviço de consultório e nas atualizações regulares do Ciberdúvidas, cujo regresso ao pleno funcionamento fica marcado para 9 de janeiro p. f. Gostaríamos de uma interrupção menos dilatada, mas, desta vez, a falta de meios financeiros e humanos que se agravou nos últimos meses levou-nos a optar por criar condições de tempo para a revisão e o ajustamento do nosso extenso arquivo de conteúdos em linha. Basta recordar que estas páginas dão acesso a mais de 34 000 respostas a dúvidas sobre uso e gramática, bem como a cerca de 3500 artigos distribuídos pelas suas 10 rubricas e as correspondentes áreas temáticas, cuja diversidade reflete as muitas facetas da língua portuguesa no passado e no presente. Mesmo assim, continuaremos a dar conta nos destaques de material à espera de publicação ou de notícias e artigos colhidos noutras fontes – sobretudo, na comunicação social que se exprime em português. Disponíveis ficamos igualmente para outros assuntos, fora do âmbito do esclarecimento linguístico, pelos contactos indicados aqui.
Na imagem, Anunciação (oficina de Jorge Afonso, 1515, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa).
♦ Entretanto, a propósito desta quadra festiva, deixamos alguma sugestões de consulta:
◊ o substantivo Natal: Natal, Natal, nome e adjetivo, Natal, natais, O diminutivo e o aumentativo da palavra Natal;
◊ Pai Natal e formas do plural: Pai Natal, Pais natais (e não "pais natal"), O plural de Pai Natal, novamente, Ainda o plural de Pai Natal, «Pai Natal ecológico», Filhó, filhós e filhoses;
◊ Outras palavras e expressões do campo lexical do Natal: Advento, Presépio, nome comum, A grafia de Melchior e Baltasar, As variantes Melchior e Belchior, «Cantar os/dos Reis», Filhó, filhós e filhoses, Plural de bolo-rei, A.C. – d.C, À volta do Natal, «Ano Novo» e «Ano/ano novo».
◊ Finalmente: «Todos os dias são Natal» ou «Todos os dias é Natal»?
♦ Para todos os nossos consulentes, votos de umas festas felizes.
1. Entre os temas da atualidade, salienta-se o referendo constitucional que, decorrente da chamada proposta de reforma Renzi-Boschi, se realizou em 4 de dezembro p. p., na Itália. Resultado imediato da vitória do não: a demissão do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi. Chama também a atenção o facto de na língua italiana, do sub-ramo românico como a portuguesa, se dizer e escrever referendum, mantendo (praticamente) intacta a forma latina original, enquanto, entre nós, há muito que se faz o aportuguesamento deste e de outros latinismos similares: referendum – referendo; memorandum – memorando; curriculum – currículo. Cabe igualmente recordar o que aqui se disse sobre a locução latina ad referendum, que significa «com a condição de ser referendado». E uma pergunta: que diferença existe entre referendo e plebiscito?
2. Na rubrica Acordo Ortográfico (sub-rubrica Notícias), transcreve-se o trabalho que o jornalista António Loja Neves publicou no jornal Expresso, em 30/11/2016, ainda acerca do anúncio que a Academia de Ciências de Lisboa fez da intenção de introduzir ajustamentos no Acordo Ortográfico de 1990, com vista à 2.ª edição do seu Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Sobre este assunto, leia-se um texto intitulado "Clarificação pessoal sobre os melhoramentos no AO90", que D'Silvas Filho publicou no seu próprio sítio eletrónico.
3. No consultório, regressam os compostos formados com os advérbios bem e mal (como distingui-los da sua associação livre com particípios passados adjetivais?), a conjugação pronominal com o pronome pessoal átono -o ("seduz-lo" ou "sedu-lo"?) e, ainda a propósito do trágico acidente de aviação que vitimou a equipa da Associação Chapecoense de Futebol, a relação da toponímia brasileira com as línguas indígenas (qual a origem do topónimo Chapecó?).
4. De 12 a 14 de dezembro p. f., a Fundação Calouste Gulbenkian acolhe em Lisboa o colóquio Português: Palavra e Música. Trata-se de uma iniciativa que reúne investigadores portugueses e estrangeiros para discutir a dimensão musical do português como língua cantada, desde a Idade Média aos nossos dias.
1. Em Portugal, comemora-se em 1 de dezembro a Restauração da Independência1, ocorrida em 1640 no quadro das muitas convulsões havidas na Europa ao longo do século XVII2. A Restauração marca também a recuperação do império que permitiu difundir a língua – não obstante a perda de muitas possessões asiáticas para os Holandeses e a cidade de Ceuta ter permanecido fiel à coroa espanhola. No território ibérico, a fronteira portuguesa, incluindo Olivença, retomou quase toda a forma de 1580, ano da união dinástica; só cinco aldeias transmontanas ficaram de fora: trata-se de Ermesende (hoje Hermisende), Teixeira, São Cibrão (em galego, San Cibrao, e em San Ciprián em espanhol), Castromil e Castrelos, cinco lugares da atual província de Zamora cuja fala tradicional, apesar de geralmente considerada galega, parece guardar traços linguísticos que serão mais propriamente portugueses. Acerca do dialeto desta região, assista-se a um episódio do programa galego Ben Falado e, sobre a cultura e a dialetologia da chamada Raia (fronteira), consulte-se o portal do projeto Frontespo (Fronteira Hispano-Portuguesa).
1 Ao lado, uma imagem do livro de banda desenhada A Restauração da Independência (Porto, Edições ASA, 1986), de José Garcês e A. do Carmo Reis.
2 A Guerra dos 30 Anos envolveu vários países do centro e do ocidente europeus e conheceu diferentes fases. Convenciona-se que este conflito começou com a chamada Defenestração de Praga, «nome dado aos actos de violência, cometidos em Praga, em 1618, contra os governadores imperiais, que [...] foram atirados pelas janelas do palácio pelos protestantes da Boémia [parte ocidental da atual República Checa] [...]» (Dicionário Prático Ilustrado, Lello e Irmão – Editores, 1959). A palavra defenestração é o substantivo que corresponde a defenestrar, isto é, «atirar pela janela»; o substantivo e o verbos terão origem no francês, em, respetivamente, défénestration e défénestrer, derivados de fenestre, forma antiga de fenêtre, «janela» (cf. Dicionário Houaiss). Uma defenestração também marcou em Lisboa a Restauração de 1640 – a de Miguel de Vasconcelos, secretário da vice-rainha de Portugal, a Duquesa de Mântua. Os conjurados deram com ele escondido num armário e imediatamente o eliminaram, atirando logo depois o corpo pelas janelas do Paço da Ribeira.
2. O período da união com Espanha e a Restauração converteram Os Lusíadas num símbolo de exaltação nacional e até de fervor nacionalista. No século XXI, é preciso dar voz viva aos ideais de humanidade e universalismo que também se salientam nesse extraordinário poema do Renascimento. A este propósito, assinale-se o audiolivro Os Lusíadas como nunca os ouviu, um trabalho do ator António Fonseca, que, de 29 de novembro a 5 de janeiro, faz a interpretação integral da epopeia em espaços culturais de diferentes localidades portuguesas. O processo criativo na origem e lançamento deste audiolivro é o tema de um interessante documentário de 2013, intitulado 8816 Versos, da autoria da atriz e realizadora Sofia Marques (apresentação do filme aqui).
3. Ao fado, ao cante alentejano e ao fabrico de chocalhos, junta-se agora o barro preto de Bisalhães*, que a partir de 29 de novembro p.p. passa também a estar inscrito na lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO. O mesmo aconteceu, um dia depois, com a falcoaria (ou cetraria) portuguesa**.
* Sobre o campo lexical da olaria veja-se um episódio do programa Cuidado com a Língua! (8.ª série, 4.º episódio).
** Cf. O masculino de águia e de falcão.
4. Da atualidade é também comunicado de 23 de novembro p. p., da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), a qual, com vista à elaboração da 2.ª edição do seu Dicionário do Português Contemporâneo, anuncia estar «empenhada no aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico de 1990» (ver também documento Subsídios para um Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de Ana Salgado, lexicógrafa e membro da secção de Filologia e Linguística da Classe de Letras da ACL). O mesmo já fora proposto, anteriormente, pela Academia Brasileira de Letras – responsável com a ACL da presente reforma –, cabendo ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, por inerência das suas específicas atribuições estatutárias no quadro multilateral da CPLP, a compilação e concretização desses acertos, e no âmbito dos trabalhos à volta da concretização dos vocabulários nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor-Leste, do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa e, mais recentemente, para a fixação da terminologia técnica e científica, conforme o artigo 2.º do AO.
5. No consultório, pergunta-se: abalizado ou avalizado? «Tal e qual» ou «tal qual»? E, escrevendo o nome da cidade martirizada pela guerra civil na Síria, deve empregar-se "Aleppo" ou "Alepo"?
6. Quais as medidas a adotar para que a língua portuguesa desempenhe um papel mais central nos panoramas cultural e político mundiais? Nos programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa, os desafios que a língua portuguesa enfrenta são o tema de uma entrevista concedida pelo ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, transmitida pelo Língua de Todos de sexta-feira, 2 de dezembro (às 13h15***, na RDP África, com repetição no sábado, 3 de dezembro, depois do noticiário das 9h00***). No Páginas de Português, pode ouvir-se no domingo, 4 de dezembro (na Antena 2, às 12h30***, com repetição no sábado seguinte, às 15h30***).
*** Hora oficial de Portugal continental.
7. Devido ao feriado em Portugal do 1.º de Dezembro, dia da Restauração de 1640, a próxima atualização fica marcada para segunda-feira, 5 de dezembro.
1. É notícia a segunda visita oficial que os reis de Espanha fazem a Portugal, de 28 a 30 de novembro p. f., muito simbolicamente começando pela região fundadora do país. Com efeito, no primeiro dia, a rainha Letizia e Filipe VI chegam ao Porto, a Cidade Invicta, rumando em seguida até à mítica cidade-berço de Guimarães; a manhã do dia seguinte é novamente passada no Porto, só depois decorrendo o resto do programa a sul, na capital portuguesa. É a altura para lembrar a relação secular de Portugal com o Estado vizinho, onde a hegemonia política do antigo reino de Castela tornou o castelhano conhecido como espanhol, apesar da pujante diversidade linguística dos territórios espanhóis. Mas tal foi a força do castelhano no passado, que chegou a ser língua de corte na Lisboa do século XVI1 e veículo de cultura até aos princípios do século XVIII. Não admira, portanto, que o português guarde sobretudo desses tempos muitos castelhanismos, como os substantivos cavalheiro, mantilha, botija, ou o do adjetivo castiço, entre uma imensidade de outros, como confirma a leitura de textos do arquivo do Ciberdúvidas: "Castelhanismos, mais anglicismos e um atlas linguístico para Angola", "A praga dos vocábulos estrangeiros que não sabemos usar. Está Portugal perdido na tradução?", "O significado do provérbio 'De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento'", "Trindade em português, trinidad em castelhano", "Espanha e Allende", "A pronúncia de Estremoz (Portugal) e Badajoz (Espanha)", "O desde em espanhol e o de em português", "O português como língua de Camões é um mito".
1A rainha e imperatriz Isabel de Portugal (1503-1539), princesa portuguesa, porque filha de D. Manuel I (1469-1921), chega a ser dada como responsável pela espanholização do seu marido, o rei Carlos I de Espanha, também conhecido como Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Recorde-se que Carlos V e Isabel de Portugal eram os pais de Filipe II de Espanha, que veio a ser rei de Portugal de 1580 até à sua morte em 1598. Na imagem, um célebre retrato do casal imperial na cópia que Rubens (1577-1640) fez de um original perdido de Ticiano (1477/1490-1576).
2. Continuando em Portugal, o incremento do turismo afigura-se como saída possível da crise financeira e económica. Nas grandes cidades, tem aumentado a oferta recreativa e cultural, enquanto se repetem as iniciativas de renovação das áreas históricas. No entanto, a recuperação tem o seu reverso: os bairros populares – por exemplo, os de Alfama ou da Mouraria, em Lisboa – tornam-se mais elegantes e também mais caros, o que faz com que a população tradicional aí residente acabe por sair em busca de habitação na periferia da cidade. É este o cenário do uso dos neologismos turistificação e gentrificação, em foco nesta atualização do consultório. Mas há ainda mais dúvidas: qual é o adjetivo que se relaciona com o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)? Qual o plural do substantivo ganha-pão? Uma última resposta evidencia a legitimidade da locução preposicional «em meio a», característica da norma do Brasil.
1. Não é nova a tendência de o adjetivo dramático ocorrer no sentido de «drástico», «espetacular», «repentino», refletindo a interferência ou a má tradução do inglês dramatic. Os exemplos são abundantes: «subida dramática», «descida dramática», «aumento dramático», «abrandamento dramático», «redução dramática». Recorde-se que o adjetivo em causa se aplica genericamente ao que é próprio do drama, como género literário, ou ao que emociona fortemente; portanto, não se associa tradicionalmente aos substantivos indicados, pelo que é preferível dizer-se ou escrever-se «subida acentuada», «descida abrupta», «aumento espetacular», «abrandamento notável», ou «redução drástica».
* A interferência do inglês dramatic também se acusa noutras línguas românicas (ou seja, da mesma subfamília que o português), por exemplo, no espanhol e no francês, idiomas em que dramático e dramatique têm aceções muito semelhantes às do português dramático. Consultem-se a Fundéu BBVA e o Office Québécois de la Langue Française.
2. Acerca de modismos, aqui fica uma série de neologismos e alterações semânticas ou morfológicas que o estilo mediático reiteradamente evidencia: bombástico e brutal, no sentido de «espetacular», «grandioso»; contabilizar, que parece querer substituir o simples e direto enumerar; deletar, em vez de apagar; desde, para exprimir lugar de origem («"desde" Lisboa», em vez «de Lisboa», ou «a partir de Lisboa»); a afetação de expectante e espectável; focalizar, quando se quer dizer «concentrar»; o uso de impactante; o castelhanismo ilusão, que quer acabar com esperança; o performativo, de cepa anglo-saxónica; prestação, quando se pretende falar de uma exibição, atuação ou desempenho; a locução «ser suposto», sobretudo empregada pessoalmente («ele foi suposto...»); submeter, na aceção de «entregar»; e, finalmente, o mecânico alavancar, recorrente no futebolês. Mais exemplos, no artigo "Já se focalizou no português que anda a falar?" e na abertura "A novilíngua da imprensa". O tema é também tratado em páginas eletrónicas do Brasil, como Mundo Educação, ou Exame.com (aqui e aqui).
3. Quem fala de moda fala de compras, por exemplo, neste dia de 2016, última sexta-feira do mês de novembro, que a moda do inglês e da cultura associada apelida de Black Friday, isto é, Sexta-feira Negra. É denominação de um dia especial, em que o comércio faz grandes promoções para gáudio dos consumidores; então, porquê "negra"? O Online Etymology Dictionary dá uma explicação que se pode traduzir assim: «Black Friday [usa-se] como nome do movimentado dia de compras que se segue à celebração do Dia de Ação de Graças nos EUA. Diz-se que a expressão data dos anos 60 e talvez tenha sido cunhada não pelos comerciantes, mas por quem tinha a função de controlar as multidões; antes, aplicava-se principalmente às sextas-feiras que registaram quedas dos mercados financeiros (1866, 1869, 1873).»
4. Ainda a propósito de atualidades que tenham o português como tema, são de assinalar:
– a criação em 23 de novembro p. p. de uma cátedra na Universidade de Goa com vista a promover a investigação linguística do português e das suas relações com as línguas asiáticas, em especial, as indianas;
– a publicação de O Mundo do Português e o Português no Mundo afora: Especificidades, Implicações e Ações (Pontes Editores, Campinas, São Paulo), um volume de estudos coordenado por Maria Luisa Álvarez Ortiz Luis e Gonçalves, no qual se salienta um artigo do professor e linguista Gilvan Müller de Oliveira (antigo diretor executivo do IILP), com o título "O sistema de normas e a evolução demolinguística da língua portuguesa" (consulte-se aqui) – ver também apresentação do livro na Montra de Livros;
– um novo guia para o uso da língua, da autoria do conhecido gramático e académico brasileiro Evanildo Bechara: trata-se do Novo Dicionário de Dúvidas da Língua Portuguesa, cuja apresentação se pode consultar na Montra de Livros.
5. No consultório, os tópicos abordados dizem respeito às orações condicionais, à locução «em frente a» e à diferença entre temporão e serôdio.
6. Quanto aos programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa, o grande tema é a publicação do O Novo Atlas da Língua Portuguesa, com o apoio do Instituto Camões e de outras organizações. No Língua de Todos de sexta-feira, 25 de novembro (às 13h15*, na RDP África (com repetição no sábado, 26 de novembro, depois do noticiário das 9h00*), José Paulo Esperança, professor catedrático no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), fala deste novo livro, em que também colaborou. No Páginas de Português de domingo, 27 de novembro (na Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, às 15h30*), entrevista Luís Antero Reto, reitor do ISCTE-IUL e coordenador da obra em foco.
* Hora oficial de Portugal continental.
– As notícias dão relevo à intenção de Donald Trump, presidente recém-eleito dos EUA, de retirar este país do Acordo Transpacífico, também conhecido como «parceria transpacífica» – em inglês, Trans-Pacific Partnership. É de notar a grafia transpacífico: em português, pacífico também denota o que é relativo ou pertencente ao oceano Pacífico, tal como atlântico se reporta ao (oceano) Atlântico; e, ainda que a expressão inglesa apresente Trans-Pacific, nem sequer é preciso hífen com o prefixo trans-, que se agrega à palavra que modifica, como acontece em transatlântico. Finalmente, porque se fala de uma situação e de um documento bem individualizados, impõem-se as maiúsculas iniciais: escreva-se, portanto, Acordo Transpacífico2.
1 Agradecemos a José Pedro Ferreira (JPF), investigador do CELGA-ILTEC, o parecer em que se fundam estas considerações e do qual se relevam os pontos essenciais: I. A forma transpacífico tem uma base adjetival, não nominal, como sucede com todas as outras estruturas análogas: cisplatino (e não "cis-Plata"), transalpino (e não "trans-Alpes"), intraeuropeu, etc. II. O adjetivo pacífico, «relativo ao Oceano Pacífico», e o nome próprio Pacífico, «nome de oceano», são palavras homónimas. O sentido gentilício de pacífico (adjetivo) é registado na generalidade dos dicionários (excetua-se o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa). Acrescenta JPF: «O mesmo acontece, de resto, com a forma atlântico (adejtivo), também homónima do nome próprio a que diz respeito, mas decerto de uso mais frequente com este sentido de gentílico de Atlântico, (nome próprio) nos países de língua portuguesa.» Reforçam esta análise o Vocabulário Ortográfico do Português, que apresenta a forma circumpacífico, bem como o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e o Dicionário Caldas Aulete, onde já figura transpacífico.
2 No espanhol, a solução encontrada é muito semelhante. A Fundéu-BBVA propõe que Acuerdo Transpacífico seja o equivalente espanhol de Trans-Pacific Partnership, cuja denominação completa em inglês é Trans-Pacific Strategic Economic Partnership. Entre os países hispano-americanos signatários deste tratado, é o mesmo que Acuerdo Transpacífico de Cooperación Económica ou Acuerdo de Asociación Transpacífico – ou melhor, em português, «Acordo Transpacífico de Cooperação Económica» ou «Acordo de Associação Transpacífico».
– Na rubrica Acordo Ortográfico (área Critérios a rever – propostas e sugestões), deixa-se um novo contributo de D'Silvas Filho, autor de Prontuário Universal – Erros Corrigidos de Português e também consultor do Ciberdúvidas, para o debate da ortografia. Trata-se do documento Vocabulário do autor para o AO90, destinado ao português europeu, texto em que D'Silvas apresenta um conjunto de regras para a escolha de vocábulos, de modo a «defender o português europeu, tão maltratado nos atuais vocabulários portugueses», sugerir «aperfeiçoamentos no AO90, mas sem o recusar liminarmente» e «esclarecer devidamente os seus pontos dúbios».
– Engana-se quem traduz os «London bombings» de 7 de julho de 2005 por «bombardeamentos de Londres». A rubrica O nosso idioma passa a incluir um trabalho publicado em 16/5/2016 no jornal digital Observador sobre as muitas armadilhas semânticas dos chamados «falsos amigos» que o português encontra no inglês.
– O mote dos anglicismos continua no consultório: em Portugal, para falar da peça de roupa que os brasileiros chamam camiseta, diz-se e escreve-se t-shirt. Mas, já que há tanto gosto pelo inglês, não seria mais correto escrever T-shirt, como se regista no prestigiado Oxford English Dictionary? Mais questões: há diferença entre plaquetário e plaquetar? Como usar «e tal» com um numeral? Que sinónimos tem a locução preposicional «em meio a»? «Melhor do que» e «melhor que»: o que é correto?
– Sobre os programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa,:
♦ Com o apoio do Instituto Camões e a colaboração de outras importantes organizações, bem como a de numerosos especialistas da área, acaba de ser publicado O Novo Atlas da Língua Portuguesa, trabalho recentra e projeta a problemática e o desenvolvimento da língua comum. O Língua de Todos de sexta-feira, 25 de novembro (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 26 de novembro, depois do noticiário das 9h00*), conversou com José Paulo Esperança, professor catedrático no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e um dos colaboradores da obra, recentemente apresentada na capital portuguesa.
♦ «Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação» – é uma citação de Vergílio Ferreira que abre o Novo Atlas da Língua Portuguesa. O Páginas de Português de domingo, 27 de novembro (na Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, às 15h30*), entrevista Luís Antero Reto, reitor do ISCTE-IUL e coordenador deste novo livro.
* Hora oficial de Portugal continental.
1. Quando se estudam os topónimos, ou seja, os nomes de realidades geográficas habitadas e não habitadas, fala-se frequentemente da diferença entre, por um lado, a toponímia maior (macrotoponímia), que se centra nos nomes de núcleos populacionais e elementos da paisagem como rios e serras, e, por outro, a toponímia menor (microtoponímia), que abrange ruas ou simples lugares que convém identificar. São nomes com uma temporalidade própria, constituindo frequentemente autênticos repositórios de vestígios linguísticos deixados por antigas dinâmicas sociais. Acerca dos topónimos de Lisboa como memórias de outros tempos, a rubrica O nosso idioma disponibiliza "Rua da delicadeza", texto publicado na Folha de S. Paulo (4/06/2016), em que o seu autor, o jornalista brasileiro Ruy Castro, revela o poder evocativo desses velhos nomes (na imagem, a rua da Academia das Ciências, em Lisboa).
2. Sobre a toponímia em geral e o uso de nomes de lugar de Portugal e de países de língua portuguesa, consultem-se algumas respostas e artigos em arquivo. Algumas delas: "Toponímia", "Toponímia de um núcleo urbano", "Palavras para uma cidade", "As origens da toponímia do norte de Portugal", "A origem do topónimo Góis", "Uso do artigo definido com o topónimo Ucanha (Tarouca)", "Topónimos com artigo definido", "Origem do sufixo -elo na toponímia portuguesa", "A propósito da toponímia de Alvor", "Nomes da nossa terra", "Quarteira ou a Quarteira? Em Quarteira ou na Quarteira?", "Porquê Beja e Pombal?" "O artigo definido e os estados brasileiros", "Arneirós em Portugal e Arneiroz no Brasil", "Vila Real (Trás-os-Montes); Vila Rica (a atual Ouro Preto, Minas Gerais)", "Toponímia angolana só em língua portuguesa","Topónimos cabo-verdianos começados por Tôp", "Guileje (Guiné-Bissau)", "Uíje, Malange"; "Maputo (cidade) e Maputo (rio)","Ilha de Moçambique", "Os naturais da ilha do Príncipe", "Timor Loro Sae (e não 'Lorosae')".
3. No consultório, as perguntas andam à volta:
– da sintaxe de «dizer que não»;
– da análise da morfologia de recém-chegado;
– do significado de «em seguida»;
– e da grafia de superenigma.
1. Os meios de comunicação de vários países deram relevo à escolha da palavra do ano pelo Oxford English Dictionary: a "feliz" contemplada é post-truth, termo usado adjetivalmente em expressões como post-truth politics [«política (de) pós-verdade»], ou post-truth era [«era (de) pós-verdade»]. Trata-se de um eufemismo – que tem um sinónimo, post-factual – para referir aquilo a que, de forma direta, se chama mentira1. Porém, contextualizando um pouco, convém observar que o vocábulo inglês marca uma tendência da atuação política contemporânea: a verdade aparece como um princípio ultrapassado pela História, à semelhança das situações identificadas por outros termos como pós-modernismo, pós-industrialização, ou pós-colonialismo; a finalidade é ir agora ao encontro da suposta "verdade" emocional de largos setores da população votante, exacerbando crenças infundamentadas, que a frieza dos factos não justifica. O anglicismo terá surgido no final do século passado, mas recentemente ganhou amplo uso no discurso mediático, a respeito do chamado Brexit no Reino Unido e da eleição de Donald Trump como presidente dos EUA. Em português, transpõe-se literalmente como pós-verdade (e post-factual como pós-factual), que pode ocorrer adjetivalmente2, seguindo os casos paralelos doutras línguas românicas, por exemplo: em espanhol, posverdad (cf. Fundación para el Español Urgente – Fundéu BBVA); em francês, post-vérité; em italiano, post-verità.
1 Na imagem, a frase latina «vincit omnia veritas», ou seja, «a verdade supera tudo».
2 Geralmente uma palavra derivada por prefixação é da mesma classe de palavras que a sua base; ou seja, se verdade é substantivo, então pós-verdade será também substantivo. Contudo, registam-se casos como o de antirrugas, em «creme antirrugas», empregado como adjetivo, apesar de a sua base de derivação corresponder ao substantivo ruga (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 31). Mais consistente se revela pós-factual, porque é adjetivo derivado de outro adjetivo, factual, e corresponde a post-factual, sinónimo de post-truth, como se refere mais cima.
2. Sobre a Fundéu BBVA assinale-se uma novidade deste serviço: cada parecer publicado tem agora associada uma versão áudio (ouvir aqui). Infelizmente, nos recursos existentes para apoio do bom uso da língua portuguesa na comunicação social e no espaço público em geral – um projeto sempre adiado no Ciberdúvidas, dados os seus conhecidos constrangimentos financeiros –, não se dispõe de uma funcionalidade similar. E é revelador da real importância que em Portugal se confere ao idioma nacional que até uma iniciativa com o alcance do Prontuário Sonoro da RTP já nem conste na página oficial da televisão pública portuguesa (numa pesquisa Google, ainda se encontra aqui, mas sem qualquer atualização).
3. Na rubrica Controvérsias, ainda à volta da influência semântica do inglês error sobre o português erro, apresenta-se um texto de Adelino Campante sobre o contributo da língua especializada da Física e da Química para esta discussão.
4. Também na oralidade se devem ter em atenção o registo formal e a correção linguística. Um texto intitulado "Falar bem", de Felisbela Lopes, professora da Universidade do Minho, foca essa necessidade, elaborando um diagnóstico do que há por fazer nesse domínio em Portugal. Trata-se de um artigo publicado pelo Jornal de Notícias e agora também disponível na rubrica O nosso idioma.
5. A sintaxe é o grande tema das novas perguntas em linha no consultório: é correto omitir a preposição de numa frase «não me lembro de onde ele está»? Que função sintática tem «de casa» na frase «desapareceu de casa»? Porque se há de dizer que -o é um pronome pessoal, quando, afinal, pode referir coisas (por exemplo, «tenho carro mas emprestei-o »)?
6. Uma chamada de atenção para os programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa: no Língua de Todos de sexta-feira, 18 de novembro (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 19 de novembro, depois do noticiário das 9h00*), a professora Sandra Duarte Tavares fala sobre verbos abundantes e outras questões de língua. O Páginas de Português de domingo, 20 de novembro, na Antena 2 (às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, às 15h30*) conversa com António Pedro Pita, diretor do Museu de Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, a propósito da doação do espólio do escritor português nascido em Goa Orlando da Costa (1929-2006), autor de Podem Chamar-me Eurídice.
7. Um último apontamento: no contexto da greve da função pública em Portugal, convocada em 18/11/2016, torna-se a ouvir "precaridade" em vez da forma correta precariedade – sobretudo da boca de sindicalistas e políticos. Sobre esta palavra tão maltratada, leia-se "Precariedade, e não 'precaridade'", uma resposta da professora Maria Regina Rocha.
* Hora oficial de Portugal continental.
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