Na notícia de divulgação do podcast Geração 60, de 28 de julho de 2025, pode ler-se:
«Venho de uma linha de mulheres poderosas que, não tendo sido empoderadas, tornaram-se a si próprias poderosas. A minha avó foi uma delas", conta» (SIC Notícias).
Quando li a frase estranhei aquele linha, pois parecia-me óbvio que teria de ser linhagem. Linhagem é, como nos mostra a Infopédia, uma «série de gerações de uma família; genealogia; estirpe». Já o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea incorpora mesmo na definição a palavra linha, referindo que a linhagem é: a «linha de gerações anteriores a uma pessoa ou a uma família».
Em relação à expressão «linha de mulheres», o Corpus Davies, no subcorpus NOW, News on the Web, refere:
«[…] ter uma habilidade de combate superior a os outros dois protagonistas somados! Ainda em a linha de mulheres fortes, vale mencionar outras personagens de a trama de os titãs […]» (UOL).
«[…] americana Amanda Cerny nem é tão conhecida de o grande público, mas faz uma linha de mulheres que Neymar gosta de se relacionar: bonitas, com um corpo para […]» (oFuxico).
O mesmo corpus, em relação à expressão «linhagem de mulheres», devolve-nos a frase:
«[…] leitores de quadrinhos bem o que isso significa para o personagem que veio duma linhagem de mulheres guerreiras […].
Não faltam ainda exemplos de outras linhagens: «linhagens de grandes líricos», «linhagens de arrependidos», «linhagem de intelectuais», «linhagem de avós», «linhagem de criativos», «linhagem de soberanos», «linhagem de fidalgos», «linhagem de porcos transgénicos», etc.
Pesquisando no Google algumas dessas linhagens, mas substituindo linhagem por linha, encontramos, por exemplo:
«Ele faz parte de uma linha de intelectuais europeus que acreditavam no socialismo como uma utopia democrática igualitária […]» ("Por que George Orwell criticou a Revolução Russa, mesmo ele sendo socialista?", Guia do Estudante, 12/07/2025).
«Isabel II descende de uma linha de soberanos Britânicos desde Egbert, cujo reinado começou em 829 […]» ("The Queen is dead, long live the King!", LinkedIn, 09/09/2022).
Até mesmo num texto antigo se pode ler:
«Outros com o foro de Fidalgos que he muito mais, e são que em Castella chamão Caualleros nesta linha de Fidalgos ha moços Fidalgos, Fidalgos Escudeiros, e Fidalgos Caualleiros» (Nobiliário de Bettencourt Perestrelo III, séc. XVIII, Portal Português de Arquivos).
Não sendo a pesquisa feita no tradicional Corpus Davies (Género/Histórico), que reúne textos de natureza mais referencial (sobretudo de ficção, jornalísticos e académicos), mas textos de corpora que reúnem textos da Web, de múltiplas proveniências, e do Google, não parece haver dúvidas da plausibilidade do uso de linha como equivalente a linhagem. Da análise da frase em apreço e dos demais exemplos, o que me parece também é que se aceitaria mais facilmente uma frase formulada na terceira pessoa: «ela vem de uma linha de mulheres poderosas» e, até melhor, com outro verbo, como por exemplo, «ela provém de uma linha de mulheres poderosas», «ela entronca numa linha de mulheres poderosas» ou «ela insere-se numa linha de mulheres poderosas». A formulação na primeira pessoa: «venho de uma linha de mulheres poderosas» e o uso do verbo vir parece, por se tratar da sua própria ascendência pessoal, pedir o uso de linhagem... Acresce que, na linguagem genealógica, temos também, referindo-nos a outrem, «linha de sucessão», e diz-se, por exemplo, que alguém descende «em linha reta» ou «em linha colateral», o que também atesta a interseção semântica entre as duas palavras.
Em conclusão, e apesar de inicialmente se estranhar aquele «venho de uma linha de mulheres poderosas» e podermos, no caso, preferir linhagem a linha, não parece haver ali qualquer impropriedade lexical.
Na imagem, "D. Pedro d'Alcântara e Bragança, Imperador do Brasil-Rei de Portugal – descendentes", Parque de Sintra-Monte da Lua.