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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A atualidade está marcada pelo aviso do presidente do EUA Donald Trump de que poderá criar taxas aduaneiras para os produtos europeus. Esta sua declaração insere-se no quadro das iniciativas MAGA, um acrónimo que abrevia o slôgane da sua campanha presidencial: «Make America Great Again» e que atualmente funciona linguisticamente como um hiperónimo que aglutina todas as iniciativas promovidas pelo novo governo americano. Trump continua, deste modo, a contribuir não só para a instabilidade da política internacional como ainda estimula uma atividade linguística que promove a criação de neologismos. Entre os mecanismos de inovação lexical associados à ação do presidente, assinalamos hoje a extensão semântica do termo inglês to weave / weaving (à letra, «a trama / a tecelagem»). Com efeito, é o próprio Trump que assume que os processos de criação dos seus discursos assentam no que ele designa por «the weave». Na ótica do presidente, este é um novo estilo de oratória marcado pela genialidade e que ele descreve da seguinte forma: «falo sobre cerca de nove coisas diferentes, e elas acabam por se harmonizar de forma brilhante» (tradução nossa). Não obstante a visão autoelogiosa, os discursos de Trump têm sido considerados errantes, ininteligíveis e incoerentes, podendo inclusive constituir um sinal da sua decadência cognitiva. No meio-termo, os europeus continuam a aguardar as novidades resultantes da "tecelagem" do presidente americano, o que talvez nos permita encontrar a palavra certa para descrever os seus processos mentais e discursivos. 

Primeira imagem: Foto das notas de Donald Trump, numa conferência de imprensa (Fonte: Jornal The New Republic). 

2. A tensão linguística patente na escolha o uso de «ter de» ou de «ter que» é resolvida, do ponto de vista da tradição normativa, pela opção pela primeira estrutura. No entanto, os usos continuam a não confirmar em absoluto o respeito por esta opção gramatical. Partindo da análise dos usos patentes numa fonte jornalística, o gramática brasileiro Fernando Pestana procede a uma análise dos dados, cujos resultados partilha neste seu apontamento (aqui divulgado com a devida vénia). 

3. Ao Consultório chegam diversas perguntas de âmbito ortográfico de palavras/estruturas como «cabeça de cartaz», lombossagrado e cossolicitante. No quadro da sintaxe, analisa-se a função sintática desempenhada pela oração relativa em «aqui, onde vivo...», o comportamento dos pronomes relativos conjugados com o verbo servir e o uso de vírgula com modificadores relacionados com cargos ou parentesco. Divulgamos ainda uma resposta sobre a etimologia do substantivo princípio, uma outra sobre o género de BADESC.

4. A questão da literacia em Portugal está na base da crónica da professora universitária  e escritora Dora Gago, que nos deixa a seguinte reflexão: «Terra da Iliteracia encontra-se em expansão, como o comprovam vários estudos, como foi o caso, muito recentemente do Relatório Global da OCDE sobre as competências dos adultos, no qual Portugal evidenciou desafios na literacia, numeracia e resolução de problemas da população adulta, classificando-se muito abaixo da média.» 

5.  Entre os eventos dignos de referência, destaque para:

– O Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, assinalado a 5 de fevereiro, que o Plano Nacional de Leitura (PNL) assinala com o lançamento de pequenos desafios

– O Congresso Internacional Fernando Pessoa, nos dias 12, 13 e 14 de fevereiro de 2025, que terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, Auditório 2.  

6. Uma nota final de pesar para a jornalista,  escritora e poetisa Maria Teresa Horta, que faleceu hoje (04/01/2025), em Lisboa. Com uma vasta obra poética e ficcional, Maria Teresa Horta deixa um legado inconfundível, no qual se destacam as Novas Cartas Portuguesas, obra escrita em coautoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (as autoras ficaram conhecidas como «as três Marias»), conhecida pela sua matriz feminista e pelo contributo para a queda do regime de Marcello Caetano. 

Imagem: pormenor do mural «Mulheres da Revolução de Abril», de Elton Hipólito (2019), em Vila Nova de Cerveira

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A aprendizagem da língua portuguesa pelas comunidades estrangeiras radicadas em Portugal é tema mediático, gerando preocupação na vida governativa e política em geral (cf. "Um em cada quatro alunos estrangeiros tem um “conhecimento limitado” da língua portuguesa", Público, 23/01/2025). No plano do ensino, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) anuncia o Plano Aprender Mais Agora (A + A) através de duas notas informativas, uma relativa à contratação de «mediadores linguísticos e culturais» e outra respeitante a medidas a aplicar ao funcionamento da disciplina de Português como Língua Não Materna (PLNM) – cf. Direção-Geral de Educação. A propósito destas preocupações, apresenta-se em Montra de Livros a publicação Desafios e Descobertas: Perspe(c)tivas do Português como Língua Não Materna, que visa dar conta de diferentes perspetivas de investigadores e professoras sobre problemas e inovações no ensino de PLNM.

Crédito da imagem: Gerd Altmann, Pixabay.

2. Espaço privilegiado de inovação verbal e contacto interlinguístico é o mundo do futebol. No Pelourinho, o consultor Carlos Rocha aborda um uso "castelhanista" de ilusão, ou seja, um caso de castelhanismo semântico, por enquanto, só justificável pelo espanhol ilusión.

3. Diz-se e escreve-se «mais se informa» ou «mais informa-se? Esta é uma das seis perguntas que atualizam o Consultório, que abrange ainda os seguintes tópicos: a expressão «doença social», o uso de vírgulas com adjuntos adnominais, os valores aspetuais de uma frase, a grafia de telessaúde e os compostos que integram o nome limite.

4. Relativamente aos projetos que o Ciberdúvidas desenvolve em vídeo, em Ciberdúvidas Responde (episódio 20) encerra-se o ciclo de esclarecimentos sobre termos associados ao ano novo e, no episódio 14 de O Ciberdúvidas Vai às Escolas, o qual conta com a participação da Escola Secundária Fernando Namora (Condeixa-a-Nova), dá-se conta da concordância verbal correta com a construção «a maioria de» seguida de nome.

5. Registos vários, à volta do português e das línguas em geral: as críticas contra o Acordo Ortográfico de 1990 a que o jornalista Nuno Pacheco volta mais uma vez no jornal Público em 30/01/2025, argumentando com situações, quanto a ele, reveladoras de contradições nefastas; o recente lançamento de uma nova edição do Novo Dicionário Etimológico do Português Arcaico – séculos XIII-XVI, um trabalho de Américo Venâncio Lopes Machado Filho, professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA); e outra questão também retomada, a de saber até que ponto as línguas condicionam o pensamento, num apontamento da BBC Brasil dedicado ao livro A Myriad of Tongues («Uma Miríade de Línguas»), de  Caleb Everett, um linguista que, desde a infância, tem tido contacto com as línguas indígenas do interior da Amazónia, em Rondónia.

6. Semanalmente, as Notícias registam os temas dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas produz para a rádio pública de Portugal, ou seja:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 31/01/2025, às 13h20*, a professora Sandra Duarte Tavares fala sobre o aperfeiçoamento da competência linguística dos alunos das nossas escolas. O programa conta também com a participação da linguista brasileira Edleise Mendes (UFBA), com um apontamento a respeito da ideia de translinguagem.

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 02/02/2025, às 12h30*, inclui-se uma conversa do professor e tradutor Marco Neves, conhecido divulgador de temas linguísticos, acerca de Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa. Esta emissão inclui um apontamento gramatical da professora Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. No dia 27 de janeiro de 2025 passaram 80 anos desde o dia em que o campo de concentração de Auschwitz foi libertado pelas tropas soviéticas. A entrada no campo dos soldados deixou a descoberto as atrocidades cometidas naquele local, onde se exterminou cerca de um milhão e meio de judeus (de um total de seis milhões assassinados no decurso da Segunda Guerra Mundial). Um momento da História que a memória humana não deve esquecer para que barbaridades desta natureza não voltem a ter lugar. Estranhamente, no entanto, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto convive com tempos de negacionismo do extermínio levado a cabo nos campos de concentração criados pelo regime nazista e assiste a atos de violência extrema que recordam genocídios passados e que vão a par de ondas de antissemitismo. Situações que espelham o passado e que convocam, de forma mais intensa, a necessidade da perenidade da memória. Falar do passado, analisá-lo e refletir sobre as suas implicações poderá ser o caminho para evitar amnésia do mal, que ameaça grassar um pouco por todo o lado. Os acontecimentos relacionados com aquele período negro da História dizem-se com palavras. Aqui ficam algumas que poderão contribuir para a consciência sempre ativa de que é preciso querer que a «banalidade do mal» (expressão e teoria da filósofa Hannah Arendt) não se instale de novo: nazi e nazista são ambas palavras corretas, que poderão ser usadas quer como substantivos quer como adjetivos; embora seja uma sigla, SS (de Schutz, «proteção, defesa» e Staffel, «equipa») pode ser acompanhado de artigo no plural, o que se justifica pela força do uso; a palavra holocausto grafa-se com maiúscula quando refere o período em que ocorreu o massacre dos judeus e outras minorias; judeu ou judia podem ser usados como substantivos ou adjetivos, mas judaico, apenas como adjetivo; judaísmo leva acento no -i- e não é palavra derivada de judeu ou judia; o verbo judiar pode significar «observar os preceitos da religião judaica», mas também tem valor depreciativo de «fazer troça de; fazer diabruras ou maldades». (A propósito desta temática, recorde-se também o artigo «Churban, Holocausto e Shoah, ou da difícil nomeação»). 

Primeira imagem: Entrada principal de Auschwitz, onde se pode ler a frase «O trabalho liberta» (Fonte Agência Brasil). 

2. Poderá o complemento direto (ou objeto direto, na nomenclatura brasileira) ser introduzido por uma preposição? A resposta a esta questão é a primeira que se inclui na atualização do Consultório. A ela associam-se outras seis: as datas exigem próclise do pronome átono? Quais os recursos expressivos presentes nos versos «Que a abominável onda / O não molhe tão cedo», de Ricardo Reis? O que significa a expressão «etimologia obscura», patente nos dicionários? Qual o significado de crente e evangélico? Qual a origem das palavras capacitismodeterrência especialismo? E qual o aumentativo de comedor

3.  A locução «cerca de», que pode surgir em construções como «A consulta demorou cerca de uma hora» integra que classe de palavras? A professora Carla Marques apresenta a explicação, no âmbito do desafio semanal, uma rubrica destinada às redes sociais do Ciberdúvidas e divulgada no programa da Antena 2, Páginas de Português

4. O professor universitário brasileiro Rafael Rigolon apresenta um apontamento dedicado à família de palavras de idiota, considerando a sua etimologia. 

5. Entre os destaques desta semana, assinalamos:

– O início dos serviços em linha de empréstimo de livros eletrónicos, por meio da biblioteca pública de leitura e empréstimo digital BiblioLED, disponível nos municípios portugueses que aderiram ao projeto;

– O artigo de análise dos impactos da Inteligência Artificial no ensino e na avaliação dos estudantes e onde se propõem modelos de aprendizagem autónoma, divulgado no jornal Público (disponível aqui). 

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1. Outras notícias haverá além das protagonizadas pelo novo Presidente dos EUA Donald Trump, mas os acontecimentos à sua volta motivam usos mais ou menos inovadores nos media em português. Para já, entre as numerosas medidas anunciadas pelo recém-empossado presidente dos EUA, uma que evidencia o papel da toponímia  numa estratégia de afirmação nacionalista: a decisão (ou intenção) de substituir «golfo do México» (em inglês, «gulf of Mexico») por «golfo da América» («gulf of America»), substituição que não tem de ser seguida em língua portuguesa. Maior relevo teve o sermão de  Mariann Edgar Budde, líder da Igreja Episcopal de Washington, que, em 21/01/2025, na catedral de Washington (na imagem), dirigiu um pedido a Trump, gerando controvérsia (Observador, 22/01/2025). Porque se trata de uma mulher que exerce as funções de bispo, leu-se a palavra bispa em muitas publicações; outras, em minoria, optam por «mulher bispo», que lembra o funcionamento dos nomes epicenos e pode não ser solução feliz. Bispa tem vantagem: é vocábulo bem formado, como nome do género feminino correspondente a bispo e, tal como a ministro corresponde ministra, surge pela simples mudança do morfema -o em -a, ou seja, em linguagem especializada, pela troca dos índices temáticos associados à categoria gramatical de género. Se estranheza existe, esta advirá de, nos meios católicos, o cargo de bispo ainda só ser desempenhado por homens. Não é assim nas igrejas de tradição protestante, facto reconhecido pelo registo de bispa na Infopédia – «mulher que chefia uma diocese, em certas religiões cristãs não católicas». O Dicionário Priberam igualmente consigna o termo com definição próxima da anterior, sem, no entanto, especificar a corrente cristã, e, como sinónimo de bispa, apresenta ainda episcopisa, com mais tradição para denotar «nos primórdios do cristianismo, mulher que exercia algumas funções sacerdotais, especialmente nos cultos litúrgicos» (Dicionário Houaiss). Episcopisa tem contraparte masculina em epíscopo, forma erudita pouco corrente e sinónima de bispo (ibidem); no entanto, a sua legitimidade funda-se também em papisa, feminino de papa que se fixou e evoca uma lenda famosa. Mas, se o homem que ocupa este alto cargo eclesiástico é geralmente conhecido como bispo, e não como epíscopo, para quê preferir episcopisa a bispa, muito mais transparente?

2. O português conserva muitos galicismos que documentam um intenso contacto com a cultura de língua francesa, de finais do século XVIII a meados do século XX. Em Diversidades, a consultora Inês Gama propõe inverter a perspetiva e apresenta alguns lusismos franceses, isto é, palavras francesas cuja origem é portuguesa.

3. Até que ponto é adequado falar de «erros "dispendiosos"» num jogo de futebol? No Pelourinho, a consultora Sara Mourato dedica um apontamento a este emprego do adjetivo dispendioso.

4. Pode-se afirmar que, em qualquer narrativa, o imperfeito do indicativo configura momentos de descrição? A resposta inclui-se no conjunto de seis que atualizam o Consultório e abrangem ainda os seguintes tópicos: o dativo ético, as construções partitivas com numerais cardinais, a grafia de láctico, o uso de demonstrar-se com predicativo do sujeito e as noções de frase, oração e sintagma.

5. «A descrição gramatical far-se-á obrigatoriamente em corpus de língua escrita dada a cabal impossibilidade de fazê-lo em corpus de língua oral» – declara Ricardo Cavaliere, linguista, filólogo e membro da Academia Brasileira de Letras, numa reflexão sobre a definição da norma linguística no Brasil. O texto, publicado na página Língua e Tradição (Facebook, 05/01/2025), transcreve-se com a devida vénia na rubrica Controvérsias.

6. Relativamente aos projetos de divulgação e didática do Ciberdúvidas, retoma-se o comentário do nome Melchior e fala-se da grafia de Baltasar no 19.º episódio de Ciberdúvidas Responde, e aprende-se a identificar as funções sintáticas das orações subordinadas substantivas no 14.º episódio de Ciberdúvidas Vai às Escolas (com a participação da Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova).

7. Da atualidade da atividade académica em língua portuguesa, salienta-se: a realização do 8.º Encontro Internacional do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), subordinado ao tema “Do social ao linguístico e retorno(s): textos, língua e desenvolvimento”, de 22 a 24 de janeiro de 2025, na NOVA FCSH, em Lisboa, Portugal; a chamada para a apresentação de trabalhos no XIII EMEP – Encontro Mundial sobre o Ensino de Português, organizado pela  American Organization of Teachers of Portuguese (Associação Americana de Professores de Português), a ter lugar na Duke University em 1 e 2 de agosto de 2025; e a chamada de artigos para o dossiê Novos estudos em História da Língua Portuguesa: Novas abordagens para uma redefinição da periodização linguística do português, incluído na Revista Philologus.

8. Nos programas que, na rádio pública de Portugal, têm a língua portuguesa por tema, são temas de relevo:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 24/01/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), conversa-se com Carlos Nuno Granja a propósito da sua recente obra A Arte de Gostar de Ler. Ainda um apontamento gramatical de linguista Sandra Duarte Tavares acerca da frase «A União Europeia decidiu apoiar as milhares de vítimas da catástrofe».

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 26/01/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 01/02/2025, às 15h30*), Carlos Nuno Granja e o seu livro preenchem a maior parte da emissão. O programa inclui a resposta da professora e consultora permanente do Ciberdúvidas, Carla Marques, à pergunta: será que a palavra não tem forma plural?

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. Donald Trump tomou posse como quadragésimo sétimo presidente dos Estados Unidos da América, no dia 20 de janeiro. O seu regresso ao poder ficou marcado por toda uma subversão lexical caracterizada pela associação de novos valores a algumas palavras, que são mobilizadas para dizer algo diferente do seu valor habitual, como se pode constatar pela análise dos mais recentes discursos presidenciais. O mundo assistiu, logo após a tomada de posse, a uma fúria legislativa que conduziu à emissão de perto de largas dezenas de ordens executivas, uma decisão que permitiu ao líder americano afirmar que seria «ditador por um dia», associando a palavra ao sentido de «aquele que decide muito rapidamente». Na subida de Trump ao poder, destaca-se a descrição do seu mandato como uma nova «era dourada», uma expressão aplicada habitualmente a um período de paz, harmonia, estabilidade e prosperidade, mas que, sendo usado como um valor proléptico, acaba por poder cobrir qualquer realidade, mesmo a mais inesperada. No discurso de tomada de posse, Trump descreveu-se como «pacificador», mas não deixou de agitar as águas ao exigir o Canal do Panamá; acrescentou à palavra «imigração» o valor de "invasão" e sustentou que «ser daltónico» é ver apenas dois géneros: masculino e feminino. Entretanto, o planeta ficará à espera de perceber como os valores lexicais se alargarão para cobrir novas realidades ditas com termos de valores eufóricos e sempre justificadas pelo desejo de «tornar a América grande», ainda que o fosso entre a realidade e as palavras se possa revelar abismal. 

2. Em cada nova situação, a língua vai-se ajustando a novas possibilidades de sentido ou criando condições para o aparecimento de novas palavras. Neste âmbito, registamos esta semana o termo aporofobia ¹, criado pela filósofa espanhola Adela Cortina para referir a «aversão aos pobres», e a palavra doxocracia, usada pela politóloga italiana Nadia Urbinati para descrever «um poder monopolista da nossa mente», que, segundo ela, poderá caracterizar a ação de Donald Trump em associação à do multimilionário Elon Musk.   

¹ Cf. Aporofobia —o medo dos pobres que anula a empatia.Fundéu declara termo cunhado pela filósofa Adela Cortina como a palavra do ano de 2017

3. Na atualização do Consultório, destacamos o predomínio de questões relacionadas com aspetos lexicais: «O verbo plasmar», «Luthier, lutier, luteiro e violeiro», «Laço e gravata-borboleta» e «Realidade e verdade». Ainda duas questões de natureza sintático-semântica («Infinitivo simples e infinitivo composto» e «A sintaxe de comparticipar»), uma relacionada com a morfologia («A palavra boboca») e uma interpretação estilístico de alguns versos d'Os Lusíadas Uma aliteração camoniana»). 

4. Na rubrica Dúvida da semana, a professora Carla Marques analisa a questão da contração ou não da preposição seguida de artigo em diferentes contextos sintáticos e considerando a realidade do português europeu (divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

5. A  escritora e professora universitária Dora Gago propõe uma reflexão assente na analogia entre a fábula da cigarra e da formiga e o comportamento de alguns alunos em contexto escolar e social, deixando uma avaliação de natureza moral para os tempos modernos. 

6. Entre os eventos de relevo, destaque para:

– A Conferência: Criatividades Periféricas "Juventudes, Territórios e Políticas Públicas", com lugar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos dias 30 e 31 de janeiro (mais informações);

– O 8.º Encontro Internacional do Interacionismo Sociodiscursivo, organizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, nos dias 22 a 24 de janeiro (mais informações).  

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. Ainda assinalando o 28.º aniversário do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, lançado a 15 de janeiro de 1997, ocorre perguntar que interesse os problemas de gramática e de norma da língua despertam entre falantes de português nascidos à roda desta data, ou seja, a Geração Z*. Que apelo terá um serviço gratuito como Ciberdúvidas, que dá esclarecimentos sobre temas da língua para esta geração nos países de língua portuguesa, nomeadamente, em Portugal? É um inquérito por fazer, mas vale a pena refletir no tema da consciência e competência linguísticas dos jovens adultos lusófonos, que enfrentam enormes incertezas, incluindo as linguísticas. A propósito do trabalho de quase três décadas do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, a consultora Inês Gama reflete em O Nosso Idioma sobre a utilidade deste serviço para os jovens adultos da Geração Z.

*Justifica-se também aqui lembrar que a expressão «Geração Z» faz parte de uma série de denominações, originalmente cunhadas em inglês, que identificam sociologicamente as gerações que se têm sucedido desde finais do século XIX. Três das gerações dos últimos 60 anos são identificadas pelas últimas letras do alfabeto latino e, assim, fala-se de Geração X, nascida entre 1965 e 1980, de Geração Y (ou Mileniais), entre 1981 e 1996 e de Geração Z (ou Zoomers, em inglês), entre 1997 e 2010/2012. Quanto à escrita da palavra geração, não sendo obrigatória a maiúscula inicial, esta é legítima em português quando se pensa no exemplo de Ínclita Geração – isto é, «ilustre geração» –, expressão em que geração tem maiúscula. Observe-se que Ínclita Geração é uma criação de Camões para referir, em Os Lusíadas, os filhos de D. João I, que protagonizaram os destinos do então reino de Portugal nas primeiras décadas do século XV. Crédito da imagem: https://justinsecurity.medium.com/xyz-why-b855970fdd89.

2. Quando o português não parece suficiente, recorremos ao inglês para um appetizer («aperitivo, entrada») ou talvez um pouco de awareness («consciência, perceção»). No Pelourinho, a consultora Sara Mourato dá conta de mais um exemplo de anglicismos escusados num canal televisivo de informação.

3.  Que valor modal tem uma frase como «É admirável e arrepiante a coragem dela»? E o que se entende por modalidade nos estudos linguísticos? São interrogações que configuram uma das oito questões que atualizam o Consultório. Abordam-se também tópicos das áreas da sintaxe – a construção clivada «é... que...», a concordância com «cada um» e a expressão «fazer cirurgia» –, do léxico – a locução «pé de castelo», a formação de adjunção, disjunção e conjunção – e da semântica – a incompatibilidade de suplicar com querer e um caso inesperado de sinonímia entre acerto e asserto.

4. Relativamente às rubricas em vídeo do Ciberdúvidas, dão-se pistas para a identificação das orações subordinadas substantivas em Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 13, com a colaboração da Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova), enquanto em Ciberdúvidas Responde (episódio 18) fecha-se o ciclo do Natal com um comentário acerca do uso da forma hifenizada Ano-Novo no português do Brasil.

5. «Quando digo língua, digo mar, digo mãe e saboreio o amor de cada sílaba» – lê-se num novo texto da rubrica Antologia. É um poema em prosa da professora e escritora Ana Albuquerque.

6. Refira-se uma apropriação muito interessante, pelo escritor Miguel Esteves Cardoso, da terminologia gramatical, para falar de como se forma um leitor. Num texto intitulado "O sujeito e o predicado" (Público, 09/01/2025; mantém-se a ortografia do original), à volta da frase «ela lê um livro», afirma este autor: «A sequência sujeito-predicado-complemento indica a importância: a pessoa está acima da actividade, e a actividade está acima do objecto.» E acrescenta, provocador: «Para pôr alguém a ler, é preciso conhecer essa pessoa, para descobrir o que interessa: o sujeito vem primeiro. [...] O livro que ela lê – o complemento – é o menos importante, até porque pode sempre trocá-lo por outro.»

7. Outros registos, de eventos e opiniões em torno da língua portuguesa:

– a comemoração do bicentenário do escritor Camilo Castelo Branco (1825-1890), autor de Amor de Perdição (1862), entre muitos outros romances e novelas;

– o programa de Leituras no Mosteiro, uma iniciativa do Teatro Nacional S.João, no Porto, que, em 2025, é dedicada ao teatro em português, encerrando em junho com a leitura das três peças conhecidas de Luís de Camões: as comédias FilodemoAuto chamado dos Enfatriões e Comédia d’El-Rei Seleuco;

– à volta do projeto Amália, um grande modelo de linguagem para o português (em inglês, Large Language Model – LLM), a opinião de linguista Violeta Amélia Magalhães (Público, P 3, 06/01/2025), que considera que «[à] entrada em 2025, seria insensato ignorar que um LLM é uma forma de visibilidade e reconhecimento linguístico»;

– o artigo de opinião  "A língua que ainda está aqui" (Público Brasil, 15/01/2025), no qual o autor, o professor e linguista José Luís Landeira, defende que, «[s]e queremos que a língua portuguesa seja a ponte entre seus muitos milhões de falantes, precisamos pensá-la organicamente, como uma realidade plural e questionadora».

8. Em dois dos programas que, na rádio pública de Portugal, se centram na língua portuguesa, são temas de relevo:

– em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 17/12/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), a linguista Sandra Duarte Tavares discute algumas particularidades gramaticais do português. Participa ainda Carlos Rocha, editor executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, para falar de liberdade poética a propósito da expressão «bicos de rouxinóis» num poema de Vinicius de Moraes, O Falso Mendigo;

– uma entrevista a Joana Pimentel, presidente da CATPor (Canadian Association of Teachers of Portuguese – Associação de Professores de Português do Canadá), a propósito do VII Simpósio da CATPor, a decorrer nos dias 1 e 2 de março de 2025, na Missão Santa Cruz, em Montreal, Quebeque, em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 19/01/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 25/01/2025, às 15h30*). O programa incluirá um apontamento gramatical da professora Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. O Ciberdúvidas perfaz 28 anos a 15 de janeiro. O projeto, lançado em 1997, nasceu da vontade dos jornalistas João Carreira Bom e José Mário Costa, que fundaram um espaço ao serviço da missão de «esclarecer, clarificar, facilitar – mas sem substituir, nunca, o que só a Gramática ensina e o Dicionário ou qualquer prontuário podem auxiliar» (nota de abertura de 15/01/97). E foi assim que o Ciberdúvidas deu o primeiro de muitos passos que o levaram a responder a milhares de dúvidas, a divulgar milhares de textos sobre a língua e a dar a conhecer centenas de publicações de interesse para o português. Pelo caminho, com registo nas suas Aberturas, observou a atualidade, acompanhou a espuma dos dias, guerras e eleições, grandes celebrações e uma pandemia. Descreveu como da realidade se fala e apontou incorreções e modismos, gralhas e estrangeirismos. Tudo a bem da língua que defende e dos falantes que a usam. Ao longo deste mais de um quarto de século, o Ciberdúvidas foi evoluindo na sua forma de comunicar e de se adaptar a um público cada vez mais vasto e com interesses diversificados. No sentido de ir ao encontro de leitores mais jovens, o projeto alargou a sua comunicação a diferentes redes sociais (Facebook, Instagram, TikTok) e inovou, criando rubricas como Ciberdúvidas Responde ou Ciberdúvidas vai às Escolas. Passou a acompanhar estudantes, que aprendem a língua, a formar professores, que a ensinam, e, neste percurso, deu início à edição dos seus Cadernos de Língua Portuguesa (1 e 2). E os projetos continuarão enquanto o Ciberdúvidas puder prosseguir na sua missão de serviço público em torno da língua!

2.  No contexto dos 28 anos do Ciberdúvidas, a consultora e professora Carla Marques assinala a data com um texto em torno do ato ilocutório expressivo ao serviço do agradecimento, passando em revista as «inúmeras expressões que mostram como os atos de agradecimento e de reconhecimento se podem espraiar em inúmeras formas linguísticas». Nesta data em que o Ciberdúvidas reforça a sua afirmação como serviço livre e gratuito, que dá sem exigir em troca, recorda-se a importância do agradecimento vindo de quem questiona e consulta: «Todas estas manifestações de gratidão e de reconhecimento são matéria que nos motiva a cada dia e nos faz ter a certeza de que o que fazemos mantém utilidade e continua a fazer sentido porque a língua continua viva e continua a haver quem a queira cuidar ou compreender melhor.»

3. Como acontece em todas as atualizações, o Ciberdúvidas partilha com os seus leitores algumas das respostas que foi apresentando às dúvidas colocadas pelos consulentes. Destacamos os aspetos de natureza histórica relacionados com a evolução da significação do nome gesto ou com a origem dos sufixos -ão e -asco. Partilhamos ainda respostas relacionadas com aspetos sintáticos («Funções associadas ao nome comparação» ou  «Argumentos do verbo perguntar»), com classes de palavras («A contração naquele»), com a ortografia e acentuação («Bem-feito e «bem feito»», «Sóis vs. sois»)) e com os valores das palavras em contexto («Bobo(a) e idiota»). 

4. A consultora Inês Gama dedica a Dúvida da Semana aos uso do advérbio direito, a partir da construção «fazer as coisas direito», uma rubrica divulgada no programa Páginas de Português, da Antena 2.

5. Entre os eventos de relevo para a língua, destacamos:

– As conferências "As traduções de Os Lusíadas", no âmbito do ciclo de conferências dedicado às comemorações camonianas, organizadas pelo CITCEM (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), que contará com os seguintes convidados: José Adriano de Carvalho (Universidade do Porto-CITCEM) – Traduções para Espanhol); Isabel Almeida (Universidade de Lisboa – Centro de Estudos Clássicos) – Traduções para Francês; José Meirinhos (Universidade do Porto – Instituto de Filosofia) – Tradução para Mirandês (evento com lugar 12/01/2025, 15h, na sala DEPER, da Faculdade Letras da Universidade do Porto);

– O programa Mesa para Dois, da Antena 1, que teve como convidado o professor universitário e tradutor Marco Neves 

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1. Destacam-se notícias sobre Donald Trump, que, preparando o seu regresso à presidência dos Estados Unidos da América, manifesta interesse em anexar territórios como a Gronelândia* e o canal do Panamá ou até um país inteiro, como é o caso do Canadá, possibilidade também admitida em linguagem agressiva pelo bilionário Elon Musk*, que integra o elenco governamental. Voltando a atenção para o mundo de língua portuguesa, se em Moçambique continua a contestação dos resultados das eleições de 09/10/2024, ao que parece numa escalada de violência, nada de semelhante ocorre em Portugal, mas uma alegada situação de insegurança pública gera celeuma neste país, tornando recorrente a palavra perceção. Pertencendo à família de palavras do verbo perceber, perceção, cujo significado básico é «ato ou efeito de perceber», tem origem, por via erudita, no latim perceptĭo, ōnis (no sentido de «compreensão, faculdade de perceber» – Dicionário Houaiss). No contexto da atualidade portuguesa, o termo perceção, frequentemente associado a insegurança («perceção de insegurança»), tornou-se ainda mais presente desde uma controversa operação policial na rua do Benformoso em Lisboa ocorrida em 19/12/2024. Entre críticos deste uso, conta-se o historiador e político José Pacheco Pereira, com o seguinte comentário: «Se tivesse que escolher a palavra do ano, essa palavra seria percepções. No plural, em Portugal e na política. Contrariamente ao que é comum, a palavra é um pouco mais sofisticada, ou dito de outro modo, intelectual, do que é costume na linguagem muito pobre das redes sociais e na habitual desertificação do pensamento. No entanto, ela está conforme com um certo psicologismo vulgar que tem outras ramificações no discurso comum e que é muito bem retratado nos reality shows que se sucederam ao Big Brother, como a Casa dos Segredos» (Público, 10/01/2025).

* Gronelândia tem a variante Groenlândia (cf. "Gronelândia...")

** O nome Elon Musk soa como "ílone massk".

Crédito da imagem: capondesign, Pixabay.

2.  De agitação política também se fala no Pelourinho, a propósito da destituição do presidente da República da Coreia do Sul e do uso incorreto da palavra mandato em referência ao mandado de detenção que impende sobre ele. Um apontamento da consultora Sara Mourato.

3. Ainda acerca da quadra natalícia, a consultora Inês Gama explora em O Nosso idioma algumas expressões que existem em português com a palavra rei, a propósito da celebração do Dia de Reis, em 6 de janeiro.

4. Não será néon um estrangeirismo e, como tal, não deveria escrever-se esta palavra em itálico ou entre aspas? A resposta faz parte do conjunto de sete que atualiza o Consultório e abrange outros tópicos, a saber: um caso de pleonasmo com valor estilístico; a expressão «pelas barbas de Neptuno»; a função sintática do adjetivo em «condição financeira»; o uso de fazer-se; e os verbos chegar e colaborar.

5. Quanto às rubricas do Ciberdúvidas que tiveram o seu arranque em 2024:

– ainda relativamente aos festejos do começo de ano, um esclarecimento sobre o galicismo réveillon em Ciberdúvidas Responde;

– em Ciberdúvidas Vai às Escolas, indicam-se estratégias para identificar as funções sintáticas do pronome relativo que (agradece-se a participação de alunos da Escola Secundária Fernando Namora, em  Condeixa-a-Nova).

6. Registos com interesse literário ou linguístico:

– a cerimónia de trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós (1846-1900) para o Panteão Nacional, em Lisboa;

– a atribuição do Prémio Vergílio Ferreira à escritora Djaimilia Pereira de Almeida;

– a publicação pelo governo português da resolução (Diário da República ) que determina a criação do modelo de linguagem Amália, o qual, segundo os correspondentes em Portugal e na Galiza da revista digital Brasil Já, terá como um dos seus objetivos «separar variantes da língua, citando nominalmente o português europeu e o português do Brasil».

7. Dos programas que, na rádio pública de Portugal, versam sobre língua portuguesa, salientam-se:

– No programa Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 10/01/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), a entrevista ao editor executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, Carlos Rocha, sobre as dúvidas provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa que foram mais recorrentes em 2024 no consultório deste portal;

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 12/01/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 18/01/2025, às 15h30*), centra-se igualmente nos tópicos mais recorrentes, em 2024, no Consultório do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, numa conversa com o seu editor executivo. Ainda o apontamento gramatical da consultora Inês Gama sobre a classe de palavras de direito.

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1. O lugar de Dúvida do ano de 2024 é partilhado por duas incorreções que se encontram com alguma regularidade em textos escritos. Segundo os leitores e consulentes do Ciberdúvidas, os problemas ortográficos com que mais frequentemente se deparam estão relacionados com o verbo haver (que aparece registado com a forma incorreta *a ver) e com a grafia da 2.ª pessoa do pretérito perfeito do indicativo das formas verbais (expressas na grafia incorreta do sufixo -te, que surge separado da base verbal por meio de um hífen (com registos como *entras-te ou *ficas-te). Os resultados da votação mostram que há erros que permanecem com uma constância que parece difícil de combater. Em consonância com estes resultados, note-se que a dúvida mais consultada no acervo do Ciberdúvidas está relacionada com a grafia do verbo haverÀ ou há?») e que os vários problemas relacionados com o uso incorreto do hífen nas formas verbais são apontados desde a criação do portal («Assassinos com hífenes», «Amor com hífen», «As formas verbais com sse ou -se», «Sobre os erros morfossintáticos»). Os resultados da Dúvida do Ano mostram que a ortografia continua a ser uma área em que a escola deve insistir ao longo do percurso dos seus alunos, pois o conhecimento das suas regras não parece constituir um assunto resolvido na sociedade portuguesa. A supervisão dos textos divulgados na comunicação social também poderá ajudar a resolver problemas desta natureza. Ciente destes problemas, o Ciberdúvidas continuará a esclarecer problemas desta ordem e a apontar erros identificados. A Palavra do Ano da Porto Editora foi também anunciada: trata-se do nome liberdade, uma escolha que poderá estar relacionada com as várias iniciativas que assinalaram os 50 anos do 25 de Abril.

2. Os restos mortais de Eça de Queirós, autor de obras intemporais como Os Maias ou A ilustre casa de Ramires, serão trasladados para o Panteão Nacional no dia 8 de janeiro de 2025. Depois de um impasse devido à oposição a esta decisão por parte de alguns membros da família, a trasladação do corpo foi finalmente autorizada dando cumprimento à deliberação da Assembleia da República, aprovada por unanimidade, em janeiro de 2021. Os restos mortais de Eça de Queirós, que foram sepultados em 1900 em Lisboa e trasladados em 1989 para o cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião, regressarão a Lisboa, desta feita para ter direito a honras de Panteão, ao lado de escritores como Almeida GarrettAquilino Ribeiro ou Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros. Neste acontecimento, destacam-se os nomes panteão e o verbo trasladar. O primeiro é, neste contexto, um termo da arquitetura, que descreve um monumento nacional onde se depositam os restos mortais de figuras ilustres de uma nação. Não obstante, esta palavra, que vem pelo latim panthĕon, também refere, na área da mitologia, o conjunto de personagens mitológicas de uma religião politeísta. Por seu turno, o verbo trasladar (equivalente da forma transladar) é usado para descrever o ato de mudar os restos mortais de alguém para outra sepultura. Este verbo formou-se com base na forma latina translatus, que significa «procissão, acompanhamento com pompa». 

3. A seleção do género do nome bacanal pode estar associada a sentidos diferentes que vão desde a referência a uma festa da Antiguidade romana ou um evento marcado pela livre prática da atividade sexual, tal como é explicado nesta resposta. Poderão ainda ser consultadas as seguintes respostas novas: «Aquando vs. "aquando de"»; «O complemento de aspeto», «Fardo, quilo e litro com complemento nominal», «"Não saber nada" e "não saber de nada"», «Consolidação vs. solidificação», «Adiar e agradecer». 

4. O verbo dar é típico da época natalícia, em todos os tempos verbais e em todas as pessoas, mas ficará a época reduzida à materialidade expressa pela palavra? O apontamento da professora universitária Sónia Valente Rodrigues aborda estas questões de natureza lexical e humana. 

5. Os trocadilhos que o nome do futebolista Rodrigo Mora permitem nas capas dos jornais desportivos dão matéria ao apontamento do consultor Paulo J. S. Barata para a rubrica O Nosso Idioma

6. A vida literária da poetisa portuguesa Adília Lopes é recordada no texto do professor e presidente da APP João Pedro Aido, a propósito do falecimento da escritora em 30 de dezembro de 2024. 

7. Entre os eventos de relevo, damos destaque a alguns encontros que têm lugar no decurso desta semana:

– O Debate organizado pela Associação de Professores de Português subordinado ao tema «O ensino da literatura: cânone e competências complexas de leitura», no dia 9 de janeiro, entre as 17h30 e as 20h30 (inscrição obrigatória aqui);

– O evento dedicado ao tema «Políticas linguísticas como cuidado: o exemplo do contexto moçambicano», no dia 8 de janeiro, às 18h00, com a presença de Ezra Chambal Nhampoca, Diretora da Escola de Comunicação e Artes-UEM, Moçambique, e investigadora da UFSC, Brasil, e CEL-UTAD, Portugal, realizado em modo híbrido (via Zoom e presencialmente no IENA da FLUC, 6.º piso) e com o apoio do CELGA-ILTEC (mais informações);

– A conferência em linha «Linguagem sensível ao género: perspectivas e desafios», organizado pela Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres e o Centro de Linguística da Universidade NOVA de Lisboa, no dia 9 de janeiro, entre as 16h30 e as 18h (via Zoom, neste endereço).
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1. Como foi anunciado na Abertura de 17/12/2024, reduz-se o ritmo das atualizações do Ciberdúvidas no período do Natal e do Ano Novo, com uma pausa na atividade do Consultório de 18 de dezembro a 6 de janeiro*. No entanto, sempre que o interesse e a atualidade o justifiquem, incluem-se novos artigos nas demais rubricas – O Português na 1.ª Pessoa, Diversidades, Notícias, Montra de Livros –,  além de se renovarem igualmente os vídeos da rubrica Ciberdúvidas Responde, que, com Ciberdúvidas Vai às Escolas, integra os novos projetos lançados em setembro e outubro de 2024. Destas atualizações mais pontuais se dá conta no ponto 4 desta Abertura. Entretanto, mantém-se o acesso livre ao vasto arquivo do Ciberdúvidas, mais de 50 000 artigos, desde respostas a dúvidas até textos mais desenvolvidos, de informação ou reflexão sobre o nosso idioma comum. Para quantos nos acompanham, nos países de língua portuguesa ou em qualquer outra parte do mundo, vão os nossos votos de Festas felizes e um ótimo 2025!

* Para outros assuntos, que não digam respeito a questões da língua, ficam disponíveis os nossos contactos.

2. Decorre até 3 de janeiro a votação para seleção da Dúvida do Ano de 2024. Apresentam-se dez possibilidades, das quais os participantes neste passatempo poderão selecionar aquela que julgam ser a mais corrente. A lista de dez erros frequentes foi mencionada na Abertura de 03/12/2024 e encontra-se no formulário de resposta que se preenche aqui.

3. Importa salientar que os conteúdos deste portal são igualmente disponibilizados nas redes sociais Facebook, Instagram e TikTok, bem como no Youtube.

4. Registo dos conteúdos postos em linha a partir de 18/12/2024:

Ciberdúvidas Vai às Escolas: "Como se distingue o complemento do nome de outros complementos?", episódio 11, com a participação da Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova (18/12/2024).

Ciberdúvidas Responde: "O nome Natal tem plural?", episódio 14 (20/12/2024); "A palavra advento e o nome Belchior/Melchior", episódio 15 (27/12/2024); "Ano Novo e 'ano novo'", episódio 16 (02/01/2025).

O Nosso Idioma: "As palavras Advento e Natal" (18/12/2024); "Athleisure" (19/12/2024).

Notícias: "William Labov (1927-2024)" (18/12/2024); "Agência Lusa e Priberam apresentam as palavras de 2024" (19/12/2024).

Antologia: "Trapologia" (03/01/2025).

5. Assinale-se ainda que, semanalmente, as Notícias registam os temas dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas produz para a rádio pública de Portugal, ou seja:

Língua de Todos, difundido na RDP África às sextas-feiras, 13h20* e repetido no dia seguinte, depois do noticiário das 09h00*;

Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, aos domingos, às 12h30*, e repetido no sábado seguinte, às 15h30*.

Mencione-se ainda o programa Palavras Cruzadas, que, realizado por Dalila Carvalho e transmitido na Antena 2, chega ao fim nos derradeiros dias de 2024. Últimos episódios: "Quatro anos de Palavras Cruzadas" (30/12/2024) e "Obrigada" (31/12/2024).

*Hora oficial de Portugal continental, ficando depois ambos os programas disponíveis aqui e aqui.

6. Finalmente, a propósito das palavras amizade e solidariedade, que se tornam mais presentes no que se diz e escreve na quadra natalícia, fica também um poema de Alexandre O'Neill (1924-2024), cujo centenário se celebrou em 19/12/2024:

Amigo

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

in No Reino da Dinamarca, 1958
Fonte: Escritas.org