Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber, por favor, se há interjeições em português arcaico com o sentido de assentimento, aprovação?

Agradeço pela atenção.

Resposta:

O Dicionário de Língua Portuguesa Medieval (2022) consigna duas interjeições que podem aproximar-se do que se pretende na consulta:

«amem interjeição. (Do latim amen). Amém, assim seja (século 13 Cantigas de Santa Maria 065) E gran doo fez por el seu companneiro, / e quant'el viveu foi senpr' ali senlleiro, / guardand'o sepulcro; mais Deus verdadeiro / levó-o consigu', e el seja loado. Amen. (século 12 Cantigas de Escárnio e Maldizer 341) E tod'homem que molher bem quiser / e m'esto oir, e amem nom disser, nunca veja de quant'ama, prazer! [...]»

«aha interjeição (do latim ah) . Ahah, é isso [séc. 13 Cantigas de Santa Maria 251) "Ahá, / aquel é o meu fillo e dade-mio acá."» – no entanto, este caso parece exprimir não tanto aprovação, mas antes conclusão.

Pergunta:

No jornal das 21h30 de ontem, dia 13.2.2025, da RTP2, vi o substantivo musicista utilizado para definir a profissão de uma compositora musical. Está correto?

Obrigada.

Resposta:

Apesar da formação de musicista ser explicável com unidades morfológicas da língua portuguesa (o radical de música e o sufixo -ista), trata-se provavelmente de um italianismo, musicista, que se adaptou facilmente ao português.

Tendo em conta as fontes aqui consultadas, não se deteta preceito nem doutrina que condene o uso de musicista.

Contudo, músico seja, em Portugal, o vocábulo mais corrente para designar quem executa peças musicais. O Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa regista a palavra como adjetivo e nome, nas seguintes aceções: «1. Música (pessoa) que compõe e executa música; sinónimo músico. 2. pessoa que aprecia e é versada em música». Com argumento de se confundir por homonímia com o nome música, «arte de combinar os sons», há falantes que hesitam perante a forma do género feminino correspondente a músico, ou seja, música (ex. «ela é música»), mas não se encontra razão para condenar esta palavra.

No Brasil, um musicista é também um autodidata em música (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Li em algum lugar (não me lembro em qual) que, por razões semânticas, as palavras papel e chapéu não são consideradas como uma rima no idioma português...

Isso procede?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

A rima não se define por razões semânticas, o que não significa à seleção de palavras para rima não assistam razões desse tipo.

Mas, independentemente de motivos semânticos, observe-se que, no português do Brasil, a vocalização do /l/ em final de palavra, como em papel, ou a fechar sílaba, como em calma, que se verifica em grande parte dos dialetos deste país, permite que papel rime com com chapéu, e calma, com trauma, o que é totalmente legítimo.

No português de Portugal, não existe tal vocalização (pelo menos, não na pronúncia-padrão), e, portanto, geralmente, papel não rima com chapéu.

Pergunta:

Por que o Acordo Ortográfico de 1990 unificou a grafia de "Cingapura"/"Singapura", e não fez o mesmo com "berinjela"/"beringela"?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Acordo Ortográfico de 1990 não é claro quanto à grafia de nomes próprios, os quais podem envolver a consideração de aspetos históricos. Mas é verdade que apenas apresenta a forma Singapura, na Base III, quando se refere a homofonia de certos grafemas consonânticos.

Tanto quanto sabemos, no Brasil, apesar de se aceitar a grafia Cingapura, também é corrente Singapura1, forma que é a única correta em Portugal (cf. Textos relacionados)2.

Quanto a berinjela, esta é forma possível, mas beringela é a forma preferível (cf. Textos relacionados).

1 No Brasil, ambas as grafias são legítimas. como refere Evanildo Bechara, num apontamento publicado em O Dia (01/01/2012) e disponível no portal da Academia Brasileira de Letras: «Nos bons dicionários elaborados no Brasil, Houaiss optou por ‘Cingapura’, e o Aurélio por ‘Singapura’. O Acordo  de 1990 registra a escrita com ‘s’, por ser um texto que tomou por modelo o sistema de 1945; mas a verdade é que, neste particular, se antecipou à última palavra a ser dada, futuramente, pelo vocabulário ortográfico da terminologia geográfica e ciências afins. Enquanto a decisão não vier, são válidas as duas grafias. Foi a lição que tomou certeiramente, assim o julgamos, a 5ª edição do VOLP da ABL, registrando os gentílicos ‘cingapurense’, ‘cingapuriano’, ao lado de ‘singapurense’; pois não registra  nomes próprios [...].» A chamada de atenção para este apontamento deve-se a

Pergunta:

dicionário da Porto Editora tem como significado para o nome masculino saca-nabo o seguinte: «náutica gancho ou haste de ferro que serve para pôr em movimento o nabo ou êmbolo da bomba dos porões.»

Porém, ao consultarmos o termo nabo no mesmo dicionário, não encontramos qualquer referência que explique aquela acepção.

Agradecemos a Vossa apreciação.

Resposta:

Falta efetivamente a aceção de «êmbolo» na entrada de nabo no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, da Porto Editora. O mesmo acontece com o Dicionário Priberam, que consigna saca-nabo, mas não o uso de nabo como designação de um tipo de êmbolo.

No entanto, esta aceção tem registo no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «4. êmbolo grosseiro de uma bomba naval». No dicionário de Caldas Aulete (versão digital, verbete original) também se inclui esse significado: «Êmbolo grosseiro de uma bomba.»