«Eis um par muito especial digno de nota: úmido (PB) e húmido (PE). Ufa!»
O Acordo Ortográfico não veio para pasteurizar a língua. Algumas diferenças ainda existem, sobretudo entre a norma do português brasileiro (PB) e a do português europeu (PE).
Vejamos a lista*:
1. A letra C e a letra P em encontros consonantais: em algumas palavras – sim, é sempre bom confrontar dicionários do PB (Houaiss, Aulete, Michaelis) com dicionários do PE (Porto Editora, Priberam) –, a depender da pronúncia empregada, pode-se manter ou não o C ou o P (a escolha lexical varia entre os países lusófonos): aspecto e aspeto, cacto e cato, respectivamente e respetivamente, caracteres e carateres, fato e facto, setor e sector; concepção e conceção, recepção e receção etc.
2. A letra B, a letra G e a letra M em encontros consonantais (BD/BT, GD, MN): em algumas palavras – sim, é sempre bom confrontar dicionários do PB (Houaiss, Aulete, Michaelis) com dicionários do PE (Porto Editora, Priberam) –, a depender da pronúncia empregada, pode-se manter ou não o B, o G ou o M (a escolha lexical varia entre os países lusófonos): súdito e súbdito; sutil e subtil (e seus derivados); amídala e amígdala (e seus derivados); indenizar e indemnizar.
3. Em algumas (poucas) palavras oxítonas terminadas em -e/-o tônico, geralmente provenientes do francês ou japonês, estas vogais, por serem articuladas nas pronúncias cultas – ora como abertas, ora como fechadas –, admitem tanto o acento agudo como o acento circunflexo (eis alguns pares mais usuais do PE e PB, respectivamente): bebé e bebê, bidé e bidê, caraté e caratê, croché e crochê, guiché e guichê, matiné e matinê, nené e nenê, puré e purê, cocó e cocô, judo e judô, metro e metrô.
4. a) Muito poucas palavras com as vogais tônicas grafadas e e o em fim de sílaba (na penúltima), seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua e, por conseguinte, também de acento gráfico agudo ou circunflexo (veja alguns pares do PE e PB, respectivamente): sémen e sêmen, xénon e xênon; fêmur e fémur, vómer e vômer; fénix e fênix, ónix e ônix; pónei e pônei; pénis e pênis, ténis e tênis; bónus e bônus, ónus e ônus, tónus e tônus, Vénus e Vênus.
b) Levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tônicas grafadas e ou o estão em fim de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respectivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua (veja a sequência PE e PB): académico e acadêmico, anatómico e anatômico, cénico e cênico, cómodo e cômodo, fenómeno e fenômeno, género e gênero, topónimo e topônimo; Amazónia e Amazônia, António e Antônio, blasfémia e blasfêmia, fémea e fêmea, gémeo e gêmeo, génio e gênio, ténue e tênue.
5. É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português. No PE, usa-se com acento. No PB, usa-se sem acento.
Obs.: Se um brasileiro escrever amámos, isso não se configurará erro ortográfico, mas gerará tamanha estranheza como se usasse a palavra autoclismo no lugar de descarga da sanita (vaso sanitário). E é preciso respeitar as diferenças entre as normas, vendo nisso a riqueza da língua portuguesa, e não um mote para divisões.
6. Facultativamente, usa-se dêmos” (1ª p. pl. pres. subj.), para se distinguir da correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo (demos); fôrma (substantivo), distinta de forma (substantivo; 3ª p. sing. pres. ind. ou 2ª p. sing. imp. do verbo formar). No PB, só se usa sem acento; no PE, também não se usa acento no caso de forma, mas se usa acento no par demos x dêmos. Mas vale a mesma observação final do número 5.
7. Eis um par muito especial digno de nota: úmido (PB) e húmido (PE).
Ufa!
Apontamento publicado em 13 de fevereiro no mural que este autor mantém no Facebook e divulgado aqui com a devida vénia.