1. A língua evolui muito (sempre) entre dois polos da atividade linguística dos falantes: a deturpação e a criatividade, nem sempre discerníveis. Os conteúdos dos media dão a toda hora exemplos desta situação, como documentam breves registos que o Ciberdúvidas vai recolhendo no seu canal no Youtube. Conta-se agora entre eles o uso discutível do adjetivo e nome vernáculo como sinónimo de «calão, linguagem grosseira» conforme se ouviu num comentário televisivo sobre a atualidade do futebol português: «Eu tenho uma palavra para tudo isto, não a posso dizer na televisão porque... também é um vernáculo» (CMTV, 28/01/2025). Como já houve aqui oportunidade de explicar, a palavra vernáculo regista-se tradicional e lexicograficamente na aceção geral de «idioma próprio de um país ou região; uma língua pátria, na sua pureza» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).
Refira-se também outro caso, igualmente recolhido no canal Ciberdúvidas no Youtube e ilustrativo do outro polo de modificação linguística, o da criatividade. Trata-se da forma Centenistão, provavelmente cunhado no momento, com intuito crítico, num comentário aos cortes orçamentais ordenados por Donald Trump nos EUA: «É ilegal desrespeitar a lei orçamental do Congresso. Nos Estados Unidos, não há cativações, não é, não há cativações. Não vivemos no Centenistão, não é?» Refira-se que a palavra alude a Mário Centeno, que foi ministro das Finanças em Portugal, de 2015 a 2020, e é, desde julho de 2020, governador do Banco de Portugal. Sobre a produtividade do elemento -istão, truncado de nomes de países como Paquistão e Afeganistão, para conotar situações sociais, económicas ou políticas vistas negativamente, leia-se "O impacto das crises na língua portuguesa", da jornalista Filipa Lino. Crédito da imagem: xukun_1995, Pixabay.
2. Epónimos são nomes comuns resultantes da conversão de nomes próprios. Será o caso de carrasco, na aceção literal de «indivíduo que executa a pena de morte», originário do nome Belchior Nunes Carrasco, algoz do século XV (cf. Dicionário Houaiss). Em O Nosso Idioma, a consultora Inês Gama apresenta algumas palavras cuja origem são nomes de figuras históricas.
3. Sobre a decisão do Presidente norte-americano Donald Trump em relação a novas taxas para produtos da China e do Canadá, o político e comentador Paulo Portas disse que o caso era «um pedaço estranho», na CNN Portugal (02/02/2025). Será que a um pedaço pode juntar-se um adjetivo para exprimir o grau em que manifesta certa característica? À pergunta responde a consultora Sara Mourato, numa reflexão sobre o uso de pedaço na língua portuguesa – também na rubrica O Nosso idioma.
4. Em Montra de Livros, em breve nota, apresenta-se de História Global da Literatura Portuguesa, uma obra que reúne cem artigos sobre a relação da literatura portuguesa com outros espaços linguísticos e culturais, desde as origens medievais galaicas à contemporaneidade.
5. Em que país de língua portuguesa se usa palavra barba-cara (também grafada «barba cara», como locução), com o significado de «desfaçatez, descaramento»? Na atualização do Consultório, dá-se resposta a esta e a outras questões, num total de seis: a frase «a mim ninguém controla» está correta? O que é um avicóptero? Que diferença há entre «outros» e «os outros»? Cesta, sexta e sesta são palavras homófonas? E qual a figura de estilo em «meu amor, minhas boninas, olho de perlinhas finas» (Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente)?
6. A respeito dos vídeos que o Ciberdúvidas difunde nas redes sociais, registe-se que, em Ciberdúvidas Responde (21.º episódio), o tema é a concordância com expressões de percentagem na perspetiva normativa do Brasil; e também de concordância se fala em O Ciberdúvidas Vai às Escolas (16.º episódio), a propósito da locução «é necessário».
7. Quanto a iniciativas e acontecimentos a terem lugar em Portugal e com interesse linguístico e literário, salientam-se: as I Jornadas "Humanidades Digitais na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa", que se realizaram de 5 a 07/02/2025, em formato híbrido; a chamada de trabalhos, até 16/02/2025, para as IV Jornadas Científicas Internacionais sobre a Investigação em Disponibilidade Léxica, um encontro promovido por especialistas espanhóis e pela primeira vez realizado fora de Espanha, na Universidade do Minho, em Braga (mais informação aqui); a sessão “A noção de padrão discursivo: análise de textos e caracterização de géneros”, pela linguista Rute Rosa (Centro de Linguística da Universidade Nova), em 14/02/2025 (via Zoom; mais informação aqui); e, em Óbidos, de 13 a 16/02/2025, o festival Latitudes – Literatura e Viajantes.
8. Nos programas que, na rádio pública de Portugal, têm a língua portuguesa por tema, tem relevo:
– Em Língua de Todos, programa difundido pela RDP África, na sexta-feira, 07/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), entrevista-se o professor universitário e tradutor Marco Neves sobre o seu recente livro Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa, em que se retoma o tema da hipercorreção e das ideias falsas sobre o português e o funcionamento das línguas em geral.
– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 09/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 15/02/2025, às 15h30*), conversa-se com Rute Perdigão, professora adjunta da Escola de Educação do Instituto Piaget, acerca do tema "Imersão, transversalidade e diversidade linguísticas na Formação de Professores", e a professora Carla Marques comenta um ditado popular: «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo.»
* Hora oficial de Portugal continental.