«Ainda pior é termos comido definitivamente os pronomes reflexos em verbos como reunir, resignar, derreter, casar e muitos outros.»
Em tempos, recebi várias queixas por ter escrito aqui no blogue que uma pessoa que escrevia (e que eu publicara) era extremamente jovem mas «uma senhora escritora»; como essa pessoa era não-binária, levei nas orelhas da Comissão de Igualdade de Género por lhe chamar «senhora» quando na verdade estava a fazer-lhe um elogio. Mas, como um problema nunca vem só, descobri uma das queixosas num vídeo em directo a acusar-me de ter usado «o pronome senhora». Só que senhora é substantivo, e não pronome...
É o que temos e os pronomes estão mesmo pelas ruas da amargura...
Em primeiro lugar, porque uma tradução apressada do impessoal you entrou no português e nunca mais vai sair, substituindo um nós ou um se, que seria muito mais normal em frases do tipo «É normal, quando chove, vestir-se/vestirmos uma gabardina» (em vez de «vestires», especialmente se não tratamos por tu o nosso interlocutor); mas ainda pior é termos comido definitivamente os pronomes reflexos em verbos como reunir, resignar, derreter, casar e muitos outros, pois uma pessoa «casa-se» mas «casa o filho com uma rapariga adorável», e o pronome reflexo faz toda a diferença, embora hoje as pessoas só casem umas com as outras.
É um desabafo porque, vindo a ouvir rádio antes de aqui chegar, soube que as pessoas agora não «se reúnem», apenas «reúnem», não sabemos é o quê.
Texto publicado no blogue da autora, Horas Extraordinárias, em 22 de outubro de 2024, e aqui disponibilizado com a devida vénia.