Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
16K

Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tanto quanto pude averiguar, os dicionários de verbos da língua portuguesa, como, por exemplo, o da Infopédia (Porto Editora), registam impactado como a única forma possível do particípio passado do verbo impactar.

É, pois, com alguma perplexidade, que me deparo recorrentemente com formulações como «o dardo tinha impacto o alvo».

Neste exemplo, parece-me que o adjectivo impacto está a ser utilizado em vez do particípio passado impactado, cujo emprego seria mais correcto.

Estará a escapar-me alguma coisa?

Muito obrigado!

Resposta:

De facto, nas gramáticas e dicionários consultados a forma do particípio passado do verbo impactar é apenas impactado/(a). Quer isto dizer que não existem registos de o verbo impactar ser um verbo com particípio passado duplo. Por conseguinte, o correto, em português, será «O dardo tinha impactado o alvo.»

Relativamente à utilização de impacto como particípio passado do verbo impactar, pesquisas no Corpus do Português, de Mark Davies, não encontraram qualquer resultado. Contudo, podemos levantar a hipótese de a formulação em questão tratar-se de uma tradução literal do inglês «the dart has impacted the target», em que se confunde a forma do particípio passado do verbo com a forma do adjetivo. 

Note-se ainda que a estrutura «ter + impacto» existe em português, sendo utilizada, por exemplo, no âmbito da linguagem económica como se verifica em «O lançamento deste imposto teve impacto nas vendas». No entanto, repare-se que impacto, nestes casos, é um nome comum com o sentido de «efeito provocado, em alguém ou alguma coisa, por ação, acontecimento, situação relevante ou influente» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), não pertencendo ao complexo verbal da frase.

O hífen em <i>abaixo-assinado</i>
Diz-se abaixo-assinado ou abaixo assinado?

Apontamento gramatical da consultora Inês Gama sobre a utilização do hífen em abaixo-assinado. Incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 16 de fevereiro de 2025.

Pergunta:

Na frase «Todos concordaram com o que você fez ontem», como classificar a oração «com o que você fez ontem»?

Julgo que será subordinada substantiva relativa, mas estou com dúvidas.

Resposta:

Na frase apresentada pelo consulente, a oração «com o que você fez ontem» é um constituinte que desempenha a função de complemento oblíquo, com a seguinte estrutura «preposição + o a funcionar como pronome demonstrativo + oração subordinada adjetiva relativa».

O verbo concordar rege a preposição com, pelo que o grupo preposicional introduzido por esta preposição terá a função de complemento oblíquo, como se observa na frase (1):

(1) «Todos concordam com a tua decisão.»

No caso em apreço, o complemento da preposição é um grupo nominal constituído por o, que neste caso funciona com o valor de pronome demonstrativo, sendo seguido de uma oração subordinada relativa, que toma como antecedente aquele pronome. A possibilidade de substituir o por um demonstrativo como isto ou aquilo, comprova esta interpretação:

(2) «Todos concordam com isto/aquilo que você fez ontem.»

Em (2), a oração relativa restringe o sentido do seu antecedente, especificando a situação extralinguística que se descreve.

Há pessoas que marcam a língua
O caso das palavras que derivam de nomes próprios

Neste apontamento a consultora Inês Gama apresenta algumas palavras cuja origem são nomes de figuras históricas.

Pergunta:

Qual a construção mais correta?

– «Lembrarmo-nos daqueles a quem servimos.»

– «Lembrarmo-nos daqueles que servimos.»

Grato.

Resposta:

Ambas as construções estão corretas. No entanto, o antecedente retomado pelos constituintes «a quem» e que pode ser diferente, o que faz com que os seus sentidos sejam ligeiramente diferentes.

Nas duas frases, os constituintes «a quem» e que são selecionados pelo verbo servir que, neste caso, se comporta como um transitivo direto. Quer isto dizer que tanto «a quem» como que desempenham ambos a função sintática de complemento direto. Note-se que, segundo Anabela Gonçalves, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), «tipicamente, o complemento direto em português não é introduzido por uma preposição, quer seja um sintagma nominal quer seja uma oração. Existem, no entanto, alguns contextos especiais em que um complemento direto é introduzido pela preposição a; nestes casos, o complemento direto tem sempre o traço [+humano], caracterizando-se também por ser semanticamente específico», página 1169. Por conseguinte, pode-se assumir que «a quem» retoma como referente o pronome daqueles