Neste novo livro, o professor universitário, tradutor e divulgador de temas linguísticos Marco Neves retoma o tema da hipercorreção e das ideias falsas sobre a língua portuguesa e o funcionamento das línguas.
A linguagem utilizada pelo autor mantém as suas características. Em constante diálogo, com um vocabulário acessível e sempre apoiada em exemplos, a exposição vai escalpelizando certos mitos sobretudo à volta da história ou motivação do léxico comum e da fraseologia mais correntes. Uma Introdução (pp. 11-17) e cinco partes constituem o livro, com o objetivo de desmontar deturpações geradas pelo espírito hipercorretivo de muitos falantes, a par do gosto de criar explicações infundadas para a origem de palavras e expressões.
Na primeira parte (pp. 21-46), Marco Neves apresenta três casos de etimologia falsa, os de chá e bica (o mesmo que «café expresso») em português, de há algum tempo para cá, explicados de forma fantasiosa como siglas, e o do japonês arigato, sem relação histórica com obrigado. As falsas etimologias de palavras continuam a dar o mote à segunda parte, juntando informação extralinguística, de natureza cultural (pp. 49-69), aos casos da origem do palavrão caralho, dos dias da semana, e do adjetivo crasso, na expressão «erro crasso». A secção seguinte (pp. 83-94) mostra como são disparatadas certas interpretações de ditados e expressões idiomáticas em circulação na Internet, centrando-se em três ditos tradicionais: «quem tem boca vai a Roma», «quem não tem cão caça com gato» e «mal e porcamente». A parte IV (pp. 97-125) revela os malefícios da projeção do logicismo no funcionamento normal da língua, ao abordar sete expressões supostamente ilógicas: «queria um café», «copo de água», «fazer a barba», «não há nada», «mais pequeno», «já agora» e «sorriso nos lábios». Finalmente, a quinta parte (pp. 141-151), sem deixar o léxico, ao tratar dos sinónimos vermelho/encarnado, vira-se para a variação fonética e fonológica, ao referir-se às tendências da pronúncia do -s (morfema de plural), à questão da grafia de um ditongo raríssimo na língua – o ui de muito – e ao uso da vírgula na sua relação com a prosódia e a estilística.
O livro termina com uma secção intitulada "Caixa de Ferramentas do Detetive Linguístico", que reúne dicas para um autêntico modo de atuação perante as notícias falsas em matéria de correção linguística.
Uma obra que se lê, portanto, com interesse e muito agrado. Se a intenção é também formativa, talvez não estivesse a mais um índice alfabético que facilitasse o acesso aos comentários e à informação sobre os tópicos discutidos, que são muitos para um volume que não chega às 160 páginas. Mas este é um pormenor que em nada compromete a jovialidade do estilo, associado, no fundo, à proposta de uma visão descontraída mas informada e muito consciente dos desafios sociais das línguas, as nossas e as dos outros.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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