DÚVIDAS

A expressão «pé de castelo» (Goa)

Tenho estado a ler a obra Jacob e Dulce do luso-goês Francisco João da Costa (Gip) e, em pelo menos duas passagens, há personagens que se referem ao protagonista como «pé-de-castelo». Pelo contexto, depreende-se que será alguma forma de desconsideração. Porém, não consegui encontrar o significado concreto desta expressão em nenhum dicionário online e, mesmo esquadrinhando pelo Google, só encontrei alusões a um determinado tipo de formação/unidade militar histórica.

Sabem o que é que poderá significar ao certo?

Obrigado.

Resposta

Pouco podemos acrescentar ao que o consulente já apurou, porque não encontramos registos nas fontes de que dispomos, a nossa biblioteca e a Internet.

A expressão, que, em Jacob e Dulce, de Francisco João da Costa, se depreende ter sentido pejorativo, ocorre de facto em textos relativos a um tipo de unidade militar, que tem registo, por exemplo, no dicionário de António de Morais Silva, na sua edição de 1789, regista pés de castelo como subentrada de e definido como «a tropa da guarnição delle».

O termo aparece mencionado em estudos de história militar:

(i) «...antigas organizações conhecidas como Pé-de-Castelo (cerca de 200 homens)» (Revista Militar N.º 2439 – Abril de 2005, pp 365).

Mas o uso de pé de castelo em certos textos do século XVII e XVIII permite compreender que as guarnições assim chamadas eram formadas por gente humilde, mal ou nada preparada:

(2) «[...] a forma em que esta fortaleza se achava guarnecida até o presente era feita por uma companhia das que neste Reino se chamam de pé de castelo, as quais valem o mesmo que uma guarnição de paisanos, e entende êle Conselheiro que não pode haver maior inconveniente para o serviço de Vossa Majestade que ficar guarnecida por aquêle modo a principal fortaleza da cidade da Bahia.» (Documentos Históricos, Consultas do Conselho Ultramarino, Bahia. 1695-1696 e 1724-1732, p. 242)

Estudos recentes permitem também saber que os pés de castelo eram formações militares de indivíduos pouco treinados:

(3) «Esta guarnição de pé de castelo, em muitas oportunidades, foi contestada quanto à sua eficiência, o que pode ser observado através de cartas régias, em vista do estado de indisciplina e apaisanamento [...]» (OLIVEIRA, M. M., A defesa da Baía de Todos os Santos (2011, p. 195-196).

Parece-nos, pois, provável que, por metonímia, a partir de pé de castelo, como termo militar, e depois por extensão semântica, qualquer indivíduo pobre, sem recursos, rude, passasse a ser chamado «pé de castelo».

Não conseguimos saber se este uso, atestado na obra do autor goês, também existia entre outras comunidades de língua portuguesa.

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