A questão em apreço é muito interessante e faz-nos refletir na dinâmica associada à linguagem, sobretudo no que se refere ao sentido das palavras que utilizamos.
Muitas vezes, ao abrirmos o dicionário num determinado verbete, ou entrada, verificamos que, à mesma palavra, são atribuídos diversos sentidos. Até mesmo sentidos figurados, ou seja, que, de alguma forma se distanciam do sentido esperado, ou literal.
A palavra em análise plasmado integra, no exemplo apresentado, uma passiva estativa, em que é usado o verbo estar e o particípio passado (ou o adjetivo correspondente) do verbo plasmar.
Referimos este aspeto, porque numa pesquisa pelo corpus Cetempúblico é possível encontrar frases com o particípio passado, mas também com outras formas verbais e que fogem ao sentido veiculados pelos dicionários consultados.
A alteração de sentido que o consulente regista é, pois, uma alteração que ocorre face aos sentidos previstos do verbo plasmar e não apenas ao seu particípio passado.
No dicionário da Porto Editora, o verbo plasmar é apresentado como transitivo com os seguintes sentidos:
1. modelar em gesso, barro, etc.
2. dar forma a; modelar
3. verbo pronominal: tomar certa forma
Por seu lado, o dicionário Houaiss refere que o verbo plasmar entrou na língua portuguesa no século XIX e não se afasta muito dos sentidos indicados pela Porto Editora. Todavia, apresenta abonações que nos ajudam na interpretação, nem sempre literalmente associada à definição apresentada:
1 – formar ou modelar
2 – dar forma (a alguém, algo ou a si mesmo); organizar-se «Aquela civilização plasmou homens de grande têmpera.»; «plasmou-se na figura materna»; do latim plasmo, as, are, avi, atum: tomar, criar (o homem), dar feição a, plasmar.
Aconselha ainda a consultar o radical plasm(at), onde se indica, entre outras coisas, o seguinte:
«Plasm(at) do grego plasma, atos «obra modelada, figura afeiçoada» com o sentido do verbo plássō, usado na linguagem da Igreja. Daí plasmatio, -onis, com sentido de «criação, formação» ou plasmator, -oris significando criador.»
Se nos centrarmos nas abonações registadas no ponto 2 do dicionário Houaiss, poderemos dizer que é possível atribuir ao verbo outros sentidos além dos registados. Por exemplo, na abonação «Aquela civilização plasmou homens de grande têmpera.» talvez não seja abusivo atribuir ao verbo «plasmou» o sentido de «produziu; criou; gerou», que se aproxima do sentido que o verbo tinha no latim. Por outro lado, na abonação «plasmou-se na figura materna» não nos parece possível identificar um sentido figurado, em que o verbo plasmar-se adquire um sentido de formação moral.
A partir destas duas abonações, talvez possamos concluir que os falantes estão a recriar os sentidos do verbo plasmar, a um ritmo ainda não totalmente absorvido pelos dicionários, e, eventualmente, transitórios.
Todavia, esses sentidos não são todos inovadores e, por vezes, retomam mesmo sentidos mais antigos do verbo. Se analisarmos o excerto do que é dito no verbete «plasm(at», veremos que o sentido de criar que propomos para a abonação «Aquela civilização plasmou homens de grande têmpera.», não é inovadora.
Dito isto, parece-nos que o verbo plasmar está a incluir novos sentidos. O que, a nosso ver, acontece no exemplo em apreço, que repetimos como (1):
(1) …o regime que está PLASMADO na Constituição em 76.
Analisando o exemplo cremos que é possível atribuir-lhe o sentido de «inscrito/registado»:
(1.1) …o regime que está inscrito (ou registado) na Constituição em 76.
Analisando alguns exemplos extraídos, como já referimos, do Cetempúblico, parece-nos possível identificar outros sentidos atribuídos ao verbo plasmar:
a) IMITAR/TRANSMITIR «É também o único filme que consegue plasmar a Paixão de Cristo.»
b) PROJETAR/IDENTIFICAR/TRANSMITIR «A partitura é uma forma de plasmar uma ideia, não a própria ideia.»
c) REGISTAR «É tudo isso que eu gostaria de plasmar no papel.»
A ideia central que nos parece importante na análise efetuada é a de que os falantes, no uso que fazem da língua, impõem sentidos novos às palavras, sentidos esses que, a pouco e pouco, vão sendo incorporados nos dicionários, ou vão desaparecendo.