Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os dicionários fazem sempre menção da existência das duas formas registar e registRar em português de Portugal ou em português do Brasil.

Do ponto de vista da norma portuguesa europeia, será que é a forma registar que é correta (e, em tal caso, a forma registrar seria considerada incorrecta)? Ou são ambas corretas?

No caso onde não seria uma questão de norma, pode-se confirmar que a forma registar é a forma mais usual em português europeu?

Muito obrigado pela sua ajuda.

Resposta:

Ambas as formas estão corretas se tomarmos em consideração o conjunto da língua portuguesa. Contudo, levanta-se a questão de saber se elas são adequadas em todos os países de língua portuguesa. Esta é uma questão que, não sendo estritamente normativa, pode suscitar outras e confunde-se com a do critério de correção linguística.

Em Portugal, entre falantes de português europeu, usa-se registar, e é estranho empregar na oralidade ou na escrita a forma registrar. A situação será inversa no Brasil. No outros países, parece haver alguma fluidez: por exemplo, em Angola poderá haver preferência pelo padrão de Portugal, enquanto em Cabo Verde há indícios de grande influência do português do Brasil.

Por outras palavras, pode afirmar-se que a forma registar é a típica do português europeu, e, portanto, se num texto escrito nesta variedade, ocorrer a forma com r, registrar, gera-se uma situação que, não podendo classificar-se de erro, configura uma desadequação que na prática redunda numa incorreção. Com efeito, por enquanto, não é desejável misturar variedades do português num mesmo discurso ou no mesmo texto.

O que foi dito pode encontrar algumas contraprovas: na oralidade, há muitos portugueses, falantes nativos de português europeu, que informalmente adotam formas do português do Brasil, às vezes por imitação deliberada ou gosto, outras vezes inconscientemente. É frequente que estes usos correspondam a modismos que podem ou não enraizar-se no padrão lusitano, e isto acontece frequentemente com frases fixas (ex., «fim da picada»).

Mesmo assim, quando se trata da língua formal, entre falantes nativos da variedade europeia de português, a tendência é preferir ou recomendar formas, palavras e construções típicas do português de Portugal.

Pergunta:

Ao escrever, saiu-me uma palavra que eu sempre usei: "reconchegar". O Word não a reconheceu, no entanto.

Foi então que consultei dicionários e não a encontrei, não obstante ela ter feito parte de toda a minha vida. Fui encontrá-la apenas aqui no Dicionário Estraviz. De seguida, lembrei-me que reaconchegar é também palavra que eu já usara, mas também esta não é consagrada em dicionário algum (embora, morfologicamente me parece bem construída, com o prefixo re + aconchegar).

Assim, a pergunta: existem ou não essas palavras?

Obrigado.

Resposta:

As palavras em causa existem, como o consulente acaba por demonstrar.

Os dicionários não abrangem todas as palavras. No caso de reachonchegar, compreende-se que não haja registo, porque nem todos os derivados com o prefixo re-, com o significado geral de «repetição», encontram entrada nos dicionários. Por exemplo, é possível e correto o uso de recozinhar, derivado que parece não ter registo dicionarístico.

Quanto a reconchegar, interessaria saber onde o aprendeu e em que contexto o usa. De qualquer modo, é palavra correta e, pelo menos, atestado no Dicionário Estraviz, que é um dicionário feito por um lexicógrafo galego mas que não deixa de ser um dicionário de português integrando formas galegas. Segundo esta fonte, reconchegar tem os seguintes significados: «Reunir, juntar cousas que estão dispersas» e «unir pessoas separadas».

Pergunta:

Essa ideologia tem grafia escrita com hífen, tudo junto ("deleonismo") ou separada por espaço ("de leonismo")?

Resposta:

Há duas possibilidades, formadas com base no modelo do apelido (sobrenome) francês De Gaulle, que dá degaullismo e gaullismo:

deleonismo

leonismo.

Ao que parece, nos textos que em português, na Internet, se referem a essa doutrina, prefere-se deleonismo.

Não se recomenda "de-leonismo".

Pergunta:

As expressões «primos paralelos» (filhos de irmãos do mesmo sexo) e «primos cruzados» (filhos de irmãos de sexos diferentes) são usadas em português europeu?

Muito obrigada.

Resposta:

Não são expressões correntes.

No entanto, são usadas em contextos especializados – por exemplo nesta frase que explica sinteticamente o que significam:

«A experiência social levou os antropólogos a distinguir os primos paralelos (relação entre filhos de irmãos de mesmo sexo) dos primos cruzados (relação entre filhos de irmãos de sexo diferente).» (Armindo dos Santos, "Particularidades do parentesco português: A memória do nome de família feminino e a sua outorga aos filhos", Revista Filosófica de Coimbra, n.º 34, 2008, p. 532)

Pergunta:

Gostava de saber qual o significado da expressão/provérbio: «Quanto mais prima, mais se lhe arrima.»

Obrigado.

Resposta:

É um dito, hoje controverso, que pode parafrasear-se assim: «o parentesco entre homem e mulher não inibem o desejo e os avanços sexuais (do homem)».

Tem registo, por exemplo, nas seguintes fontes:

– José Ricardo Marques da Costa, O Livro dos Provérbios Portugueses, Lisboa, Editorial Presença, 2004.

– Manuel Madeira Grilo, Dicionário de Provérbios, Município de Pinhel e Madeira Grilo, 2009.

– Maria Alice Moreira dos Santos, Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, Porto: Porto Editora, 2000.