Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os dicionários da Priberam e da Infopédia registam pretérito como adjetivo, no sentido de «passado». Como nome é só o tempo verbal. Já o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista o nome pretérito com o sentido de «passado».

Posso usar pretérito como nome?

Um exemplo: «O pretérito era duro, não havia muito do que há nos nossos dias.»

Resposta:

Pretérito pode ser usado como nome e é, portanto, sinónimo de passado, ainda que se trate de uso menos corrente, fora do que ocorre quando se fala da classificação dos tempos da conjugação verbal:

(1) «Tão longa foi a sua penitência de lágrimas, que só à beira da meia-noite seus olhos voltaram a secar. Manteve-se-lhe a mesma serenidade, até mais acentuada, como se nada tivesse pensado e vivido até esse momento. Porém, num ápice, o pretérito, numa desfilada nítida e impressionante, voltou a apresentar-se-lhe. (António Guedes de Amorim, A Máscara e o Destino, 1944, em Corpus do Português).

Pergunta:

Sempre pensei que, em Portugal, se escrevesse sempre descolonizar e não "decolonizar". No entanto, acabo de deparar com uma obra intitulada Decolonizar o Museu, publicada pela Orfeu Negro.

Como se trata de uma boa editora, questiono-me se também se poderá escrever "decolonizar".

Obrigado.

Resposta:

Ao que sabemos, em certas áreas académicas e em certos países – por exemplo, no Brasil –, usa-se o adjetivo decolonial a par do verbo decolonizar, e estas formas não significam exatamente o mesmo que descolonizar.

Dicionário Priberam regista decolonizar como brasileirismo e variante de descolonizar, forma que não deixa de ser usada no Brasil e parece até mais corrente. Mas assinale-se que no Brasil há formas em que se prefere de- em lugar de des-, como regista o Dicionário Houaiss: descodificar/decodificar; descolar/decolar.

Mas uma pesquisa Google permite apurar que decolonizar é uma forma que, em certos meios académicos, tem validade, não exatamente como sinónimo de descolonizar. Por exemplo:

(1) «O termo decolonialismo – ou decolonialidade – significa o conjunto de práticas, conceitos, pesquisas e estudos que tentam diminuir, e até reverter, os efeitos da colonização nas sociedades em que este processo histórico ocorreu. Decolonialismo é diferente de descolonização. Enquanto a descolonização se refere às lutas das colônias africanas, asiáticas e latino-americanas para se tornarem independentes das respectivas metrópoles, o decolonialismo tem como princípio que a independência política não acabou com instituições, hábitos e práticas coloniais.» (Alexandre Barbosa, "O que é decolonialismo?

Pergunta:

Ando a aprender o tema das horas e dos horários em português europeu e, até agora, tudo estava claro para mim relativamente a expressões como «à uma hora / às duas horas / ao meio-dia / à meia-noite».

No entanto, comecei a pensar em outros exemplos em que o número de minutos é superior a 30. Quando respondemos simplesmente à pergunta «Que horas são?», podemos usar as frases como:

1) É um quarto para as dez. (09.45)

2) São dez para as três. / São três menos dez. (14.50)

3) É um minuto para as quatro. / São quatro menos um minuto (15.59)

E por aí fora.

A minha dúvida é: que preposição devo usar (contraída ou não) quando quero dizer que algo acontece a essas horas?

Num vídeo no YouTube vi um exemplo tipo "à um quarto para as dez", mas em outra fonte para os aprendentes de português europeu responderam-me que a forma correta é «a um quarto para as dez».

Sendo assim, queria pedir a vossa ajuda e explicação para entender a regra.

Além disso, foi-me dito que, nos exemplos como 2 e 3, a contração da preposição vai depender da presença ou ausência da palavra minuto(s). Por exemplo:

2) às dez para as três / a dez minutos para as três.

3) à um para as quatro / a um minuto para as quatro.

Esta explicação está correta? Se sim, os falantes nativos usam estas expressões no dia a dia ou optam por opções «às três menos dez» (exemplo 2) e «às quatro menos um minuto» (exemplo 3).

Muito obrigada, desde já, pela vossa explicação!

Resposta:

Depois da meia hora, no registo corrente em Portugal, existem duas maneiras de indicar os minutos que faltam para a hora:

A. [minutos] para [hora]

(1) são dez para as três

(2) é um quarto para as três

Quando se indica a hora de um encontro ou de qualquer realização, usa-se a preposição a do seguinte modo:

(3) o concerto começa às dez para as três

(4) o concerto começa a um quarto para três.

Em (4), note-se que se diz e escreve a, e não à, forma que é impossível com quarto, nome masculino]

B. [hora] menos [minutos]

(5) são três menos dez

(6) são três menos um quarto

Quando se emprega a preposição a, obtém-se:

(7) O concerto começa às três menos dez.

(8) O concerto começa às três menos um quarto.

 

Uma <i>assentada</i> pelo clima
Neologia e aeroportos

O dia 1 de junho de 2025 foi com certeza assinalado no Porto por mil e um acontecimentos e incidentes, mas um deles proporcionou a ocasião para um uso que parece relativamente recente: o de uma assentada, protesto que o grupo ativista Climáximo organizou  junto do Aeroporto Sá Carneiro, nos arredores da Cidade Invicta. O consultor Carlos Rocha comenta este neologismo semântico.

Pergunta:

«Quase todos os camaradas da sua classe passaram o exame na escola Morais, em...»

«Passaram o exame» ou «passaram no exame»?

Resposta:

A forma mais correta é «passar no exame», conforme se regista no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa:

«ir a exame; apresentar-se a exame; fazer exame; preparar-se para o exame; estudar para o exame; ficar aprovado no exame; ficar reprovado no exame; passar no exame; chumbar no exame»

A frase mais correta é, portanto, «Quase todos os camaradas da sua classe passaram no exame na escola Morais».

No entanto, não é de todo impossível dizer ou escrever «passar o exame», assim como se diz e escreve «passar a ponte».