Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como a seguinte oração intercalada é classificada sintaticamente e a classificação da palavra como nesse contexto:

«Os verbos de elocução – como murmurar, perguntar, responder, exclamar, entre muitos outros – são usados para indicar aspectos das falas das personagens.»

Obrigada!

Resposta:

No seu Manual de análise léxica e sintáticaJosé Oiticica identifica um grupo de palavras que não se enquadram nas 10 classes gramaticais tradicionais* (substantivo, adjetivo, artigo, pronome, numeral, verbo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição). A esse conjunto ele chama de «palavras (e locuções) denotativas», as quais têm diferentes matizes semânticos e discursivos. Na página 34 desse manual, é encontrada a resposta à pergunta da consulente, em que como equivale discursivamente a «por exemplo».

Diz o autor: «EXPLICATIVAS: como, a saber, por exemplo, em frases como: eram cinco, a saber: Pedro, Paulo...; são palavras simples, como: pé, mão, etc.; os coleópteros, por exemplo, tem metamorfoses completas; ...». Em nota, na mesma página, diz o autor que esses conectivos não podem ser tomados como conjunções, pois não exercem esse papel, de modo que «introduzem apenas uma enumeração, como os dois pontos».

Assim, na frase «Os verbos de elocução – como (= por exemplo) murmurar, perguntar, responder, exclamar, entre muitos outros – são usados para indicar aspectos das falas das personagens», o trecho entre travessões é um aposto explicativo introduzido por uma palavra denotativa de explicação (como), a qual introduz uma enumeração explicativa.

Note que não se pode tomar por oração o segmento «como murmurar, perguntar, responder, exclamar, entre outros», porquanto os verbos no infinitivo que compõem o trecho estão em sua forma nominal, com função substantiva, empregados genericamente, de maneira que não c...

Pergunta:

«Ela tem olhos brilhantes feitos o Rei Sol.»

Dúvida: na frase apresentada está correto o uso de feitos relacionando olhos brilhantes e o sol?

Obrigada.

Resposta:

Certos vocábulos da língua portuguesa sofrem um processo chamado gramaticalização, que diz respeito à transformação de uma palavra potencialmente passível de sofrer flexões, como um verbo, numa palavra gramatical, ou seja, numa palavra que perde sua potência flexional. Existem muitos exemplos de gramaticalização na língua portuguesa.

No caso em apreço, a forma verbal de particípio (feito; ex.: «O prato foi feito com cuidado»; «Ela havia feito os exercícios»; «Feitas as ressalvas, todos concordaram com ela») se transforma numa conjunção comparativa equivalente a como ou «assim como», portanto se torna invariável, isto é, não passível de flexão, o que torna errado o uso de feitos.

Assim, a forma correta é esta:

– Ela tem olhos brilhantes feito o Rei Sol.

= Ela tem olhos brilhantes como o Rei Sol.

Ainda vale dizer que a oração «feito/como o Rei Sol» tem, como é costumeiro em construções comparativas, um verbo subentendido:

– Ela tem olhos brilhantes feito/como o Rei Sol tem.

Em suma, nesse contexto frasal, o feito deixou de ser um verbo no particípio para assumir o estado de conjunção comparativa. No português brasileiro, esse emprego é muito comum – tão comum a ponto de o gramático normativo tradicional Domingos Paschoal Cegalla registrá-lo em sua Novíssima Gramática da Língua Portuguesa", no rol de conjunções comparativas.

Sempre às ordens!
Colocação pronominal:<br> português do Brasil x português europeu
Convergência e divergência das duas normas-padrão

«Todos sabemos que, na modalidade FALADA da língua portuguesa, há fortes diferenças entre a colocação pronominal brasileira, que privilegia a próclise («Te amo«), e a colocação pronominal lusitana, que privilegia a ênclise («Amo-te»). [...] No entanto, o objetivo desta postagem se centra na modalidade ESCRITA formal, que consubstancia a língua nos diferentes territórios. E, nesse contexto, qual é o verdadeiro grau dessa diferença entre as normas?»

Sobre o contraste entre a norma brasileira e a norma de Portugal quanto â colocação dos pronomes átonos, transcreve-se com a devida vénia o apontamento que o gramático brasileiro Fernando Pestana dedicou ao tema no seu mural no Facebook em 14 de abril de 2025.

Pergunta:

Gostaria de saber se é apropriado o uso do subjuntivo na frase abaixo, isto é, quanto à utilização da palavra desenvolvessem:

«Havia diferentes formas de intervenção, e, na maioria dos casos, os presidentes não agiam ao arrepio da lei, mesmo quando desenvolvessem uma atuação nitidamente partidária, que era a que se manifestava nas nomeações e demissões de autoridades locais importantes, como delegados e subdelegados, nas proximidades dos pleitos.»

Grato!

Resposta:

O conceito de correlação verbal trata da harmonia de sentido existente entre os tempos e modos verbais correlacionados numa frase.

Na frase trazida pelo consulente, é preciso notar que todos os verbos estão no modo indicativo, no tempo pretérito imperfeito, portanto dentro do campo da certeza, da factualidade:

«Havia diferentes formas de intervenção, e, na maioria dos casos, os presidentes não agiam ao arrepio da lei, mesmo quando desenvolvessem uma atuação nitidamente partidária, que era a que se manifestava nas nomeações e demissões de autoridades locais importantes, como delegados e subdelegados, nas proximidades dos pleitos.»

Assim, nada justifica o uso do subjuntivo, com valor hipotético, pois geraria uma desconformidade modo-temporal com os demais verbos, de maneira que, no lugar de "desenvolvessem", se deveria usar desenvolviam.

<i>Facto</i> ou <i>fato</i>? <i>Registo</i> ou <i>registro</i>?
Um breve diálogo (real) sobre a língua

«Cada norma linguística (seja no português, seja no espanhol, seja no inglês, seja no francês) tem as suas peculiaridades, pelo que, quanto mais estudamos a língua, menos sobranceiros e mais compreensivos ficamos» – sublinha o gramático Fernando Pestana a respeito do vezo de certos falantes de português de rejeitarem formas corretas e gramaticais, mas diversas da variedade materna. Texto que o autor publicou na sua página de Facebook em 2 de abril de 2025 e que se partilha com a devida vénia.