Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a classe gramatical e a função sintática de chega na seguinte frase:

(2) «Chega mudei de cor.»

O chega da frase parece-me um regionalismo do Nordeste do Brasil e serve também para intensificar o sentido da frase.

Agradeço todos os esclarecimentos que puderem me oferecer.

Resposta:

Na construção coloquial «Chega mudei de cor», parece haver um processo de gramaticalização, em que a palavra lexical (o verbo chegar) passa a palavra gramatical , equivalente a um intensificador, a um advérbio ou a uma palavra denotativa de realce/ênfase, segundo a tradição gramatical brasileira: «Até mudei de cor.» Se se analisar como advérbio, funcionará sintaticamente como adjunto adverbial.

No entanto, essa construção não é nada simples de explicar, pelo que sugerimos as diferentes perspectivas de análise nestes estudos: 

1. https://share.google/jsFsklaTX1s2X1eRC

2. https://share.google/2WSNv5ZIiEVHNAXnL

3.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a classe gramatical e a função sintática da palavra horrores na seguinte frase:

«Caminhamos horrores.»

Apenas para esclarecer o sentido, vejo a frase sendo usada para indicar que se caminhou muito, bastante, em demasia. 

Agradeço todos os esclarecimentos que puderem me oferecer.

 

Resposta:

Muito empregado em registro coloquial/informal, o uso do substantivo plural horrores ligado a um verbo o faz mudar de classe gramatical, passando a advérbio de intensidade: «Caminhamos horrores» = «Caminhamos muito/bastante/demais». Assim, horrores é, sintaticamente, um adjunto adverbial.

O nome desse fenômeno morfológico é, na tradição gramatical brasileira, "derivação imprópria" ou "conversão". Isso se dá quando um vocábulo muda de classificação morfológica a depender do contexto morfossintático em que se encontra.

Em seu livro Que gramática estudar na escola?, a linguista Maria Helena de Moura Neves sugere a mesma análise. Ademais, sugiro este artigo presente no Google Acadêmico: Letícia Freitas Nunes, "Intensificamos horrores... e a escola pode mostrar isso!", em Marcia dos Santos Machado Vieira (org.), Ensino de português: predicar em (con)texto, pp. 179-190.

Sempre às ordens!

Pergunta:

Quero parabenizar o site.

Recorro a vocês para encontrar uma resposta que não encontrei em nenhum outro lugar na rede. É sobre alguns fenômenos linguísticos que tenho observado e para os quais não encontrei definição ou nome. São casos em que a regra sintática é quebrada com um propósito. Não são meramente erros.

Na frase «Ele correu pegar a bola», o verbo correr assume uma transitividade que não lhe é própria. Um fenômeno parecido ocorre com «Vá ao quarto correndinho buscar meu telefone», em que o verbo no gerúndio recebe um diminutivo. Claro que as duas frases quebram normas gramaticais, mas não são meros erros, elas têm um propósito, atribuem uma expressividade à construção.

Gostaria de saber se há figuras de linguagem em que esses dois fenômenos possam ser enquadrados. Inclusive, gostaria de saber se há mais exemplos desse mesmo fenômeno.

Obrigado.

Resposta:

Sobre a primeira frase («Ele correu pegar a bola»), o verbo correr não muda de transitividade. A figura de linguagem presente nessa construção é a elipse da preposição para, indicativa de finalidade: «Ele correu para pegar a bola.» Existem vários exemplos no Corpus do Português em linguagem luso-brasileira (literária, jornalística, oral) desse uso: correr + verbo no infinitivo. Em todos se percebe a mesma elipse.

No entanto, caso seja um uso regional, que desconhecemos, talvez se possa aventar a possibilidade de enálage (confira a sua definição aqui), em que o verbo correr, intransitivo, passa a auxiliar, à semelhança de ir, mantendo-se o valor semântico básico de movimento/direção: «Ele correu (foi) pegar a bola.»

Acerca do diminutivo no gerúndio («Vá ao quarto correndinho buscar meu telefone»), não parece haver uma figura de linguagem específica, mas talvez se possa justificar tal uso alegando-se eufemismo, figura que consiste em suavizar, amenizar uma ideia.

Afinal, o uso de correndinho parece suavizar o sentido do verbo correr, sugerindo uma ação rápida, mas realizada com leveza e delicadeza. Esse diminutivo atenua o tom do imperativo, tornando o pedido mais gentil, talvez até afetuoso, em contraste com a rigidez de uma ordem direta como «Vá correndo!».

Certamente há outros exemplos com o sufixo -inho ligado a verbo e a outras classes gramaticais, nos quais cada uso pode corresponder a um efeito de sentido diferente:

– Hoje cedo estava chovendinho aqui.
– Veja como ele está todo dormindinho

Mestre Evanildo Bechara. 97 anos.
22/05/2025 – uma data imortal

 «O que mais me impactou [...] foi o seu jeito de ser, sua candura, seu humor refinado – sempre aquele sorriso no rosto» – recorda o gramático Fernando Pestana acerca do seu primeiro encontro com Evanildo Bechara (1928-2025), cuja figura e obra são aqui evocadas. Apontamento que o autor publicou no seu mural de Facebook em 23 de maio de 2025.

 

Pergunta:

A palavra pão tem aumentativo? Qual ?

A palavra rua tem aumentativo? Qual?

Toda palavra tem aumentativo?

Obrigado.

Resposta:

Existem duas formas* (analítica e sintética) de fazer o grau aumentativo de um substantivo.

A forma analítica se dá normalmente com a presença de um adjetivo: «pão grande», «rua grande».

Já na forma sintética, o falante se vale de afixos (prefixos ou, mais frequentemente, sufixos): superpão, hiper-rua (obviamente neologismos); pãozão, ruona/ruazona.

Provavelmente o consulente deseja saber o grau aumentativo sintético dos substantivos pão e rua.

No caso dos masculinos, usa-se com extrema produtividade no vernáculo o sufixo ão. Logo, pão + ão = pãozão (o z é apenas uma consoante de ligação para favorecer a eufonia). Esse aumentativo está previsto no Dicionário Porto Editora, sem ressalvas quanto ao nível de formalidade.

No caso dos substantivos femininos, usa-se com extrema produtividade no vernáculo o sufixo -on. Logo, rua + ona = ruona ou ruazona (o z é apenas uma consoante de ligação para favorecer a eufonia). Esse aumentativo também está previsto no Dicionário Porto Editora, sem ressalvas quanto ao nível de formalidade.

A despeito de a linguagem popular ou literária criar neologismos inusitados nesse contexto, o fato é que, no registro formal da língua portuguesa, nem todos os substantivos têm grau aumentativo sintético, como os abstratos (solenidade > "solenidadezona"?), os não contáveis (areia > "areiona"? "areiazona"?), os que já expressam naturalmente gr...