«O professor português José Manuel Diogo, do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), analisa como a língua portuguesa vai mudar por influência do Brasil.»
O professor português José Manuel Diogo, que vive entre os dois lados do oceano, explica ao DN Brasil como vê a influência do português do Brasil em Portugal.
Como vê o movimento de o português do Brasil ser falado também em Portugal hoje?
Existe hoje uma contaminação do português de Portugal pelo português do Brasil. Hoje, com o movimento migratório sistematizado, legislado entre Portugal e o Brasil — Portugal não pode esperar ter 700, 800 mil falantes de outras variantes de português, jovens, de população ativa — e que tudo continue na mesma. É a população ativa que muda as coisas, não a população que já não é ativa, nem os reformados. O Governo de Portugal não cuidou disso, e eu acho que está em tempo de cuidar. Portugal precisa de se preparar para quem cuida dos seus avós, quem investe nos seus projetos, quem ensina na faculdade, quem ensina os seus filhos na escola, que são também brasileiros.
Há uma mistura social com o português que não existe com outras línguas. Era preciso que essas diferenças não se transformem em obstáculos, mas tenham proximidade — até em sentido de humor, mas que seja entendido por todos. Neste Dia Mundial da Língua Portuguesa, é preciso entender que língua vai mudar em Portugal. E é em Portugal que a língua vai mudar, não é no Brasil.
Mas a língua vai mudar?
A língua vai mudar, a língua está a mudar e está a mudar desde que começaram a passar a novela Gabriela Cravo e Canela em 1975. Está a mudar a partir da altura em que o Diogo Morgado, grande ator português [radicado no Brasil], fala “meu” com o sotaque do Brasil. Hoje Portugal, a minoria, tem o soft power próprio da minoria, e aí Portugal é expert. Portugal foi considerado a maior império do mundo, quando tinha um milhão e meio de habitantes. Então, por quê? Porque “a gente é bom de soft power”. Mas isso só não chega, é preciso entender que os brasileiros que estão indo morar em Portugal são brasileiros com uma cultura própria, com um sentido de humor próprio, com um enquadramento histórico próprio e muito diverso, porque o Brasil é muito diverso e com muitas influências que já não são só portuguesas. É preciso explicar aos portugueses que um imigrante em Portugal é uma coisa boa.
Como Portugal deveria se preparar para estas mudanças?
Portugal deveria criar um “kit cultural” — com referências e aulas sobre as diferenças linguísticas — para orientar os brasileiros que desejam morar no país. E esse material poderia ser apresentado por brasileiros já residentes em Portugal, especialmente intelectuais com vivência concreta dessa transição. É importante comunicar: a nossa língua está mudando. E queremos acolher as expressões que vêm do Brasil — muitas vezes por meio da internet, entre jovens ainda em processo educacional — mas também mostrar o valor do português europeu. Ensinar que "giro" significa "legal", que "casa de banho" é o mesmo que "banheiro", que "frigorífico" é "geladeira", que em Portugal um “esquentador” aquece água e no Brasil um “aquecedor” esquenta água. São diferenças pequenas, mas que podem gerar tensões se não forem cuidadas — e extremismos, se não forem compreendidas com empatia.
O que você pensa sobre a classificação de “português” e “brasileiro” no idioma?
Isso não é bom para ninguém, é impeditivo de muita coisa, e até um retrocesso civilizatório, como tornar o português uma língua oficial da ONU? Eu faço a pergunta. Qual seria a chance de o brasileiro ser língua oficial das Nações Unidas? Nunca, tem que ser o português, mas o português só será língua oficial das Nações Unidas por causa do Brasil, claro. A gente deve parar de se preocupar com a forma e passar a se preocupar com o conteúdo, e com a influência que isso pode trazer.
Entrevista incluída no DN Brasil em 5 de maio de 2025, aqui transcrita com a devida vénia.