Sobre a primeira frase («Ele correu pegar a bola»), o verbo correr não muda de transitividade. A figura de linguagem presente nessa construção é a elipse da preposição para, indicativa de finalidade: «Ele correu para pegar a bola.» Existem vários exemplos no Corpus do Português em linguagem luso-brasileira (literária, jornalística, oral) desse uso: correr + verbo no infinitivo. Em todos se percebe a mesma elipse.
No entanto, caso seja um uso regional, que desconhecemos, talvez se possa aventar a possibilidade de enálage (confira a sua definição aqui), em que o verbo correr, intransitivo, passa a auxiliar, à semelhança de ir, mantendo-se o valor semântico básico de movimento/direção: «Ele correu (foi) pegar a bola.»
Acerca do diminutivo no gerúndio («Vá ao quarto correndinho buscar meu telefone»), não parece haver uma figura de linguagem específica, mas talvez se possa justificar tal uso alegando-se eufemismo, figura que consiste em suavizar, amenizar uma ideia.
Afinal, o uso de correndinho parece suavizar o sentido do verbo correr, sugerindo uma ação rápida, mas realizada com leveza e delicadeza. Esse diminutivo atenua o tom do imperativo, tornando o pedido mais gentil, talvez até afetuoso, em contraste com a rigidez de uma ordem direta como «Vá correndo!».
Certamente há outros exemplos com o sufixo -inho ligado a verbo e a outras classes gramaticais, nos quais cada uso pode corresponder a um efeito de sentido diferente:
– Hoje cedo estava chovendinho aqui.
– Veja como ele está todo dormindinho.
– Vocês estão namorandinho, né?
Esse fenômeno do diminutivo do gerúndio não é uma modinha atual das redes sociais.
No conjunto de textos intitulado "O nosso cancioneiro" (1874), o grande literato cearense José de Alencar escreve o seguinte:
«Usa-se no Ceará um gracioso e especial diminutivo, que talvez seja empregado em outras províncias; mas com certeza se há de generalizar, apenas se vulgarize.
Não permite certamente a rotina etimológica aplicar o diminutivo ao verbo. Pois em minha província o povo teve a lembrança de sujeitar o particípio presente a esta fórmula gramatical, e criou de tal sorte uma expressão cheia de encanto.
A mãe diz do filho que acalentou ao colo: "Está 'dormindinho'". Que riqueza de expressão nesta frase tão simples e concisa! O mimo e ternura do afeto materno, a delicadeza da criança e sutileza do seu sono de passarinho, até o receio de acordá-la com uma palavra menos doce; tudo aí está nesse diminutivo verbal." (p. 26-27)
Sim, o uso do sufixo diminutivo -inho é extremamente produtivo, ligando-se a muitas classes gramaticais diferentes do substantivo, para atribuir às palavras algum valor estilístico (mulherzinha, agorinha, pequenininho, unzinho, aquelezinho, tchauzinho, etc.). Ligado ao verbo no gerúndio, é um dos fenômenos linguísticos mais graciosos do português brasileiro. Porém, atenção!
Na p. 385 do livro História da Gramática no Brasil: séculos XVI a XIX, registra Ricardo Cavaliere:
«Sobre o tema, Manuel de Melo (1834-1884), em uma de suas Notas lexicológicas (1880, p. 34) põe em xeque a caracterização do gerúndio diminutivo como brasileirismo, já que, a seu juízo, a sequência fônica nhi traduz a noção de afeto e ternura em outras línguas românicas, escudando-se, para tanto, nas informações do gramático Juan Saco Arce (1835-1881), o qual atesta que no galego 'pueden formarse también como en castellano diminutivos de los particípios, como es el ya citado de feito; de gerundios alguna vez, como em ven correndiño, ven corriendo' (1868, p. 49). Ao que parece, portanto, a construção que Alencar ouviu no Ceará resulta de uma herança ibérica...»
Sempre às ordens!