Sara Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Leite
Sara Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora
Precariedade... por mais que haja quem a ponha em causa

«Baseado nas fontes por mim adoptadas (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, no S.O.S. Língua Portuguesa, da autoria de Sandra Duarte Tavares e Sara de Almeida Leite) escreveu o provedor do jornal “Público”, na edição do dia 24/08 –, malogrei na convicção de que a forma correcta era “precariedade”. Afinal, as duas formas são admitidas.»

Pergunta:

No livro didáctico Português sem Fronteiras II (COIMBRA, Isabel; Coimbra, Olga Mata, 65), há uma frase em que se diz: «Por isso tem de se telefonar para se saber a que dias é que há espectáculo.»

Gostava de saber se o primeiro se desta frase é partícula apassivante, ou símbolo de indeterminação do sujeito.

Se este se for apassivante, onde está o sujeito da frase?

Ou será que o verbo telefonar pode ser considerado como intransitivo e o se constitui então um símbolo de indeterminação?

Agradeço pela ajuda!

Resposta:

Na oração «tem de se telefonar», o se é pronome clítico que exprime o sujeito indeterminado (cf. Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 445), pois o se representa o agente de telefonar (alguém que tem de telefonar).

Não se trata de partícula apassivante, pois não exerce funções de complemento agente da passiva. Se assim fosse, seria possível a estrutura passiva “alguém é telefonado”. Quando o se é partícula apassivante, o sujeito vem normalmente a seguir ao verbo. Por exemplo: «dão-se cãezinhos», «fazem-se chaves», «vendem-se terrenos», etc.

Telefonar é considerado um verbo tanto transitivo como intransitivo.

É um prazer ajudar!

Pergunta:

Perante a resolução de uma ficha de trabalho de um manual fiquei com dúvidas perante os seguintes tempos verbais: «ter sonhado»/«havia sonhado»/«estava sonhando»/«ter estado».

No 1.º caso, «ter sonhado» e «havia sonhado», há alguma razão especial para escolher o auxiliar ter ou o haver?

Como classifico estas formas verbais? São tempos compostos? «Ter sonhado» – está no infinitivo pessoal composto? (Não faço referência ao tempo e ao modo!? – é uma forma não finita). 

Também não sei muito bem explicar esta nova terminologia. 

«Havia sonhado» – pretérito mais-que-perfeito composto/modo indicativo?!

«Estava sonhando» – ?

«Ter estado» – ?

Resposta:

Respondo pela mesma ordem:

1. A escolha entre os auxiliares ter/haver nos tempos compostos prende-se sobretudo com o tipo de registo utilizado. Nos registos menos formais (familiar, corrente) emprega-se o auxiliar tertinha sonhado»); nos registos mais formais (cuidado, literário) pode optar-se pelo verbo haverhavia sonhado»), que no entanto parece estar a cair em desuso – como os próprios registos a que corresponde, infelizmente!

2. «Ter sonhado» é forma do infinitivo composto. Se é impessoal ou pessoal, depende do contexto, pois pode não estar associado a uma pessoa (impessoal), por exemplo na frase «ter sonhado é melhor do que não sonhar nunca»; ou corresponder à 1.ª ou 3.ª pessoa do singular (pessoal), por exemplo na frase «o facto de eu ter sonhado não significa que me lembre do sonho». Não se trata de nova terminologia, tanto quanto sei.

3. «Havia sonhado» é o pretérito mais-que-perfeito composto do modo indicativo, como refere. Corresponde à forma simples sonhara.

4. «Estava sonhando» – neste caso não temos um tempo composto, mas um complexo verbal de valor aspetual1.

5. «Ter estado» – aqui aplica-se a explicação dada no ponto 2, a propósito de «ter sonhado».

1 A gramática tradicional, na categoria do aspeto, chama a este tipo de construção verbal de «perífrase durativa», ou seja, a «perífrase de estar + gerúndio (ou infinitivo precedido da preposição ...

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra ortotipografia existe em português. Refere-se à combinação das regras ortográficas e tipográficas e, no universo do design gráfico e editorial, faz já parte da gíria profissional. Procurei em vários dicionários e não obtive resultados, a não ser noutras línguas, como o espanhol. Martinez de Sousa, por exemplo, define ortotipografía como um conjunto de regras estéticas e de escrita tipográfica que se aplicam à apresentação dos elementos gráficos.

Resposta:

A palavra parece-me bem formada e por isso perfeitamente aceitável. Porém, na medida em que faz parte do vocabulário técnico-científico próprio de uma área profissional (o design gráfico e editorial), é natural que não conste dos dicionários gerais da língua portuguesa.

Nota: Repare-se que existem duas palavras formadas de forma semelhante: fototipografia ou fotipia (= «Reprodução de trabalhos tipográficos por meio de fotografia») e litotipografia [(«lito- + tipografia), "arte de reproduzir, por meio da pedra litográfica, um impresso em caracteres tipográficos ordinários"»], registadas em vários dicionários, assim como no Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC, e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora.

Pergunta:

Pode dizer-me, por favor, como pronunciar corretamente as palavras maiúscula e maioria? Deve-se fazê-lo abrindo a vogal a, ou não?

E no caso de letivo, será correto pronunciar como se de um e fechado se tratasse?

Eu digo economia, mas, por vezes, ouço "ecònomia"; qual das duas pronúncias é a correta?

Resposta:

Nos dialetos setentrionais em geral, diria que há tendência para abrir mais as vogais átonas de maiúscula e maioria do que nos dialetos centro-meridionais e, portanto, na variedade-padrão do português europeu. O que é correto, em termos de pronúncia, portanto, depende do dialeto ou da variedade linguística que pretendemos utilizar, tendo em conta cada situação de comunicação. Um falante que pretenda usar adequadamente a variedade-padrão deve, portanto, pronunciar as palavras maiúscula e maioria com o a inicial semifechado (como o de abrir).

Porém, acresce que a pronúncia tida como padrão, que supostamente será a utilizada pela camada "culta" da população, é por vezes bastante difícil de determinar (por exemplo, os intervenientes na comunicação social, que tanta influência exercem hoje sobre a generalidade dos falantes, serão todos cultos?) e difícil de verificar (por falta de instrumentos de consulta fiáveis e exaustivos), além de que está sujeita à mudança no tempo.

Em todo o caso, parece-me que o [e] de letivo deve ser aberto (independentemente de a consoante muda que se lhe segue ter sido suprimida com o novo Acordo Ortográfico) e economia tem um primeiro [o] aberto na maior parte dos dialetos do português europeu.