Na imagem ao lado, referente a um equipamento dos CTT, lê-se «hora de corte», que me parece ser o mesmo que «hora de recolha de correio» ou «hora de fecho». Porquê corte? Gíria, ou jargão, que se tornou termo corrente?
A expressão tem uso atestado por algumas ocorrências em páginas da Internet (sublinhado meu):
(1) «A implementação do SICAM-C surgiu da necessidade de se assegurar um controlo sistemático das aberturas dos marcos e caixas de correio e com o propósito de evitar situações de não abertura ou de abertura antes da hora de corte – falhas que têm um impacte significativo na qualidade do correio nacional e internacional» (Revista Aposta, CTT, fevereiro 2010 - CTT )
(2) «Após a hora de corte associada a cada marco postal, os carteiros são ainda responsáveis por fazer a recolha das correspondências lá depositadas e efetuar o pré-tratamento do correio para seguirem para os CDP’s [sic].» (ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações, Exame de conformidade ao Sistema de Contabilidade Analítica dos CTT – Correios de Portugal, SA – Exercício 2015 – Versão Pública)
(3) «A última recolha do correio azul é como a recolha relativa aos correios normal ou verde, às 18:00 horas, chamada a hora de corte. Quer entre a sua correspondência às 9:00 horas da manhã ou às 17:30 da tarde a sua correspondência é transportada só às 18:00 horas.»("Última recolha do Correio Azul", Mundo em Alerta, 02/02/2017)
Uma consulta com o Gemini, ferramenta de IA do Google, indica que «hora de corte» se relaciona com «cutoff time», expressão que se traduz por «hora limite». Dir-se-ia, portanto, que «hora de corte» é mera transposição literal do inglês para o português, dado que cutoff é, à letra, «corte, supensão». É curioso, no entanto, descobrir que, em relação aos correios de Espanha, igualmente se deteta o uso de «hora de corte», o que levanta ainda mais questões que não vou abordar por agora (cf. "El banco de España avisa de la importancia de las horas de corte", Las Provincias, 16/06/2023). Caso se trate de um anglicismo, «hora de corte» será, então, um decalque de cutoff time com sucesso plurilinguístico.
Mas permita-se-me registar que esta curta pesquisa me levou a perceber que a atual linguagem dos CTT exibe com grafismo efusivo várias palavras inglesas na denominação do seus serviços. São exemplos «Payshop Online Payments» («serviço de pagamentos em linha»), os «cacifos Locky» (locky, de lock = «fechar, fechadura») e a «rede Collectt» (um jogo de palavras com a sigla CTT e o verbo to collect = «recolher»), com «pontos Pick & Drop» («recolhe e deixa/entrega») – observe-se a imagem mais abaixo. Justifica-se esta situação em serviços destinados à população portuguesa, maioritariamente falante de português? Ou é porque os anglicismos tornam tudo mais moderno e apelativo – para «anglo-saxão ver»?
Enfim, não me foi possível apurar se «hora de corte» é claramente um anglicismo. Mas, na pista desta expressão, há razão óbvia para temer pela vitalidade e pelo futuro da língua portuguesa nos espaços e serviços públicos em Portugal.
* Agradeço ao consultor Paulo Barata a chamada de atenção para este caso e a troca de impressões sobre o mesmo.