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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. Nos noticiários e nos programas televisivos de Portugal, a atualidade internacional leva a reativar nomes comuns e próprios que andavam esquecidos, sem projeção mediática. Outras vezes, põe em circulação neologismos, por empréstimo ou de formação potencial, à espera da primeira oportunidade para se fazerem ler e ouvir. O primeiro caso é ilustrado pelas notícias sobre as eleições federais na Alemanha em 23/02/2025, que deu a vitória aos partidos da CDU/CSU* mas confirmou a AfD*, como segunda força política – e até primeira em estados como o da Turíngia. Sobre o nome Turíngia, convém dizer que, apesar de este corónimo (nome de região) se dever a uma antiga etnia germânica, os Turingos (ou Turíngios), a pronúncia correta deste estado alemão é "turínjia", com o som "j" de Japão, e nunca "Turínguia"; e note-se que o atual gentílico dos naturais ou habitantes da região é turíngios. Falou-se também do estado da Baviera, por vezes mencionada como Bavária, o que não está errado, pois, na verdade, é esta uma forma vernácula, entretanto suplantada por Baviera, que o francês motivou mas que se utiliza hoje sem erro (ver Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, de Rebelo Gonçalves). Quanto a neologismos, regista-se trumposfera (NOW, 26/01/2025*), aportuguesamento do inglês Trumposphere, termo referente ao meio envolvente, político, financeiro e mediático, do atual presidente dos EUA, Donald Trump. A palavra inglesa, que terá sido cunhada há alguns anos, no período do primeiro mandato de Trump, tem sido adaptada por outros idiomas (p. ex., o francês trumposphere), nos quais, incluindo o português, já era produtivo um elemento morfológico com origem no latim sphaera, «bola», e recorrente na linguagem científica (atmosfera, biosfera, estratosfera, troposfera – cf. Dicionário Houaiss). E, como acontece noutras línguas, o morfema -sfera tem permitido criar novas palavras, com alguma intenção crítica e maior ou menor fortuna no uso: blogosfera, anglosfera, machosfera, androsfera, infosfera, entre outras.

* CDU é a sigla alemã da Christlich Demokratische Union Deutschlands («União Democrata-Cristã da Alemanha») e CSU, de Christlich-Soziale Union in Bayern («União Democrata-Cristã da Baviera»). AfD é a sigla de Alternative für Deutschland («Alternativa para a Alemanha»). Na imagem, atuação de músicos nos festejos do Carnaval de Colónia, na Alemanha (fonte: Wikipédia, 2006).

** Junta-se o registo deste uso de trumposfera (ao contrário do inglês não se mantém a maiúscula do nome próprio que é base da derivação deste termo):

 2. Noutro canal de televisão português, trocou-se erroneamente preciosismo por preciosidade, confusão que dá o mote para um apontamento do consultor Paulo J. S. Barata, recordando, na rubrica Pelourinho, que o preciosismo se caracteriza «pela afetação e requinte no falar e no escrever, à maneira do que era uso, em França, no século XVII».

3. Nos projetos em vídeo do Ciberdúvidas, dois tópicos são tratados: em Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 19), refere-se a neutralização da distinção entre os fonemas /b/ e /v/, a chamada troca dos vês pelos bês (betacismo), típica do português da metade setentrional de Portugal (agradece-se a participação do Agrupamento de Escolas de Alfornelos, no concelho da Amadora); e, em Ciberdúvidas Responde (episódio 24), a consultora Edite Prada dá indicações sobre o uso correto da construção impessoal «trata-se».

4. Os estudos de onomástica e, no seu âmbito, os de toponímia definem uma área da linguística com uma forte componente extralinguística, que lança mão de muitos dados da história e da geografia, para não falar de outros domínios. No Consultório, comenta-se a origem de três topónimos do norte de Portugal, dois no concelho de Paços de Ferreira (Caçães e ) e outro, Perafita, que é recorrente em diferentes concelhos. A atualização inclui ainda questões sobre o uso do pronome lhe  e a sintaxe de três verbos:  raiar («essas atitudes raiam o excesso»), submeter («... submetendo-os a uma regra») e passar («queria passar a tarde a ver filmes»).

5. Tradicionalmente, celebra-se por estes dias o Carnaval, a que se segue o período da Quaresma. Em O Nosso Idioma, a consultora Inês Gama propõe uma reflexão sobre o campo lexical da palavra Carnaval e outras tantas que gravitam em seu torno.

6. Entre conteúdos publicados nos media, com incidência no ensino da língua portuguesa, materna e não materna, relevo para "A leitura e a escrita precisam de mais espaço nas aulas de Português", um trabalho da jornalista Cristiana Faria Moreira (Público, 26/02/2025) e "Alunos de Língua Portuguesa Não Materna: Entre dois mundos, entre duas línguas", da professora Carmo Machado (Visão, 21/02/2025).

7. Referência a dois dos programas que, na rádio pública de Portugal, são dedicados a temas da língua portuguesa.

– Para falar sobre o projeto que a Escola Superior de Educação de Coimbra desenvolve em Cabo Verde para promoção da leitura, entrevista-se Sofia Gonçalves, em Língua de Todos (RDP África, sexta-feira, 28/02/2025, às 13h20*; repetido no dia seguinte, c. 09h05*).

– Em Páginas de Português (Antena 2, domingo, 02/03/2025, às 12h30*; repetido no sábado seguinte, 08/03/2025, às 15h30*), a investigadora Andressa Jove Godoy apresenta o seu estudo sobre como era Fernando Pessoa ensinado e retratado nos manuais escolares durante o Estado Novo. Ainda o apontamento gramatical da professora Carla Marques, esta semana sobre verbos relacionados com a palavra Carnaval.

Hora oficial de Portugal continental.

8. Como em 4 de março de 2025 se festeja o Carnaval, não haverá atualização destas páginas nesse dia. Contudo, a atividade habitual é retomada logo depois, na sexta-feira, 7 de março. Entretanto, ficam três provérbios alusivos a esta época do ano, também designada pelo vocábulo Entrudo, de tradição mais rural: «Entrudo bolorento, Páscoa com bom tempo», «Entrudo papa tudo» e «Não há Entrudo sem Lua Nova, nem Páscoa sem Lua Cheia» (retirados do Livro dos Provérbios Portugueses, de José Ricardo Marques da Costa).

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A recente aproximação entre Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, presidente russo, colocou a Ucrânia numa difícil situação negocial, no momento em que assinala três anos da guerra com a Rússia. As intermitências de um dos seus mais importantes aliados, resultado da reviravolta da política norte-americana, motiva o uso da expressão «aliado hostil». Trata-se de uma construção antitética, própria do universo poético, mas que, desta feita, descreve uma situação real ao associar uma palavra de orientação positiva a uma de orientação negativa: aliado é um nome que refere «aquele que se liga a outro, para defender a mesma causa ou atacar o mesmo inimigo»; hostil significa «que se opõe a; adversário» (Houaiss). O sintagma ilustra bem a oscilação das posições do líder norte-americano e justifica a estupefação ucraniana perante a instabilidade que singra. Sob outra perspetiva, o facto de os Estados Unidos terem passado a referir-se à guerra como um conflito, tendo deixado de considerar a Rússia como invasor e tendo transferido o epiteto de ditador de Putin para Volodymyr Zelensky, mostra bem como a língua não é neutra e como pode denunciar as perspetivas e intenções de quem a usa. A evolução da situação política conduziu também a que se pusesse em cima da mesa a possibilidade de um acordo entre o Estados Unidos e a Ucrânia, ativando, neste contexto, o uso de «terras raras». O termo pertence à área da química e aplica-se ao conjunto dos elementos que integram determinados solos, marcados por uma presença relativamente alta de determinados minerais, como o titânio ou o urânio, os quais são essenciais para a indústria aeronáutica, espacial e de defesa (cf. Houaiss e Wikipédia). As terras raras são ainda usadas no fabrico de discos rígidos e de ecrãs de telemóveis, por exemplo. A comunicação social tem grafado a expressão ora com hífen ora sem hífen, uma indefinição que se deverá ao reduzido uso desta construção. Relativamente à sua grafia, poderemos referir que, no português do Brasil, se tem adotado dominantemente o uso do hífen, tal como está previsto no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Já no português europeu, tem-se verificado, como dissemos, alguma hesitação. Todavia, poderemos esclarecer que alguns dicionários de referência (como Priberam ou o Dicionário da Língua Portuguesa) integram o termo na entrada terra, registando-o sem hífen. Os textos científicos da área também parecem ter preferência por esta grafia. Desta forma, será de deixar a nota de que a variante europeia parece tender para a interpretação de «terras raras» como um sintagma, escrevendo-o portanto com duas palavras isoladas, sem hífen. 

2.  Na atualização do Consultório, deixamos como proposta de tradução da palavra inglesa transgenderism (derivada do nome transgender) o termo transgenerismo. No âmbito da tradução situa-se igualmente a resposta que apresenta a forma portuguesa equivalente ao termo francês chocolat au lait. Para além deste tema, encontramos ainda respostas relacionadas com questões sintático-semânticas: o modo da oração subordinada completiva de verbos como achar ou acreditar; a classificação de uma oração reduzida de particípio; a natureza sintática de um aposto após um adjetivo. Terminamos com a explicação de termos associados à classificação da origem etimológica da palavras no dicionário. 

3. A classificação das palavras quanto à acentuação e ao número de sílabas por vezes acarreta dificuldades, sobretudo quando se verifica a hesitação na interpretação entre a presença de um hiato ou de um ditongo. A professora Carla Marques exemplifica o caso com recurso à análise do nome próprio Sofia, na rubrica divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2

4. Na sua senda pela discussão em torno do conceito de norma culta, o gramático e professor brasileiro Fernando Pestana analisa um conjunto de usos presentes em jornais brasileiros para evidenciar os desvios e discutir a ideia de que o discurso jornalístico é fonte de norma. 

5. Entre os eventos dignos de realce, destacamos:

– Congresso Internacional Português Língua de Ciência e de Oportunidade, organizado pelo Centro de Linguística da Universidade do Porto, no dia 27 de fevereiro, a partir das 11h (evento online);

– Conferência "Alguns desafios globais dos sistemas educativos", dinamizada pelo professor universitário João Costa, diretor da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva , com lugar no dia 28 de fevereiro, pelas 15h, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (mais informações); 

– O lançamento do livro Diálogos com Lídia Jorge, da autoria de Carlos Reis, no dia 26 de fevereiro, na Livraria Buchholz, às 18h30, no decurso do qual decorrerá uma conversa entre o professor universitário e a escritora portuguesa Lídia Jorge. 

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1. A toponímia, entendida no seu duplo sentido, de «conjunto dos nomes que identificam lugares habitados e não habitados» e «estudo dos nomes de lugar», é uma área linguística imediatamente exposta a vicissitudes extralinguísticas. É verdade que muitos nomes de lugar são criações primordiais e anónimas, mas outros nomes, em épocas já documentadas, têm resultado do arbítrio dos poderosos e são arma política – basta lembrar o caso das Malvinas vs. Falkland. A atribuição de nome por decreto a uma cidade ou a um monte, frequentemente rasurando por completo o mais antigo, é, pois, prática frequente e ganhou novo relevo, quando, como foi aqui referido, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, deu ordem para, no uso oficial, substituir a expressão inglesa Gulf of Mexico (Golfo do México) por Gulf of America (Golfo da América). No Alasca, a montanha mais alta dos Estados Unidos passa agora a ser apenas conhecida oficialmente como Mount McKinley, descartando-se o nome ameríndio Denali; mas a voluntariosa fixação toponímica em curso nos EUA não afeta (por enquanto) o português, língua em que continuam válidos o talassónimo Golfo do México e o orónimo Monte Denali, a par de Monte McKinley. Entretanto, assinale-se que a iniciativa de Trump é inspiradora, e o político republicano Buddy White, no contexto do interesse presidencial publicamente manifestado pela anexação da Gronelândia*, propõe que se renomeie este território como Red, White and Blueland, ou seja, «Terra Vermelha, Branca e Azul», em alusão às cores da bandeira norte-americana. Na rubrica Controvérsias, disponibiliza-se a tradução de um comentário do linguista Evgeny Shokhenmayer (blogue e-Onomastics, 15/02/2025), que, a respeito desta proposta, antevê um choque entre os interesses norte-americanos e a história dos gronelandeses.

Sobre a mudança toponímica operada por decreto, leia-se "Golfo da América", um artigo de opinião do historiador João Pedro Marques (Observador, 27/01/2025). Relativamente a questões linguísticas e extralinguísticas no estudo da toponímia, sugere-se ainda a consulta de respostas e artigos do arquivo do Ciberdúvidas: "Topónimo",  "Os nomes e marcas históricas da toponímia portuguesa", "A falta de padronização da toponímia em português",  "Querem mudar os nomes das ruas e largos? Ora tentem lá outra vez", "Toponímia angolana só em língua portuguesa". Sobre Gronelândia, ver aqui. Na imagem, vista da capital gronelandesa, Nuuk, e do monte Sermitsiaq (crédito: Wikipédia).

2. A toponímia, como outras áreas de atividade linguística, levanta questões normativas nada despiciendas. Sobretudo quando o debate das fontes da norma-padrão e da sua definição tem sempre relevância no mundo de língua portuguesa, caracterizado pela sua dispersão geográfica e pela força centrífuga decorrente. Na Montra de Livros, apresenta-se o número 68 de Confluência (publicação do Instituto de Língua Portuguesa do Liceu Literário Português do Rio de Janeiro), no qual se reúnem trabalhos acerca de duas normas-padrão do português, a europeia e a brasileira, e as tensões entre estas e os usos linguísticos dos seus falantes.

3. A categoria de aspeto continua a motivar dúvidas, como é o caso de uma pergunta sobre a situação aspetual configurada pela frase «A dignidade não está naquilo que temos, mas na forma como fazemos aquilo que nos cabe». A resposta faz parte do conjunto de cinco respostas que atualizam o Consultório e abrangem outros tópicos, a saber: duas interjeições medievais; a regência de reduzir; o nome musicista; e a expressão «mil reais».

4. Para Alfredo Cameirão, presidente da Associação da Língua e Cultura Mirandesa, a língua mirandesa «devia ser ensinada na escola com a mesma dignidade com que são ensinadas as outras línguas». São declarações que preenchem uma entrevista publicada na revista digital Comunidade, Cultura e Arte (16/02/2025) e que se transcreve com a devida vénia em Diversidades.

5. Tópicos dos projetos em vídeo do Ciberdúvidas: em Ciberdúvidas Responde (episódio 23), esclarece-se a diferença entre emigrante e imigrante; e em O Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 18), comenta-se a origem da palavra trabalho (com professoras e alunos do 9.º ano do Agrupamento de Escolas de Alfornelos, no concelho da Amadora, a quem muito se agradece a participação).

6. Registe-se a realização, em 5 de março, na Faculdade de Letras de Lisboa, do colóquio Lindley Cintra. 100 anos, uma homenagem à obra e à figura de Luís Filipe Lindley Cintra, iminente filólogo, linguista e coautor da conhecida Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984). Na mesma data, a conferência internacional Da Minha Janela Vê-se o Mundo, promovido pelo jornal Público para assinalar o 50.º aniversário da independência dos países africanos de língua oficial portuguesa e os 500 do nascimento de Camões.

7. Relativamente a programas que versam sobre temas e tópicos do português na rádio pública de Portugal:

– Em Língua de Todos, programa difundido pela RDP África, na sexta-feira, 21/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), Regina Duarte, comissária do Plano Nacional de Leitura (PNL), apresenta os projetos que esta entidade desenvolve com os países africanos de língua oficial portuguesa.

– Também em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 23/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 01/03/2025, às 15h30*), Regina Duarte discute os projetos do PNL para 2025. O programa incluiu um apontamento gramatical da consultora do Ciberdúvidas Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A presença nos usos quotidianos de construções como «Mãe, posso água?» tem estado no centro das atenções em Portugal, como se conclui pela reportagem divulgada pela CNN Portugal. As estruturas em questão, associadas sobretudo ao universo linguístico infantil, ocorrem em casos de complexo verbal formado pelo verbo auxiliar poder seguido de um qualquer verbo principal, o qual é elidido. A recuperação inferencial do verbo por parte do interlocutor fica, assim, dependente do contexto. Por exemplo, uma criança, dirigindo-se à mãe, aponta para uma fatia de pão e verbaliza «Posso pão?», deixando à progenitora a tarefa de recuperar o verbo comer. O fenómeno conta já com vários registos por todo o país e tem deixado pais e professores preocupados. A situação abre a possibilidade de nos encontrarmos perante uma mudança em curso. A este propósito, importa ter presente que a língua não é estática e que as alterações, entre as quais as sintáticas, ocorrem na história da evolução do português. A título de exemplo, recordemos que, entre os séculos XIII e XIV, a colocação dos clíticos em frases afirmativas ocorria tanto em posição pré-verbal como pós-verbal. Veja-se como era correta a frase, hoje inaceitável em português europeu, «E a donzela lhe disse entom (...)»* (Primeiro Livro de Linhagens, Piel e Mattoso, 1980, 28). Não esqueçamos, todavia, que os processos de evolução necessitam, antes de mais, de tempo para se fixarem na língua e para se alargarem a vários segmentos da sociedade. Nenhuma destas premissas se verifica neste momento pelo que é ainda muito cedo para falar em mudança linguística. Poderemos, sim, considerar que o fenómeno de elipse presente nas construções infantis resulta de um processo de economia linguística e que as razões que o explicam não serão alheias ao facto de estarmos perante estruturas produzidas por crianças em estado de aprendizagem e alargamento do conhecimento sintático (e não só) da língua. Falar em mudança é, assim, extemporâneo. 

*O estudo e exemplos estão presentes em Ana Maria Martins, "Mudança sintática e história da língua portuguesa", In B. Head et al. (eds.). História da Língua e História da Gramática: Actas do Encontro. Univ.do Minho, 2002, pp. 251-297)  

2. É também a defesa da língua portuguesa que move a professora e antiga consultora do Ciberdúvidas Maria Regina Rocha. Constatando a presença cada vez mais generalizada da língua inglesa, sobretudo nos meios de comunicação social, a autora recorda títulos de programas e de rubricas, designações de cadeias de televisão e muitas opções que poderiam passar ao lado do recurso aos anglicismos (artigo divulgado no jornal Público e aqui partilhado com a devida vénia). A este propósito, registe-se o neologismo inglês entrado no léxico português: looksmaxing, usado para descrever o processo de aperfeiçoar a aparência pessoal. 

3. A presença do português do Brasil nas salas de aula portuguesas e no contexto social em geral tem contribuído para a consciência mais generalizada da existência de diferenças nas regras ortográficas relativamente ao português europeu. O consultor do Ciberdúvidas e gramático Fernando Pestana elaborou uma síntese de diferenças ortográficas entre as duas variantes, que será útil conhecer para compreender a diversidade da língua portuguesa no mundo.

 4. As dúvidas de natureza ortográfica levam, por vezes, os utilizadores da língua a hesitar entre grafias, uma situação que, por vezes, também é contemplada nas próprias análises dos gramáticos. Desta feita, apresentamos uma resposta que considera os casos das grafia de Cingapura / Singapura e beringela / berinjela. Ficam ainda disponíveis respostas para as seguintes questões: «Estão incompletas as aceções do termo nabo em alguns dicionários?», «O nome retrato pode ser acompanhado tanto de complemento como de modificador?», «A palavra impacto pode ser usada com particípio do verbo impactar?», «Papel rima com chapéu no português do Brasil?», «Qual a concordância possível em orações com quem?», «Os termos tanto e quanto integram sempre uma construção aditiva?» 

5. Qual a forma correta: abaixo-assinado ou «abaixo assinado»? E em que contextos se poderá usar a expressão? Estas questões estão na base do apontamento da consultora Inês Gama para o programa Páginas de Português na Antena 2.

6. Destacamos os seguintes eventos:

– Em Portugal, o primeiro laboratório de visualização imersiva de arquivos históricos nacionais, um projeto conduzido pelo ISCTE, que pretende digitalizar e disponibilizar ao público arquivos de organizações como o Instituto da Mobilidade e Transportes, o Ministério da Defesa Nacional e do projeto Ephemera, de José Pacheco Pereira (notícia);

– A comunicação de Fabrizio Boscaglia intitulada Fernando Pessoa, Omar Khayyam e o Orientalismo em língua inglesa, no âmbito do seminário Fernando Pessoa e a Cultura Inglesa, com lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no dia 18 de fevereiro, entre as 15h e as 16h (também disponível em direto no canal Youtube).

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1. 14 de fevereiro é Dia de S. Valentim, ou Dia dos Namorados, uma celebração de origem anglo-saxónica que também se naturalizou em grande parte do mundo de língua portuguesa. Sobre como S. Valentim se tornou o padroeiro dos namorados, lê-se na Infopédia que a festa cristã se sobrepôs «ao festival pagão de Juno Februata, celebrado no dia seguinte, [e à] tradição de tirar os nomes dos namorados à sorte», o que «foi reforçado pela crença medieval de que os pássaros começavam a acasalar na festividade do santo». Se os amores se querem felizes, a verdade é que a literatura e a criação artística em geral têm especial predileção por associá-los à melancolia e à infelicidade. É o caso de Verdes Anos (na imagem ao lado*), um filme de 1963 realizado por Paulo Rocha, que vem à colação, porque o tema musical é da autoria de Carlos Paredes (1925-2004), cujo centenário se comemora em 16 de fevereiro de 2025. Paredes é um dos grandes vultos da música de Portugal, tendo sabido tirar partido do potencial de um instrumento tradicionalmente ligado ao fado: a guitarra portuguesa. Sem mencionar as diferenças que os instrumentos identificados pelo nome guitarra podem apresentar entre si e em relação a outros designados por viola e violão (cf. "Guitarra vs. viola), refira-se que é palavra de origem grega mas, ao que parece, transmitida pelo aramaico e depois pelo árabe às línguas latinas da Península Ibérica, de acordo com um esquema que se pode encontrar na entrada castelhana guitarra do dicionário da Real Academia Espanhola e que é também válido para o português: grego κιθάρα/kithára («cítara») > aramaico qiṯārā > ár. qīṯārah. Um bom exemplo, portanto, de como a história de uma palavra reflete simultaneamente o encontro de povos e a afirmação cultural de cada um deles.

* Na imagem, capa de Guitarradas Sob o Tema do Filme "Verdes Anos" (1963), de Carlos Paredes e Fernando Alvim (crédito: "Os Verdes Anos" in Memoriale Cinema Português, de Jorge Leitão Ramos). Para aprofundar a compreensão deste filme, leia-se o documento Os Verdes Anos, de Filipa Rosário, o qual faz parte da Coleção de Dossiês Pedagógicos do Plano Nacional de Cinema (PNC). Para ouvir a célebre peça musical, executada por Carlos Paredes, escutar aqui e, com poema de Pedro Támen, na voz de Teresa Paulo Brito, ouvir aqui. Finalmente, sobre a adequação dos termos guitarra e cítara para referir o instrumento musical, ler "Guitarra portuguesa: a história, a construção, a importância e o futuro", in Nascer do Sol (12/02/2025).

2. Na Montra de Livros, o tema é também o da diversidade: apresenta-se o número 2, volume 13, da revista elingUP (Universidade do Porto), que reúne textos da área da linguística computacional, tradução e variedades linguísticas.

3. «Os pronomes estão mesmo pelas ruas da amargura...», diz a escritora e editora Maria do Rosário Pedreira num texto que se divulga no Pelourinho, rubrica que inclui ainda um apontamento do consultor Carlos Rocha à volta de dois lapsos vocabulares nos noticiários de um canal de notícias português.

4. «São um perigo/ as palavras», lê-se num poema de Alice Vieira, extraído de O que dói às Aves e agora acessível na rubrica Antologia.

5. Os particípios passados do verbo secar, o significado do termo gramatical antecedente, a expressão «ir a penantes», o nome Caio, a análise de «viagem de avião» e um complemento oblíquo que inclui uma oração constituem os tópicos do conjunto de seis perguntas que atualizam o Consultório.

6. Quanto aos vídeos do Ciberdúvidas, fala-se da colocação do pronome pessoal átono em «vou-vos contar», em Ciberdúvidas Responde (episódio 17) e do uso de meia na expressão das horas, em Ciberdúvidas Vai às Escolas (episódio 22).

7. Outros tópicos relacionados com temas da língua:

– as notícias do jornal espanhol El Mundo e outras publicações, segundo as quais 55 universidades de Espanha adotaram um guia politicamente correto para usos linguísticos não binários;

– um estudo de 2018, relativo ao português como língua de herança: Maíra Candian, "Memória fonológica de falantes de português brasileiro como língua de herança" (Domínios de Lingu@gem, EDUFU – Editora da Universidade Federal de Uberlândia);

– o anúncio da realização do congresso internacional "O Português no Mundo: Unidade, Diversidade e Diálogos Culturais no Países Lusófonos", em 21 e 22/05/2025, na Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes (Universidade Pedagógica), em Maputo.

8. Conteúdos de dois dos programas que a rádio pública de Portugal dedica à língua portuguesa:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 14/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), a professora Rute Perdigão (Escola de Educação do Instituto Piaget) aborda a importância da imersão, da transversalidade e da diversidade linguística na formação de professores;

João Pedro Aido, presidente da Associação de Professores de Português, comenta o recentemente publicado relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 16/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 22/02/2025, às 15h30*). Inclui-se ainda um apontamento gramatical da consultora Inês Gama sobre a utilização do hífen em abaixo-assinado.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. O projeto do Ministério de Educação português designado por «provas-ensaio» decorre na semana entre 10 e 14 de fevereiro com o objetivo de preparar os alunos dos 4.º, 6.º e 9.º anos para a transição de uma avaliação externa em papel para o formato digital. Esta iniciativa tem trazido alguma instabilidade às escolas quer porque evidencia as fragilidades dos sistemas informáticos no ensino quer porque desencadeou um movimento contra a realização destes testes, cuja validade se questiona, e contra a obrigatoriedade da sua correção por parte dos professores, uma opção que aumentará o volume de trabalho já excessivo. No plano linguístico, as alterações na área da avaliação externa têm propiciado a inovação lexical, como se verifica pelo aparecimento de estruturas lexicais como «provas-ensaio» e «provas ModA». A primeira é um composto que resulta da junção de dois nomes associados por meio de um hífen. A obrigatoriedade de hifenizar compostos formados por dois nomes não está claramente prevista no Acordo Ortográfico de 90, mas constitui uma opção que se funda na tradição que, de igual forma, dita que a junção de um verbo a um nome se faz por meio de hífen (como em «lava-louça»). Note-se ainda que o plural desta palavra assume a forma «provas-ensaio», pluralizando apenas o primeiro nome e não o da direita porque este é analisado como um modificador que incide sobre o núcleo do composto, o único que, por esta razão, assume forma singular e plural. Inovador é também o nome ModA, um acrónimo formado a partir da expressão «monitorização da aprendizagem», e que se destaca pela originalidade de incluir uma maiúscula no seu interior. Estamos perante uma opção que não se enquadra nos modelos canónicos de grafia de acrónimos. Não obstante, é possível assinalar também o seu uso em acrónimos como UAb (Universidade Aberta) ou UAlg (Universidade do Algarve), onde se recorre ao uso de maiúsculas interiores como forma de destacar um dos elementos constitutivos da nova palavra.

2. O provérbio «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo» foi usado em tempos pretéritos com um significado que contraria os factos médicos relacionados com o sarampo, mas, no entanto, tem um fundo de verdade, como explica a professora Carla Marques no seu apontamento dedicado à Dúvida da Semana (divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2). 

3.  Por que razão na sigla GNR, a primeira letra se lê como e não como guê? Encontramos a explicação para este fenómeno na atualização do Consultório, onde se disponibilizam igualmente outras cinco novas respostas a questões colocadas pelos consulentes: «O termo jubilado», «Concordância: «Gratidão é bom»», «Singular genérico: «caminhão demora a frear»», «O uso nominal de querer» e «O nome pessoa com modificador». 

4. A posição de alguns linguistas, que questionam os modelos de padrão normativo seguidos pelos gramáticos, motiva a reflexão do linguista brasileiro Aldo Bizzocchi sobre a gramática que queremos, partilhada, com a devida vénia, na rubrica Controvérsias

5. Entre os eventos a decorrer, destacamos:

– O V PHONOSHUTTLE OPO-LIS - Ponte aérea de Fonologia, encontro de fonologia promovido pelo Centro de Linguística da Universidade do Porto e pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, com lugar nos dias 13 e 20 de fevereiro, entre as 12h00 e as 13h30, em formato virtual, através da plataforma Zoom;

– O 40.º Colóquio da Lusofonia, com lugar nos dias 23 a 27 de abril, em São Miguel (Açores).

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A língua evolui muito (sempre) entre dois polos da atividade linguística dos falantes: a deturpação e a criatividade, nem sempre discerníveis. Os conteúdos dos media dão a toda hora exemplos desta situação, como documentam breves registos que o Ciberdúvidas vai recolhendo no seu canal no Youtube. Conta-se agora entre eles o uso discutível do adjetivo e nome vernáculo como sinónimo de «calão, linguagem grosseira» conforme se ouviu num comentário televisivo sobre a atualidade do futebol português: «Eu tenho uma palavra para tudo isto, não a posso dizer na televisão porque... também é um vernáculo» (CMTV, 28/01/2025). Como já houve aqui oportunidade de explicar, a palavra vernáculo regista-se tradicional e lexicograficamente na aceção geral de «idioma próprio de um país ou região; uma língua pátria, na sua pureza» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). 

Refira-se também outro caso, igualmente recolhido no canal Ciberdúvidas no Youtube e ilustrativo do outro polo de modificação linguística, o da criatividade. Trata-se da forma Centenistão, provavelmente cunhado no momento, com intuito crítico, num comentário aos cortes orçamentais ordenados por Donald Trump nos EUA: «É ilegal desrespeitar a lei orçamental do Congresso. Nos Estados Unidos, não há cativações, não é, não há cativações. Não vivemos no Centenistão, não é?» Refira-se que a palavra alude a Mário Centeno, que foi ministro das Finanças em Portugal, de 2015 a 2020, e é, desde julho de 2020, governador do Banco de Portugal. Sobre a produtividade do elemento -istão, truncado de nomes de países como Paquistão e Afeganistão, para conotar situações sociais, económicas ou políticas vistas negativamente, leia-se "O impacto das crises na língua portuguesa", da jornalista Filipa Lino. Crédito da imagem: xukun_1995, Pixabay.

2Epónimos são nomes comuns resultantes da conversão de nomes próprios. Será o caso de carrasco, na aceção literal de «indivíduo que executa a pena de morte», originário do nome Belchior Nunes Carrasco, algoz do século XV (cf. Dicionário Houaiss). Em O Nosso Idioma, a consultora Inês Gama apresenta algumas palavras cuja origem são nomes de figuras históricas.


3
. Sobre a decisão do Presidente norte-americano Donald Trump em relação a novas taxas para produtos da China e do Canadá, o político e comentador Paulo Portas disse que o caso era «um pedaço estranho», na CNN Portugal (02/02/2025). Será que a um pedaço pode juntar-se um adjetivo para exprimir o grau em que manifesta certa característica? À pergunta responde a consultora Sara Mourato, numa reflexão sobre o uso de pedaço na língua portuguesa – também na rubrica O Nosso idioma.

4. Em Montra de Livros, em breve nota, apresenta-se de História Global da Literatura Portuguesa, uma obra que reúne cem artigos sobre a relação da literatura portuguesa com outros espaços linguísticos e culturais, desde as origens medievais galaicas à contemporaneidade.

5. Em que país de língua portuguesa se usa palavra barba-cara (também grafada «barba cara», como locução), com o significado de «desfaçatez, descaramento»? Na atualização do Consultório, dá-se resposta a esta e a outras questões, num total de seis: a frase «a mim ninguém controla» está correta? O que é um avicóptero? Que diferença há entre «outros» e «os outros»? Cesta, sexta e sesta são palavras homófonas? E qual a figura de estilo em «meu amor, minhas boninas, olho de perlinhas finas» (Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente)?

6. A respeito dos vídeos que o Ciberdúvidas difunde nas redes sociais, registe-se que, em Ciberdúvidas Responde (21.º episódio), o tema é a concordância com expressões de percentagem na perspetiva normativa do Brasil; e também de concordância se fala em O Ciberdúvidas Vai às Escolas (16.º episódio), a propósito da locução «é necessário».

7. Quanto a iniciativas e acontecimentos a terem lugar em Portugal e com interesse linguístico e literário, salientam-se: as I Jornadas "Humanidades Digitais na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa", que se realizaram de 5 a 07/02/2025, em formato híbrido; a chamada de trabalhos, até 16/02/2025, para as IV Jornadas Científicas Internacionais sobre a Investigação em Disponibilidade Léxica, um encontro promovido por especialistas espanhóis e pela primeira vez realizado fora de Espanha, na Universidade do Minho, em Braga (mais informação aqui); a sessão “A noção de padrão discursivo: análise de textos e caracterização de géneros”, pela linguista Rute Rosa (Centro de Linguística da Universidade Nova), em 14/02/2025 (via Zoom; mais informação aqui); e, em Óbidos, de 13 a 16/02/2025, o festival Latitudes – Literatura e Viajantes.

8. Nos programas que, na rádio pública de Portugal, têm a língua portuguesa por tema, tem relevo:

– Em Língua de Todos, programa difundido pela RDP África, na sexta-feira, 07/02/2025, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), entrevista-se o professor universitário e tradutor Marco Neves sobre o seu recente livro Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa, em que se retoma o tema da hipercorreção e das ideias falsas sobre o português e o funcionamento das línguas em geral.

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 09/02/2025, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 15/02/2025, às 15h30*), conversa-se com Rute Perdigão, professora adjunta da Escola de Educação do Instituto Piaget, acerca do tema "Imersão, transversalidade e diversidade linguísticas na Formação de Professores", e a professora Carla Marques comenta um ditado popular: «Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo.»

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A atualidade está marcada pelo aviso do presidente do EUA Donald Trump de que poderá criar taxas aduaneiras para os produtos europeus. Esta sua declaração insere-se no quadro das iniciativas MAGA, um acrónimo que abrevia o slôgane da sua campanha presidencial: «Make America Great Again» e que atualmente funciona linguisticamente como um hiperónimo que aglutina todas as iniciativas promovidas pelo novo governo americano. Trump continua, deste modo, a contribuir não só para a instabilidade da política internacional como ainda estimula uma atividade linguística que promove a criação de neologismos. Entre os mecanismos de inovação lexical associados à ação do presidente, assinalamos hoje a extensão semântica do termo inglês to weave / weaving (à letra, «a trama / a tecelagem»). Com efeito, é o próprio Trump que assume que os processos de criação dos seus discursos assentam no que ele designa por «the weave». Na ótica do presidente, este é um novo estilo de oratória marcado pela genialidade e que ele descreve da seguinte forma: «falo sobre cerca de nove coisas diferentes, e elas acabam por se harmonizar de forma brilhante» (tradução nossa). Não obstante a visão autoelogiosa, os discursos de Trump têm sido considerados errantes, ininteligíveis e incoerentes, podendo inclusive constituir um sinal da sua decadência cognitiva. No meio-termo, os europeus continuam a aguardar as novidades resultantes da "tecelagem" do presidente americano, o que talvez nos permita encontrar a palavra certa para descrever os seus processos mentais e discursivos. 

Primeira imagem: Foto das notas de Donald Trump, numa conferência de imprensa (Fonte: Jornal The New Republic). 

2. A tensão linguística patente na escolha o uso de «ter de» ou de «ter que» é resolvida, do ponto de vista da tradição normativa, pela opção pela primeira estrutura. No entanto, os usos continuam a não confirmar em absoluto o respeito por esta opção gramatical. Partindo da análise dos usos patentes numa fonte jornalística, o gramática brasileiro Fernando Pestana procede a uma análise dos dados, cujos resultados partilha neste seu apontamento (aqui divulgado com a devida vénia). 

3. Ao Consultório chegam diversas perguntas de âmbito ortográfico de palavras/estruturas como «cabeça de cartaz», lombossagrado e cossolicitante. No quadro da sintaxe, analisa-se a função sintática desempenhada pela oração relativa em «aqui, onde vivo...», o comportamento dos pronomes relativos conjugados com o verbo servir e o uso de vírgula com modificadores relacionados com cargos ou parentesco. Divulgamos ainda uma resposta sobre a etimologia do substantivo princípio, uma outra sobre o género de BADESC.

4. A questão da literacia em Portugal está na base da crónica da professora universitária  e escritora Dora Gago, que nos deixa a seguinte reflexão: «Terra da Iliteracia encontra-se em expansão, como o comprovam vários estudos, como foi o caso, muito recentemente do Relatório Global da OCDE sobre as competências dos adultos, no qual Portugal evidenciou desafios na literacia, numeracia e resolução de problemas da população adulta, classificando-se muito abaixo da média.» 

5.  Entre os eventos dignos de referência, destaque para:

– O Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, assinalado a 5 de fevereiro, que o Plano Nacional de Leitura (PNL) assinala com o lançamento de pequenos desafios

– O Congresso Internacional Fernando Pessoa, nos dias 12, 13 e 14 de fevereiro de 2025, que terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, Auditório 2.  

6. Uma nota final de pesar para a jornalista,  escritora e poetisa Maria Teresa Horta, que faleceu hoje (04/01/2025), em Lisboa. Com uma vasta obra poética e ficcional, Maria Teresa Horta deixa um legado inconfundível, no qual se destacam as Novas Cartas Portuguesas, obra escrita em coautoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (as autoras ficaram conhecidas como «as três Marias»), conhecida pela sua matriz feminista e pelo contributo para a queda do regime de Marcello Caetano. 

Imagem: pormenor do mural «Mulheres da Revolução de Abril», de Elton Hipólito (2019), em Vila Nova de Cerveira

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A aprendizagem da língua portuguesa pelas comunidades estrangeiras radicadas em Portugal é tema mediático, gerando preocupação na vida governativa e política em geral (cf. "Um em cada quatro alunos estrangeiros tem um “conhecimento limitado” da língua portuguesa", Público, 23/01/2025). No plano do ensino, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) anuncia o Plano Aprender Mais Agora (A + A) através de duas notas informativas, uma relativa à contratação de «mediadores linguísticos e culturais» e outra respeitante a medidas a aplicar ao funcionamento da disciplina de Português como Língua Não Materna (PLNM) – cf. Direção-Geral de Educação. A propósito destas preocupações, apresenta-se em Montra de Livros a publicação Desafios e Descobertas: Perspe(c)tivas do Português como Língua Não Materna, que visa dar conta de diferentes perspetivas de investigadores e professoras sobre problemas e inovações no ensino de PLNM.

Crédito da imagem: Gerd Altmann, Pixabay.

2. Espaço privilegiado de inovação verbal e contacto interlinguístico é o mundo do futebol. No Pelourinho, o consultor Carlos Rocha aborda um uso "castelhanista" de ilusão, ou seja, um caso de castelhanismo semântico, por enquanto, só justificável pelo espanhol ilusión.

3. Diz-se e escreve-se «mais se informa» ou «mais informa-se? Esta é uma das seis perguntas que atualizam o Consultório, que abrange ainda os seguintes tópicos: a expressão «doença social», o uso de vírgulas com adjuntos adnominais, os valores aspetuais de uma frase, a grafia de telessaúde e os compostos que integram o nome limite.

4. Relativamente aos projetos que o Ciberdúvidas desenvolve em vídeo, em Ciberdúvidas Responde (episódio 20) encerra-se o ciclo de esclarecimentos sobre termos associados ao ano novo e, no episódio 14 de O Ciberdúvidas Vai às Escolas, o qual conta com a participação da Escola Secundária Fernando Namora (Condeixa-a-Nova), dá-se conta da concordância verbal correta com a construção «a maioria de» seguida de nome.

5. Registos vários, à volta do português e das línguas em geral: as críticas contra o Acordo Ortográfico de 1990 a que o jornalista Nuno Pacheco volta mais uma vez no jornal Público em 30/01/2025, argumentando com situações, quanto a ele, reveladoras de contradições nefastas; o recente lançamento de uma nova edição do Novo Dicionário Etimológico do Português Arcaico – séculos XIII-XVI, um trabalho de Américo Venâncio Lopes Machado Filho, professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA); e outra questão também retomada, a de saber até que ponto as línguas condicionam o pensamento, num apontamento da BBC Brasil dedicado ao livro A Myriad of Tongues («Uma Miríade de Línguas»), de  Caleb Everett, um linguista que, desde a infância, tem tido contacto com as línguas indígenas do interior da Amazónia, em Rondónia.

6. Semanalmente, as Notícias registam os temas dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas produz para a rádio pública de Portugal, ou seja:

– Em Língua de Todos, difundido pela RDP África, na sexta-feira, 31/01/2025, às 13h20*, a professora Sandra Duarte Tavares fala sobre o aperfeiçoamento da competência linguística dos alunos das nossas escolas. O programa conta também com a participação da linguista brasileira Edleise Mendes (UFBA), com um apontamento a respeito da ideia de translinguagem.

– Em Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 02/02/2025, às 12h30*, inclui-se uma conversa do professor e tradutor Marco Neves, conhecido divulgador de temas linguísticos, acerca de Queria? Já Não Quer? Mitos e Disparates da Língua Portuguesa. Esta emissão inclui um apontamento gramatical da professora Carla Marques.

* Hora oficial de Portugal continental.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. No dia 27 de janeiro de 2025 passaram 80 anos desde o dia em que o campo de concentração de Auschwitz foi libertado pelas tropas soviéticas. A entrada no campo dos soldados deixou a descoberto as atrocidades cometidas naquele local, onde se exterminou cerca de um milhão e meio de judeus (de um total de seis milhões assassinados no decurso da Segunda Guerra Mundial). Um momento da História que a memória humana não deve esquecer para que barbaridades desta natureza não voltem a ter lugar. Estranhamente, no entanto, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto convive com tempos de negacionismo do extermínio levado a cabo nos campos de concentração criados pelo regime nazista e assiste a atos de violência extrema que recordam genocídios passados e que vão a par de ondas de antissemitismo. Situações que espelham o passado e que convocam, de forma mais intensa, a necessidade da perenidade da memória. Falar do passado, analisá-lo e refletir sobre as suas implicações poderá ser o caminho para evitar amnésia do mal, que ameaça grassar um pouco por todo o lado. Os acontecimentos relacionados com aquele período negro da História dizem-se com palavras. Aqui ficam algumas que poderão contribuir para a consciência sempre ativa de que é preciso querer que a «banalidade do mal» (expressão e teoria da filósofa Hannah Arendt) não se instale de novo: nazi e nazista são ambas palavras corretas, que poderão ser usadas quer como substantivos quer como adjetivos; embora seja uma sigla, SS (de Schutz, «proteção, defesa» e Staffel, «equipa») pode ser acompanhado de artigo no plural, o que se justifica pela força do uso; a palavra holocausto grafa-se com maiúscula quando refere o período em que ocorreu o massacre dos judeus e outras minorias; judeu ou judia podem ser usados como substantivos ou adjetivos, mas judaico, apenas como adjetivo; judaísmo leva acento no -i- e não é palavra derivada de judeu ou judia; o verbo judiar pode significar «observar os preceitos da religião judaica», mas também tem valor depreciativo de «fazer troça de; fazer diabruras ou maldades». (A propósito desta temática, recorde-se também o artigo «Churban, Holocausto e Shoah, ou da difícil nomeação»). 

Primeira imagem: Entrada principal de Auschwitz, onde se pode ler a frase «O trabalho liberta» (Fonte Agência Brasil). 

2. Poderá o complemento direto (ou objeto direto, na nomenclatura brasileira) ser introduzido por uma preposição? A resposta a esta questão é a primeira que se inclui na atualização do Consultório. A ela associam-se outras seis: as datas exigem próclise do pronome átono? Quais os recursos expressivos presentes nos versos «Que a abominável onda / O não molhe tão cedo», de Ricardo Reis? O que significa a expressão «etimologia obscura», patente nos dicionários? Qual o significado de crente e evangélico? Qual a origem das palavras capacitismodeterrência especialismo? E qual o aumentativo de comedor

3.  A locução «cerca de», que pode surgir em construções como «A consulta demorou cerca de uma hora» integra que classe de palavras? A professora Carla Marques apresenta a explicação, no âmbito do desafio semanal, uma rubrica destinada às redes sociais do Ciberdúvidas e divulgada no programa da Antena 2, Páginas de Português

4. O professor universitário brasileiro Rafael Rigolon apresenta um apontamento dedicado à família de palavras de idiota, considerando a sua etimologia. 

5. Entre os destaques desta semana, assinalamos:

– O início dos serviços em linha de empréstimo de livros eletrónicos, por meio da biblioteca pública de leitura e empréstimo digital BiblioLED, disponível nos municípios portugueses que aderiram ao projeto;

– O artigo de análise dos impactos da Inteligência Artificial no ensino e na avaliação dos estudantes e onde se propõem modelos de aprendizagem autónoma, divulgado no jornal Público (disponível aqui).