Continuando a recolha de lapsos e erros que ocasiona a comunicação dos media em Portugal, juntam-se outros três casos, desta vez, muito provavelmente indicativos de desatenção ou mesmo desconhecimento das regras e das características da língua portuguesa1.
1. «3 sózinhos» (SIC Notícias, 09/06/2025)
Um acento agudo em sozinho é associação escusada. É verdade que o adjetivo e advérbio só se escreve com acento agudo, mas o derivado somente e o diminutivo (com valor de superlativo) sozinho, que mantêm o o aberto da palavra original, perdem o diacrítico, como acontece nos casos de café-cafezinho, pé-pezinho. Algo de semelhante se verifica ainda com vocábulos como português e avô, cujas vogais finais, de timbre fechado, perdem o acento agudo na derivação de portuguesmente e na flexão de avozinho. Recorde-se que, em tempos, já se escreveu sòzinho, cafèzinho e pèzinho, com acento grave (e não agudo), de modo a assinalar uma vogal aberta em sílaba átona. Contudo, em Portugal, na sequência do que já ocorrera no Brasil, o Decreto-Lei n.º 32/73, de 6 de fevereiro, determinou a eliminação dos «acentos circunflexos e os acentos graves com que se assinalam as sílabas subtónicas dos vocábulos derivados com o sufixo mente e com os sufixos iniciados por z», razão por que sòzinho passou a escrever-se sozinho.
2. «O hotel conta com diversas amenidades», como piscinas exteriores e interiores, spa, ginásio, kids club e serviços de restauração [...]» (CNN Portugal, 15/06/2025, 15h43)
Na aceção de «comodidades, equipamentos», amenidades é empréstimo semântico do inglês amenities, termo que se aplica aos serviços ou valências oferecidos em instalações hoteleiras ou residenciais. É, portanto, um uso discutível de amenidade, que em português tem o significado genérico de «qualidade do que é ameno», como se abona, por exemplo, nas Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett: «a amenidade dum campo minhoto de milho, à hora da rega» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa – DLP-ACL). Com o uso de amenidade a decalcar o amenities anglo-saxão, deixamos, portanto, o passado bucólico de Entre Douro e Minho e entramos em vertigem, nas "plantações" de betão da oferta imobiliária e turística.
3. «... protestos [em Los Angeles] que sobem de tom nos últimos dias numa cidade-berço para imigrantes»(CNN Portugal, 09/06/2025, 08h18)
Neste caso, o mais adequado seria dizer «cidade-santuário» ou recorrer a uma perífrase (solução sempre menos económica, é certo) como «cidade procurada pelos imigrantes» ou «cidade onde vivem muitos imigrantes». O vocábulo berço não tem aqui cabimento e configura uma impropriedade vocabular, porque não é possível que os imigrantes sejam originários de Los Angeles. Como metáfora já enraizada no uso corrente do português, emprega-se cidade-berço, por exemplo, quando se menciona a cidade de Guimarães, que está nos primórdios da fundação de Portugal (cf. DLP-ACL). Se Los Angeles constitui uma área urbana onde se concentram muitas pessoas vindas de fora dos Estados Unidos, em busca de emprego e de melhores condições de vida, então outras formas haverá para expressar essa característica.
1 Agradeço a Paulo J. S. Barata a recolha das imagens e troca de impressões sobre estes casos.