«Sabe quando dizemos «pensar EM alguém» (com profundo sentimento), «estar gamado ou vidrado EM alguém» ou «fixar-se EM alguém»? Pois é, o verbo apaixonar-se e o adjetivo apaixonado estão começando a se comportar de forma parecida a esses verbos e adjetivos.»
«Ele se apaixonou "nela"».
Certamente você já ouviu ou leu a frase acima. Talvez até já tenha usado, involuntariamente, «Ela está apaixonada "naquele cara"».
Assim como toda língua, o português usado no Brasil, em Portugal, em Angola, em Moçambique etc. está sujeito a sofrer mudanças de tempos em tempos.
De primeira, torcemos o nariz, tachando isso de «coisa de analfabeto». Mas a história da língua nos mostra que o velho clichê «a língua muda» é uma verdade inevitável... para o bem ou para o mal.
Agora, atenção... essas alterações da língua podem muito bem não passar de modismos. Todavia, não faz sentido negar a possibilidade de que tais inovações venham a fixar-se na língua, partindo das camadas mais populares até as mais cultas.
Se vão se estabilizar primeiro na norma coloquial e depois na norma culta, só Deus sabe. O fato é que modismos vão e vêm, ou vêm e ficam, deixando de ser o que originalmente eram.
O que determina se um ou outro uso linguístico se tornará um padrão estabelecido na norma de referência linguística almejada pelas pessoas que prezam uma cultura elevada é, entre muitos fatores, o tempo.
O que nasce como "erro" pode (eu disse "pode") alcançar o estado de "acerto". Tudo dependerá da acolhida majoritária da população, sobretudo a mais letrada, que tende a levar a forma inovadora a seus textos escritos aos poucos; por sua vez, esta forma pode ou não prosperar.
Dito isso, o que explicaria a regência inovadora "apaixonar-se em" ou "apaixonado em", no lugar de «apaixonar-se por» ou «apaixonado por»?
Burrice? Analfabetismo? Desprezo pela língua? A falta de letramento certamente influencia tais solecismos. Mas demos um passo à frente.
O que para muitos pode soar como um erro (e ponto final!), é, na verdade, um exemplo fascinante de como a nossa língua está sempre em movimento. Tal qual «focar em» – «focado em» já se consagrou – vem lutando por um lugar ao sol no português brasileiro, a regência de "apaixonar-se em, apaixonado em" parece traçar um caminho similar.
Vamos entender essa mudança que vem batendo à porta da norma popular.
Sabe quando dizemos «pensar EM alguém» (com profundo sentimento), «estar gamado ou vidrado EM alguém» ou «fixar-se EM alguém»? Pois é, o verbo apaixonar-se e o adjetivo apaixonado estão começando a se comportar de forma parecida a esses verbos e adjetivos. A nossa mente, naturalmente, busca padrões.
Ao associarmos apaixonar-se a outros verbos e expressões que indicam envolvimento ou foco EM algo/alguém, surge "apaixonar-se/apaixonado EM" como uma consequência lógica dessa pressão semântica. É uma afinidade sintática natural que se estabelece. A lógica da analogia semântica costuma se impor.
Com essa informação em mente, a partir de agora nossos olhos e ouvidos ficarão mais atentos, justamente para verificarmos se essa inovação regencial é passageira ou tem potencial para se fixar na língua. Valerá a pena prestar atenção nas letras de músicas populares, nas discussões em redes sociais, nas legendas de filmes, na fala espontânea etc. Afinal, essa nova regência popular pode ser uma mudança em curso, algo novo e legítimo, como todas as mudanças ocorridas na língua portuguesa desde o século XII, sobretudo aquelas absorvidas pela norma culta.
Sublinho: para sair desse registro atualmente bem informal e entrar no registro formal, acredito haver muita água para correr embaixo da ponte.
Ainda não fiz uma pesquisa nos sites Corpus do Português (linguagem escrita) e no Youglish.com (linguagem falada) para constatar a frequência de usos de "apaixonar-se/apaixonado em" ao par de «apaixonar-se/apaixonado por», mas pretendo fazê-lo futuramente, a depender da recorrência demonstrada na boca e na escrita do povo brasileiro.
Sabemos que a língua não é estática; ela se molda ao uso. A norma culta, ao longo do tempo, incorpora e legitima as mudanças que se consolidam entre os usuários mais cultos do idioma. Se outras regências mudaram ao longo do tempo e foram abraçadas, não há uma razão estrutural para que "apaixonar-se/apaixonado nela" não venha a seguir o mesmo caminho. O uso incontestavelmente estabilizado na norma culta é o grande ponto final da mudança linguística.
Veremos o que o tempo dirá...
Texto incluído em 29 de junho de 2025 no mural Língua e Tradição (Facebook) e aqui divulgado com a devida vénia.