O nosso idioma - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de investigação/reflexão sobre língua portuguesa.

A recente tragédia da Noruega, em que um jovem fundamentalista cristão chacinou mais de 80 pessoas, levou os jornais a debruçar-se sobre as ideias contidas num Manifesto que este teria escrito. O Diário de Notícias (de 25 de Julho de 2011, p. 4) apresentou até algumas passagens do mesmo, não sei se com tradução própria, se alheia. E a dado passo surge isto:

«Os europeus nativos devem exigir um período transitório de deseurabificação pública […]»

<i>Memorial do Convento</i>, <br>«uma permanente homenagem à língua portuguesa»

Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: não sou daqueles que...

O verbo ia para o singular, ou para o plural? Tudo indicava o plural.

No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que...

Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa? —, ele facilmente caía nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que... Resolveu ganhar tempo:

«Entrámos para o euro há dez anos atrás», «Deveriam ter sido tomadas medidas adequadas há muito tempo atrás»: este tipo de frases ouve-se cada vez mais, havendo quem considere correcta a utilização da palavra atrás como forma de intensificar a ideia de passado.

Ora, expressões do tipo «há anos atrás», «há meses atrás», «há muito tempo atrás» estão incorrectas. Nem podemos sequer considerar que há uma redundância aceitável.

Na SIC Notícias, passou o documentário intitulado Dividocracia. Esta palavra, um neologismo entrado por via do inglês debtocracy, não está dicionarizada, mas já tem algum lastro de uso, como se constata pelas 40 600 ocorrências da palavra em português reportadas pelo Goog...

Uma reflexão — publicada no semanário Expresso de  2/07/2011 — sobre a nova acepção dada à palavra reforma, nestes tempos em que, em nome da crise e da austeridade económica que varre em particular Portugal e os demais países periféricos da União Europeia, o que está a ser aplicado  está a pôr em causa precisamente o que foram as verdadeiras reformas ao longo dos tempos.

Já antes, a leitura do semanário Expresso me havia chamado a atenção para o uso da palavra bloguer:

«Ouvimos um painel de especialistas internacionais e de blogueres nacionais […]» (Revista Única, de 25 de Junho de 2011, p. 56).

Uma semana depois, o o caso repetiu-se, agora no singular:

«Palavras só comparadas com a violência usada pelo bloguer para falar de Sócrates» (Primeiro Caderno, de 2 de Julho de 2011, p. 11).

Qual a regra gramatical que permite a forma <i>presidenta</i>?

A propósito da eleição de uma mulher para a presidência da Assembleia da República, em Portugal — e depois do que já ocorrera com a eleição de outra mulher para a chefia do Estado brasileiro —, volta a surgir a dúvida: «a presidente», ou «a presidenta»?

A forma recomendada é «a presidente» (do latim praesidens, praesidentis).

E, pronto! Aí está ele, o verbo bitaitar, assim mesmo e sem aspas, utilizado por Ferreira Fernandes, na sua habitual coluna da última página do Diário de Notícias, numa crónica intitulada «Não, não pode, um ponto é tudo!» (12 de Maio de 2011):

«Há uma norma fundamental, não escrita mas que é aceite pelos líderes partidários, que é a de não bitaitar sobre cenários a vir.»

Vasco Graça Moura (VGM) é um polemista de escrita vigorosa e impressiva. Leio-o sempre com gosto, admirando a imagética das crónicas e a intencionalidade da escrita, quantas vezes feita deliberadamente para chocar. O que se torna ainda mais patente quando cruzamos a truculência das suas crónicas, sociais e políticas, com a sensibilidade da sua obra de poeta, tradutor, romancista, ensaísta.