Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Na verdade, ficou demonstrado pela prova documental e testemunhal recolhida na fase instrutória, que este aluno tinha os instrumentos de avaliação, testes de avaliação sumativa, fichas de avaliação e de trabalho exatamente iguais a todos os seus colegas, OS/AOS quais não tinham sido aplicadas quaisquer medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, no âmbito da educação inclusiva.»

Deve-se escrever «os» ou «aos» antes de «quais»? As vírgulas estão todas bem empregadas?

Obrigado.

Resposta:

A versão correta da frase em questão apresenta-se em (1):

(1) «Na verdade, ficou demonstrado, pela prova documental e testemunhal recolhida na fase instrutória, que este aluno tinha os instrumentos de avaliação, testes de avaliação sumativa, fichas de avaliação e de trabalho exatamente iguais a todos os seus colegas, aos quais não tinham sido aplicadas quaisquer medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, no âmbito da educação inclusiva.»

Em primeiro lugar, deve colocar-se uma vírgula a isolar o segmento «pela prova documental e testemunhal recolhida na fase instrutória». Deste modo, este constituinte ficará delimitado por vírgulas, uma antes e uma depois, o que permitirá distingui-lo do complemento direto do verbo, a oração «que este aluno tinha os instrumentos de avaliação, testes de avaliação sumativa, fichas de avaliação e de trabalho […]».

Por outro lado, a oração subordinada relativa que surge no final da frase deverá ser introduzida pela preposição a, pelo que deverá ter a forma «aos quais não tinham sido aplicadas quaisquer medidas de suporte […]». A utilização da preposição nesta oração fica a dever-se à presença do verbo aplicar, que rege a preposição a. Se procurar transformar a oração subordinada relativa por uma frase simples, na qual o pronome relativo «o qual» é substituído pelo seu antecedente, obtemos a seguinte frase, na qual se destaca o constituinte que substitui o relativo:

(2) «Não tinham sido aplicadas aos seus colegas quaisquer medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, no âmbito da educação inclusiva.»

A frase simples mostra claramente que o constituinte é introduzido pela preposição a, pelo que, quando este é substituído pelo pronome relativo, esta preposição deverá surgir à cabeça da oração.

Disponha sempre!

Pergunta:

O «o fez» está correto na seguinte frase?

«A vitória não foi pelo combate, como o fez Napoleão.»

Por favor, explique.

Grata.

Resposta:

A frase apresenta alguma ambiguidade, não devido à possibilidade de o pronome o retomar antecedentes oracionais, mas devido à sintaxe adotada.

O pronome pessoal clítico na forma acusativa o pode ter como antecedente uma oração, como se observa em (1), frase em que o retoma o constituinte «que estaria disponível para conversar»:

(1) «Ele afirmou que estaria disponível para conversar. Ele disse-o com sinceridade»

Na frase apresentada pela consulente, verifica-se um problema sintático quando se procura substituir o pronome o pelo seu antecedente. Observe-se o cotejo entre (2) e (2a):

(2) «A vitória não foi pelo combate, como o fez Napoleão.»

(2a) «?Napoleão fez a vitória não foi pelo combate.»

Neste caso, a ideia a expressar ficaria mais clara pelo recurso, por exemplo, a uma oração relativa introduzida pela locução «o que», em (3), que equivale a (3a), associada à introdução de algumas alterações (nomeadamente nos verbos selecionados):

(3) «A vitória não se fez pelo combate, o que se verificou com Napoleão.»

(3a) «Verificou-se com Napoleão que a vitória não se fez pelo combate.»

Disponha sempre!

 

?assinala a estranheza da construção.

Pergunta:

Poderiam me informar se há alguma doutrina que oriente a não usar a preposição após sugerindo a locução «depois de» em seu lugar?

Pergunto isso porque , sem mencionar o nome da obra tampouco seu autor, vi em um manual do tipo “dicionário de dúvidas de português”, o qual não aconselha o uso dessa preposição sugerindo substituí-la por «depois de».

Resposta:

A preposição após poderá ser usada como equivalente da locução «depois de», como se verifica nas frases seguintes:

(1) «O Manuel chegou após o João.»

(2) «O Manuel chegou depois do João.»

Nestas frases, tanto após como «depois de» têm o valor de «a seguir a» numa perspetiva temporal.  Esta equivalência também pode ocorrer com um valor espacial, como se observa em (3) e (4):

(3) «O livro localiza-se na estante após a gramática.»

(4) «O livro localiza-se na estante depois da gramática.»

Afirmam Raposo e Xavier, «[e]m qualquer dos usos, após é equivalente às locuções prepositivas depois de e a seguir a; cf. [depois da reunião/ a seguir à reunião], vou para casa e [depois da igreja/ a seguir à igreja], encontras a escola.»1

Disponha sempre!

 

1. Raposo et al., Gramática do PortuguêsFundação Calouste Gulbenkian, p. 1560.

Pergunta:

Sou apenas um estudante de estatística que teve curiosidade em relação a assuntos da língua, peço que desprezem a pontuação e outras gralhas.

Aprendi que as estruturas da conjugação perifrástica são:

verbo auxiliar + preposição + verbo principal no infinitivo

verbo auxiliar + verbo principal no gerúndio

Gostaria de saber se na frase «O João gosta de dançar» temos ou não a conjugação perifrástica.

Obrigado!

Resposta:

A conjugação perifrástica, ou perífrase verbal, tem lugar quando uma predicação é feita por uma locução verbal. Tipicamente esta é formada por um verbo auxiliar e por um verbo principal (no infinitivo, gerúndio ou particípio passado). As duas formas verbais poderão ou não ser ligadas por uma preposição. Eis alguns exemplos de perífrases verbais1:

(1) «Começou a estudar latim.»

(2) «Deves fazer o que te digo.»

(3) «O desenho foi concebido pelo João.»

No caso em apreço, transcrito em (4), o verbo gostar não é um verbo auxiliar, pois estes caracterizam-se por ter perdido o seu sentido pleno, veiculando, ao associar-se a um verbo principal valores modais (como em (1) e (2)) ou temporais (como em (3))2 e mantendo a flexão em tempo, modo, pessoa e número:

(4) «O João gosta de dançar.»

Neste caso, o verbo gostar é um verbo com significado pleno e, portanto, constitui um verbo principal que rege a preposição de, que poderá ser seguida de um grupo nominal, como em (5) ou de uma oração infinitiva, como em (4):

(5) «O João gosta de dança.»

Disponha sempre!

 

1. Para mais informação sobre estruturas e valores, cf, esta resposta. 

 2. Para mais informações, cf. esta resposta. 

Pergunta:

Se dirijo uma carta a «A Sua Excelência o Líder do Grupo Parlamentar X», esta expressão é separada por alguma vírgula entre «Excelência» e «o», ou é tudo seguido, sem vírgulas..?

Obrigada

Resposta:

Não deverá usar vírgula a separar os constituintes da forma de tratamento.

A expressão em apreço inicia com o tratamento cerimonioso (indireto), na forma de «sua excelência», seguido da identificação do cargo desempenhado «o Líder do Grupo Parlamentar», podendo ainda ser seguido do nome próprio da pessoa a quem se endereça a missiva. Trata-se de uma forma de tratamento formal, que não deve ser interrompida por vírgulas.

Deixamos o exemplo:

(1) «A Sua Excelência o Líder do Grupo Parlamentar António Marques»

Disponha sempre!