Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estou estudando semântica e me deparei com uma questão mais ou menos assim: «As palavras sexta, cesta e sesta são parônimos, homófonos, homógrafos ou homônimos perfeitos?»

O que me surpreendeu foi o fato de considerarem essas três palavras homófonas, visto que, embora sexta e cesta realmente possuam a mesma pronúncia, sesta não é pronunciada da mesma forma. Enquanto sexta e cesta têm a pronúncia de sêxxta, sesta é pronunciada como sésssta.

Na minha opinião, essas palavras seriam parônimas. Gostaria de entender por que elas não são classificadas dessa forma.

Obrigada.

Resposta:

Vejamos como se transcrevem foneticamente cesta, sexta e sesta (Portal da Língua Portuguesa):

• Cesta

Lisboa: sˈɐʃ.tɐ

Rio de Janeiro: sˈeʃ.tɐ

São Paulo: sˈes.tə

• Sexta

Lisboa: sˈɐʃ.tɐ

Rio de Janeiro: sˈeʃ.tɐ

São Paulo: sˈes.tə

Sesta

Lisboa: sˈɛʃ.tɐ

Rio de Janeiro: sˈɛʃ.tɐ

São Paulo: sˈɛs.tə

Observando a transcrição fonética, podemos concluir que cesta e sexta são, de facto, palavras homófonas, ou seja, são pronunciadas de forma idêntica, apesar de terem grafias e significados distintos.

No entanto, não se pode afirmar que essas duas sejam homófonas de sesta, tal como foi sugerido. Embora a semelhança seja evidente, há uma diferença clara na primeira vogal (de acordo com a transcrição fonética, só existe diferença aí). Assim, sesta pode ser considerada parónima em relação a cesta e sexta, uma vez que apresenta semelhanças fonéticas, mas não é pronunciada de forma idêntica.

 

N. E. (08/02/2025) – Relativamente às pronúncias de cesta e sexta, a pronúncia indicada é, como se refere na resposta, a indicada na fonte de informação, o Portal da Língua Portuguesa. No entanto, falando do português europeu, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, atribui-se a cesta a vogal simples [e] (o "ê" fechado], enquanto a sexta...

Será isto «um pedaço estranho»?
A propósito das taxas comerciais de Donald Trump

Para comentar a postura do Presidente norte-americano Donald Trump em relação à imposição de novas taxas alfandegárias a produtos provenientes da China e do Canadá, o político Paulo Portas disse que o caso era «um pedaço estranho» na CNN Portugal (02/02/2025). O uso parece inusitado, chama a atenção e suscita a questão: será legítimo? Ou seja, a um pedaço pode juntar-se um adjetivo para exprimir o grau de uma qualidade? A essa pergunta responde a consultora Sara Mourato, num texto reflexivo sobre o uso de pedaço na língua portuguesa.

Pergunta:

Como se escreve: "lombo sagrado", "lombo-sagrado" ou "lombossagrado"?

Resposta:

A forma correta é lombossagrada, forma atestada em dicionários como a Infopédia e o Houaiss. 

Este adjetivo resulta da junção de lombo, que se refere à região lombar da coluna vertebral, com sagrado, associada ao osso sagrado (sacro). O termo é usado para descrever a região anatómica que envolve tanto a parte lombar quanto o osso sagrado, sendo sinónimo de sacrolombar.

Do ponto de vista linguístico, lombossagrada é um exemplo de composição morfológica1, um processo pelo qual dois radicais ou um radical e uma palavra se associam, neste caso, lomb(o)- , alusivo ao lombo ou aos rins, e sagrad(o), «relativo ao sacro, osso ímpar, simétrico da coluna vertebral, com a forma de pirâmide quadrangular, constituído pela união de cinco vértebras atrofiadas e que se situa entre os dois ilíacos» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

1 Termo que faz parte do Dicionário Terminológico, documento orientador para o ensino da gramática em Portugal. Os termos especializados, que resultam de radicais com origem no grego ou no latim, são resultado deste tipo de composição. Numa terminologia mais antiga, considera-se que são compostos eruditos.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe na língua portuguesa a palavra "cossolicitante". No caso de existir, é correta essa grafia?

Muito obrigada.

Resposta:

O termo cossolicitante é um termo de formação correta e resulta da junção do prefixo co-, que indica participação conjunta, associação ou colaboração (Infopédia), com o substantivo solicitante, «aquele que solicita». O objetivo da formação é, portanto, indicar «aquele que solicita em conjunto com outro(s)».

Segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (Base XVI), o prefixo co- aglutina-se, em geral, com o segundo elemento, mesmo quando este se inicia por o, como se observa em palavras como coobrigacão, coocupantecoordenar, entre outras.

Além disso, encontram-se registadas palavras como cossignatário e cosseguro, que se escrevem com dupla consoante ss. Isso ocorre porque o prefixo co- se aglutina com o segundo elemento iniciado por s, exigindo a duplicação da consoante para manter a pronúncia correta. O mesmo princípio justifica a forma cossolicitante, cuja grafia está em conformidade com as normas do AO 90.

Pergunta:

Questiono-me quanto à diferença efetiva entre mostrar e demonstrar?

Por exemplo, o verbo demonstrar na frase «O Cavaleiro demonstra-se resiliente», o verbo demonstrar não me parece aceitável, por não poder ser reflexivo. Logo, a forma correta seria «O Cavaleiro mostra-se resiliente».

No entanto, na frase «O Cavaleiro demonstra resiliência», o verbo já me parece aceitável. Por outro lado, os dicionários apresentam definições que apontam para ambos serem sinónimos um do outro. Assim sendo, como posso explicar de forma coerente e clara a diferença entre os dois verbos?

Muito grata

Resposta:

Na verdade, o verbo demonstrar pode ser pronominal, registado com o significado de «dar-se a conhecer; mostrar-se» (Infopédia)1. Por essa razão, ao enunciar-se a frase «O cavaleiro demonstra-se resiliente» não se incorre em erro. Neste caso o que se pretende dizer é que o cavaleiro evidencia uma dada qualidade, a da sua resiliência através de ações ou comportamentos.

Por outro lado, também podemos ter «o cavaleiro mostra-se resiliente». Não podemos, no entanto, afirmar que são frases cem por cento sinónimas na medida em que se sugere apenas que o cavaleiro apenas manifesta ou revela a qualidade de ser resiliente, sem a característica de evidência ou clareza adicional sugerida por demonstrar-se .

Já na frase «O cavaleiro demonstra resiliência», o verbo demonstrar é usado no sentido de «fazer ver, mostrar» essa característica. Aqui, não se trata de um reflexo interno (como no pronominal demonstra-se), mas de uma ação que evidencia a resiliência por meio de comportamentos ou atitudes concretas. A frase enfatiza o processo de mostrar algo com clareza e fundamento, destacando o caráter de prova ou evidência implícito em demonstrar. Neste caso, mostrar seguido de nome é também possível, praticamente com o mesmo significado, muito próximo de manifestar, mais uma vez sem a ênfase associada a demonstrar.

1 O uso de demonstrar-se associado a um adjetivo com a função de predicativo do sujeito está abonado pelo Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (coordenado por ...