Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

No idioma espanhol se usa perro cachorro como «filhote de mamífero».

Quando e por que foi que o idioma português trocou para sinônimo equivalente, correspondente da palavra cão?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

A questão proposta mistura, de forma não muito rigorosa, fenómenos distintos da evolução lexical do português e do espanhol. Não se trata de o português ter “trocado” um termo por influência do espanhol ou vice-versa, mas sim de cada língua ter desenvolvido, de forma autónoma, formas populares que vieram a substituir, no uso corrente, os vocábulos herdados diretamente do latim clássico.

Em português europeu, o termo cão, proveniente do latim canis, é comummente utilizado. Já a palavra cachorro, por outro lado, também tem origem antiga, com testemunhos desde a Idade Média, sendo referente originalmente ao filhote de cão ou, em sentido mais amplo, de outros animais mamíferos. Com o tempo, particularmente no português do Brasil, o vocábulo generalizou-se para designar o animal adulto, tornando-se a forma predominante no uso quotidiano. Este fenómeno pode dever-se a mecanismos linguísticos comuns, como a tendência para o uso de formas mais afetivas ou eufemísticas no convívio familiar e popular.

Já no espanhol, o vocábulo corrente para cão é perro, cuja etimologia, segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola, é incerta. De acordo com Diccionario crítico etimológico castellano e hispânico, trata-se possivelmente de uma forma originada por onomatopeia — como prrr ou brrr — usada por pastores para chamar ou incitar os cães no trabalho com o gado. Antes da consolidação de perro, o espanhol usava can, forma culta derivada do latim canis, que ainda ...

Quando o português e o inglês dizem o mesmo de forma diferente
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Rebelião no uso da língua portuguesa na literatura
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Pergunta:

Vejo os termos agoniante e agonizante sendo usados para falar de situações difíceis ou angustiantes, mas não sei exatamente quando usar um ou outro.

Gostaria de entender melhor em que contextos cada um é mais apropriado e se há alguma diferença de sentido ou uso entre eles.

Obrigada.

Resposta:

A dúvida entre os termos agoniante e agonizante é comum entre falantes do português, dada a semelhança morfológica e sonora entre os dois termos. No entanto, apesar de ambos estarem relacionados com a palavra agonia, os seus usos e sentidos são diferentes.

Agoniante é, segundo os dicionários Infopédia e Priberam, o que provoca agonia, no sentido de aflição, angústia ou sofrimento emocional. Trata-se de um termo que descreve a sensação de quem vivencia uma situação difícil, tensa ou perturbadora, como ilustrado em (1). 

(1) «A espera pelo diagnóstico foi agoniante.»

Neste exemplo, não se trata de uma agonia física, mas sim de um estado psicológico de inquietação. Do ponto de vista morfológico, agoniante resulta da junção do verbo agoniar com o sufixo -nte, que expressa a ideia de agente, ou seja, algo que provoca a agonia.

Já agonizante, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, refere-se a algo ou alguém que está em agonia, isto é, em estado terminal ou prestes a morrer, como se observa em (2). Pode também ser usado em sentido figurado para indicar algo em decadência ou em vias de desaparecer, como exemplificado em (3). 

(2) «O doente estava em estado agonizante.»

(3) «A empresa vive uma fase agonizante, sem perspetivas de recuperação.»

Etimologicamente, este termo deriva do verbo 

Pergunta:

Venho perguntar qual das frases é correta, ou mais correta: "passamos a vida a rebolar-nos na erva" ou "passamos a vida a rebolarmo-nos na erva"?

Resposta:

Ambas as construções podem ser consideradas aceitáveis no português europeu contemporâneo, embora obedeçam a diferentes critérios gramaticais e estilísticos.

Na frase «Passamos a vida a rebolarmo-nos na erva», recorre-se ao infinitivo pessoal, estando o verbo pronominal rebolar-se flexionado na primeira pessoa do plural (rebolarmo-nos). Esta flexão marca a concordância com o sujeito da oração — nós — subentendido na forma verbal passamos.

Por outro lado, na construção «Passamos a vida a rebolar-nos na erva», utiliza-se o infinitivo impessoal, ou seja, o verbo permanece na forma base (rebolar), seguido do pronome reflexivo. Embora esta forma não manifeste a concordância explícita com o sujeito, é amplamente usada e considerada aceitável.

Segundo Cunha e Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 2015, p. 608), há uma tendência para o uso do infinitivo impessoal em orações subordinadas introduzidas por preposição, como é o caso da preposição a nesta construção. Trata-se, no entanto, de uma preferência de uso, e não de uma imposição gramatical.

De notar que o uso do infinitivo pessoal se torna obrigatório apenas em contextos em que seja necessário identificar inequivocamente o sujeito da oração subordinada, sendo este distinto do sujeito da oração subordinante, ou em casos em que possa haver ambiguidade interpretativa.

Como alternativa, pode optar-se po...