Guilherme de Almeida - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Guilherme de Almeida
Guilherme de Almeida
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Guilherme de Almeida (Lisboa, 1950) é licenciado em Física, autor português e professor aposentado. Publicou, entre outras obras, Sistema Internacional de Unidades – Grandezas e Unidades Físicas, Terminologia, Símbolos e Recomendações, livro recomendado pela Sociedade Portuguesa de Física. Tem mais de 100 artigos publicados. Ver mais aqui e na página deste autor.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deve dizer-se «medir uma massa» ou «determinar uma massa»?

«Pesar um corpo», e não «medir a massa (ou o peso) de um corpo»?

Penso que medir se deve reservar para outras grandezas que não a massa (medir um comprimento, medir a temperatura, medir a pressão).

Tradicionalmente determinar uma massa é referido como pesar, embora massa e peso sejam diferentes.

Por esta razão foi criada a Comissão Internacional de Pesos e Medidas, em vez de «Comissão Internacional de Medidas».

Atentamente,

Resposta:

Não há aqui uma questão normativa absoluta, mas é possível indicar algumas circunstâncias que dão preferência por uma ou por outra forma de expressão, entre o medir e o determinar. Não há sempre uma fronteira nítida, vinculativa e gravada na pedra, entre medir e determinar.

De uma forma geral, medir corresponde à medição directa. Mede-se uma temperatura usando um termómetro que nos dá a medida da temperatura através do comprimento de uma coluna de mercúrio (ou de outro líquido), comprimento esse que varia com a temperatura (varia de uma forma conhecida), estando o instrumento de medição assim calibrado; neste caso, mede-se recorrendo a uma outra grandeza relacionada com a que queremos medir. Do mesmo modo, mede-se directamente o comprimento de um objecto usando uma régua graduada.

Se a medição é indirecta, isto é, se o operador (a pessoa que mede) não tem acesso directo à grandeza pretendida, medindo outras grandezas com ela relacionadas e fazendo cálculos para chegar ao valor da grandeza que quer conhecer, usa-se geralmente a palavra determinar. Por exemplo, determina-se a resistência eléctrica de um condutor medindo a diferença de potencial entre os seus terminais e a corrente que o atravessa, calculando-se a resistência dividindo a primeira leitura pela segunda. Quanto à pressão, sobretudo no caso de um gás ou de um líquido, usando um manómetro estaremos a medir a pressão, com toda a propriedade do termo. Mas  no caso de um sólido assente sobre outro, mediremos a força exercida (F) e a área de contacto (S) , para determinar a pressão dividindo F por S... Mas, mesmo neste último caso, se acaso tivermos um sensor de pressão (que reage dando, por exemplo, um sinal eléctrico proporcional a essa pressão), podemos medir a tal press...

Pergunta:

Respeitosamente, quero dizer que as indicações dadas no artigo "Bares e pascais, de novo" estão em discordância com a regulamentação normativa do INMETRO a respeito do assunto.

Considerando que é esse Instituto quem tem a palavra final sobre isso em nosso país, sugiro que nos adequemos ao que ele estabelece. Para isso, indico a leitura da Portaria 590/2013, a qual, na página 4 do Anexo, determina que o plural de pascal é pascals, entre outros exemplos.

Não obstante, quero parabenizar o excelente trabalho feito por esse blog Ciberdúvidas.

Um abraço.

Resposta:

O plural de "pascal" é "pascals" quer no Brasil quer em Portugal.

Não está normalizada, a nível internacional, a formação de plurais dos nomes das unidades, a qual depende, portanto, da língua. Em francês1, normalizou-se o critério de os nomes das unidades acabados em s (como "siemens"), x ("lux") e z ("hertz") terem forma plural igual à forma singular. Nos restantes casos, os plurais dos nomes das unidades formam-se acrescentando um s à forma singular.

Do ponto de vista das regras gramaticais do português, iríamos para a forma "pascais", o que me parece deselegante.

Por outro lado, no que depende da língua, há diferenças de país para país, e obviamente não se segue o INMETRO em Portugal, país onde essa normalização cabe ao Instituto Português da Qualidade (IPQ)2. Contudo, de acordo com informação do IPQ3, o plural de "pascal" é "pascals" também em Portugal. Não é uma formação plural conforme às regras gramaticais, no sentido estrito, e representa uma conveniência para este uso concreto, pois preserva, sem desfigurar, a grafia original do nome da unidade quando este se encontra no singular. O acréscimo do s para a formação do plural do nome de cada unidade é um critério geral conveniente pelas razões acima apontadas4.

No que se refere aos plurais dos nomes de unidades acabados em x (como "lux"), em s (como "siemens") e z (como "hertz"), algo conviria dizer. Na minha opinião – meramente pessoal – nestes casos o substantivo deveria ficar invariável no plural. Tal como fazemos com a palavra lápis. No entanto, seria bom que se explicitasse este critério para uso em Portugal, veiculando-o através dos organismos e canais de informação oficiais. Os decretos-leis que foram surgindo sobre o us...

Pergunta:

Surgiu-me uma dúvida sobre a necessidade ou, até, obrigatoriedade de repetir o símbolo de graus Celsius numa sequência de valores, como na seguinte frase:

«A uma temperatura ambiente de +10 °C a 35 °C, a temperatura interior do aparelho deve situar-se entre +2 °C e +8 °C.»

Nas minhas pesquisas, encontrei a supressão da medida apenas em textos jornalísticos que eliminavam, porém, também a referência a «Celsius», como neste exemplo:

«Outono começa hoje com temperaturas entre 20 e 27 graus e chuva no Minho» (Diário de Notícias, 23/09/2019).

Daí a dúvida que gostava de ver esclarecida: numa frase semelhante à primeira que cito, deve escrever-se «temperatura ambiente de +10 °C a 35 °C» ou também é possível escrever «temperatura ambiente de +10 a 35 °C»?

Muito obrigada pelo vosso trabalho incansável, pelo auxílio precioso que prestam a toda a comunidade de falantes da língua portuguesa.

 

O consulente segue a norma ortográfica de 45.

Resposta:

O objectivo da  simbologia é criar critérios uniformes entre todos os utilizadores de tal simbologia e, também, evitar a confusão e a ambiguidade.

O que está está recomendado1 é repetir o símbolo da unidade:

2 cm a 4 cm;
100 g a 110 g;
70 °C a 80 °C;
30 s a 35 s.2

E faz sentido, por duas razões:

1. Na representação  de uma grandeza física, um número deve ser sempre seguido do símbolo da respectiva unidade. Nos casos das grandezas adimensionais, em que a unidade é o número 1 (índice de refracção, coeficiente de atrito, etc.), seria então, por exemplo, «o índice de refração do vidro deverá situar-se entre 1,5 e 1,7». O critério mantém-se.

2. Numa indicação como, por exemplo, «3  a 4 m», nada garante que o primeiro «3» se refere também a metros.

 

1 Cf. National Institute of Standards and Technology (NIST), secção 12. Como se trata de fonte em inglês, há que ter em conta as idiossincrasias linguísticas, e. g. o uso do ponto onde em português se emprega a vírgula: em inglês, 13.6, mas, em português, 13,6.

2 O mesmo critério também se deve empregar para indicar variações em relação a um dado valor. Por exemplo:

m = 100 g ± 4 g

para referir que a massa m pode situar-se entre 96 g e 104 g. Esta indicação permite a forma alternativa

m = (100 ± 4) g, equivalente à anterior.

Neste último caso, o emprego dos parênteses permite que o símbolo da unidade (neste exemplo o símbolo do grama) vá afectar os dois números.

Um preço inexistente
A forma errónea 0,37 "cêntimos", a propósito do custo do petróleo

O começo do mês de março de 2020 fica marcado não só pela propagação da doença do coronavírus, mas também pela queda do preço do petróleo em resultado de um diferendo entre a Federação Russa e a Arábia Saudita. Um jornal português até dá conta de o petróleo estar mais barato do que a própria água, que por litro custa cerca de... "0,37 cêntimos". Mas será este o valor que se pretende mencionar? O professor Guilherme de Almeida, especialista em termos e unidades de medida, explica como a notícia exibe e reitera um erro crasso.

O autor segue a ortografia anterior à norma atualmente em vigor.

Com 2020, termina ou começa uma década? (II)
Um critério para que toda a gente se entenda

Como aqui assinalámos, o ano 2020 gerou algumas interrogações acerca de se tratar ou não do começo de uma nova década. Sobre esta questão,  depois da opinião de D'Silvas Filho, segue-se o parecer de Guilherme de Almeida, autor*  de Sistema Internacional de Medidas – Grandezas e Unidades Físicas.

 

* O autor segue a ortografia anterior à norma oficialmente em vigor, em Portugal