Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Atualmente, é possível encontrar em dicionários a distinção semântica entre os verbos "pontuar" e "pontoar". O primeiro, em síntese, significa "usar sinais de pontuação", ao passo que o segundo guarda o sentido de "marcar pontos" em torneio, certames, competições, etc. É incontestável que os verbos citados possuem outros significados, mas a dúvida incide sobre a (im)possibilidade de se utilizar "pontuar" com o sentido de "marcar pontos". Vejamos algumas observações:

1. Cegalla, em seu "Dicionário de dificuldades da língua portuguesa", estabelece tal separação de sentido: "pontoar" para marcar pontos em torneio, "pontuar" para sinais de pontuação.

2. O Dicionário Houaiss também discrimina os sentidos, mas, ao fim do verbete "pontuar", sinaliza que este é sinônimo derivado de "pontoar".

3. O Dicionário Caldas Aulete, hodiernamente, registra "pontuar" com o sentido de "marcar pontos".

4. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa indica "pontuar" com o sentido de "usar sinais ortográficos".

5. Os dicionários Michaelis e Priberam diferenciam "pontuar" e "pontoar" conforme a corrente majoritária (o primeiro para sinais de pontuação, o segundo para marcar pontos).

6. Em dúvida similar enviada à Academia Brasileira de Letras, a resposta que obtive contempla o verbo pontuar com os sentidos de "4 t.d. atribuir grau, nota, ponto a (prova, trabalho, desempenho etc.) ‹o professor esqueceu-se de p. duas questões›" e de "5 int.; desp marcar pontos ‹p. numa partida de muitos gols›".

Diante do que foi exposto, minha dúvida remanesce em razão da massiva divulgação por professores de que construções como "o aluno pontuou pouco no certame" estariam incorretas. Logo, pergunto: é aconselhável escrever com tal distinção, é obrigatório ou é facultativo?

Obrigado

Resposta:

Dentro dos estudos normativos, existe a seguinte premissa basilar: o uso precede e determina a norma.

Quando se trata de palavras empregadas em registro linguístico formal, é preciso verificar os usos reais das palavras em apreço nesse registro para verificar qual é a frequência das duas, a fim de atestar a norma.

Assim, o Corpus do Português comprova que, no registro formal do português brasileiro, só se usa "pontuar" como sinônimo de "marcar pontos" (num contexto de competição esportiva e quejandos). Somam-se a isso diferentes fontes normativas atualizadas que já registram tal fato linguístico. Por conseguinte, não há razão para desabonar esse uso, tampouco distinguir obrigatoriamente "pontuar" de "pontoar".

Penso que os dicionários tenham de atualizar o verbete "pontoar", sinalizando ser arcaico no português brasileiro contemporâneo e no português europeu, pois sua ocorrência é praticamente inexistente no Corpus do Português.

Sempre às ordens!

 

Pergunta:

As palavras inimigo, desafeto e rival são sinônimas absolutas?

Sinônimas conforme o contexto em si? Ou não são sinônimas de jeito nenhum?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Não existem sinônimos perfeitos. Tudo dependerá do contexto.

Um inimigo é alguém com quem há hostilidade declarada, ódio ou conflito direto. Um rival é alguém com quem se disputa algo, mas sem necessariamente haver inimizade ou ódio, podendo ser só um concorrente, um adversário. Já um desafeto é alguém com quem se tem antipatia ou desavença, mas sem necessariamente ser um inimigo ou rival. Em outras palavras, dois políticos podem ser rivais, mas não necessariamente inimigos ou desafetos.

Agora, esses três vocábulos podem ser, contextualmente, intercambiáveis. Veja um exemplo: «O presidente se recusou a conversar com seu antigo inimigo/rival/desafeto.»

Entenda: não há sinonímia absoluta, mas contextualmente se pode usar uma palavra por outra, ainda que cada palavra carregue sua própria carga emocional.

Sempre às ordens!

Pergunta:

Há uma questão do IME-RJ 2018 que coloca a seguinte frase:

«Só o bobo é capaz de excesso de amor.»

A alternativa correta da questão indica que é um advérbio que se refere ao termo bobo.

No entanto, no contexto da frase, se bobo é um substantivo, como o termo pode ser um advérbio, sendo que os advérbios são modificadores de verbos, de advérbios ou de adjetivos?

Obrigada.

Resposta:

Este é um ponto muito polêmico na gramaticografia tradicional brasileira.

Dentro dessa tradição gramatical, poucos gramáticos mencionam a possibilidade de o advérbio poder modificar substantivo: Gladstone Chaves de Melo, Napoleão Mendes de Almeida, Evanildo Bechara, Silveira Bueno. Não sendo uma gramática normativa, mas sim descritiva, Maria Helena de Moura Neves também estende aos advérbios a possibilidade de modificar outras classes gramaticais.

A maioria dos estudiosos tradicionais, porém, não registra tal possibilidade, afirmando que o advérbio pode modificar tão somente as seguintes classes gramaticais: verbo, adjetivo ou outro advérbio. Guiam-se eles, direta ou indiretamente, pela lição de José Oiticica em seu livro Manual de Análise Léxica e Sintática, no qual alista um grupo de palavras chamadas por ele «palavras denotativas», por não se enquadrarem na classe dos advérbios.

No capítulo de advérbio de sua gramática, assim Bechara esclarece a questão:

«A Nomenclatura Gramatical Brasileira põe os denotadores de inclusão, exclusão, situação, retificação, designação, realce, etc. à parte, sem a rigor incluí-los entre os advérbios, mas constituindo uma classe ou grupo heterogêneo chamado denotadores, que coincid...

Pergunta:

Qual a opção correta?

1) Tudo na mais perfeita paz e ordem?

Ou:

2) Tudo nas mais perfeitas paz e ordem?

E por quais motivos está correta mesma?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Segundo a gramática tradicional brasileira (visão esmagadoramente majoritária), quando um adjetivo, com função de adjunto adnominal*, antecipa dois ou mais substantivos, a concordância nominal se dá com o primeiro elemento. Logo, segundo a norma-padrão brasileira, o certo é «Tudo na mais perfeita paz e ordem».

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, adotou-se na explicação a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Considere-se a seguinte estrutura:

«Temperaturas extremas causaram impactos sem precedentes nos oceanos.»

O segmento «nos oceanos» corresponde a um adjunto adverbial de lugar ou a um complemento verbal do verbo causar?

Desde já meu agradecimento.

Resposta:

Tanto o dicionário de regência verbal de Celso Pedro Luft quanto o de Francisco Fernandes, as duas maiores referências da tradição gramatical brasileira, informam que o verbo causar é transitivo direto e indireto*, ou seja, exige um objeto direto e um objeto indireto.

No caso em tela, temos «impactos sem precedentes» como objeto direto e «nos oceanos» como objeto indireto.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, foi empregada na resposta a terminologia gramatical brasileira.