Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Nossos parentes são muito leais para serem nossos acusadores», o termo «para serem nossos acusadores» é agente da passiva?

Oração subordinada completiva nominal? Oração subordinada adverbial final?

Obrigado.

Resposta:

Dos gramáticos normativos tradicionais, quem responde a esta questão é Domingos Paschoal Cegalla.

Segundo ele, quando a preposição para equivale a «a ponto de», introduz uma oração subordinada adverbial consecutiva.

Logo, a frase «Eles são muito leais para serem nossos acusadores» equivale a «Eles são muito leais a ponto de serem nossos acusadores», em que para/a ponto de serem nossos acusadores não é um termo, e sim uma oração subordinada adverbial consecutiva reduzida de infinitivo.

Não poderia funcionar como agente da passiva, pois esta função sintática não é introduzida pela preposição para, e sim pela preposição por. Também não poderia funcionar como complemento nominal, pois o adjetivo leal não exige complemento oracional. Por fim, não poderia ser adverbial final, pois não exprime nenhuma noção de finalidade.

Sempre às ordens!
 
* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

 

Língua x estilo: sabe a diferença?
Sistema linguístico e escolhas individuais

«A LÍNGUA é o guarda-roupas: um sistema vasto, flexível, pleno de possibilidades. Já o ESTILO é a escolha feita dentro desse sistema – escolha que varia conforme o lugar, o tempo, a intenção, a identidade de quem fala.»

São palavras do gramático brasileiro Fernando Pestana a  respeito das diferenças entre o português europeu e o português do Brasil, interpretadas à luz da distinção entre língua e estilo. Apontamento publicado no mural do autor no Facebook em 1 de maio de 2025 e aqui transcrito com a devida vénia.

Pergunta:

Na frase «Ele estuda tão pouco», o termo «tão pouco» é uma locução adverbial de intensidade? Ou dois advérbios de intensidade?

Obrigado.

Resposta:

De acordo com a tradição gramatical brasileira*, são dois advérbios de intensidade, em que pouco indica o grau de intensidade na ação de estudar e tão (termo acessório na frase) amplifica esse grau de intensidade.

Veja a diferença de sentido, quanto à intensidade:

– Ele estuda pouco.

– Ele estuda tão pouco.

O grau de intensidade entre a primeira e a segunda frase é evidente. Na primeira, pouco modifica o sentido do verbo estudar. Já na segunda, o advérbio de intensidade tão acentua o sentido de pouco, constituindo o grau superlativo absoluto analítico deste advérbio.

Sempre às ordens!

 
* Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Na frase «Enamorou-se, jovem, de Gabriela», jovem seria um predicativo do sujeito oculto?

Eu poderia considerar que há uma oração elíptica (quando era jovem) para justificar que jovem é um predicativo?

Muito obrigado!

Resposta:

Segundo a tradição gramatical brasileira¹, o adjetivo exerce duas funções sintáticas: adjunto adnominal ou predicativo.

Quando funciona como adjunto adnominal, vem ao lado de um nome, o que não é o caso.

Por exclusão, o adjetivo jovem só pode funcionar como predicativo do sujeito, pois se refere ao sujeito da frase.

Há alguma polêmica² entre certos estudiosos sobre a possibilidade de interpretar o segmento entre vírgulas como uma oração subordinada adverbial temporal oculta («Enamorou-se, [quando era] jovem, de Gabriela»); ainda outros aventaram a possibilidade de ser um aposto com núcleo implícito («Enamorou-se, [rapaz] jovem, de Gabriela»). Mas, no Brasil, ambas as visões não tiveram aderência dentro do ensino tradicional de gramática.

Em suma, o termo sintático jovem é um predicativo do sujeito, compondo o predicado verbo-nominal da frase.

Sempre às ordens!

¹ Por ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira.

² Sugerimos a ampliação do estudo sobre esse tema na gramática de Evanildo Bechara (seja na parte de anexo predicativo, seja na parte de aposto). Ademais, vale a pena investigar o assunto no livro Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa, de Amini Boainain Hauy.

Variantes popular e culta no português europeu
Brasileirismos ou arcaísmos lusitanos?

«Muito do que se entende por "brasileirismo" nada mais é do que arcaísmo lusitano ou formas dialetais lusitanas cicatrizadas na fala popular ou interiorana do português brasileiro — ainda que com alguma ligeira diferença cá e acolá» – afirma o gramático brasileiro Fernando Pestana neste apontamento publicado no seu mural de Facebook (17/04/2025).