Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual frase está correta ou ambas estão?

«Ganhei como prêmio um cheque de um mil reais.»

«Ganhei como prêmio um cheque de mil reais.»

Resposta:

Na norma-padrão do português brasileiro, não se usa um antes de mil, segundo todos os gramáticos normativos consultados.

Logo, o certo é «Ganhei como prêmio um cheque de mil reais».

Sempre às ordens!

Pergunta:

«Tanto... quanto» é locução conjuntiva comparativa quando essas palavras ligam orações ou elementos de mesma função sintática, funcionando como elementos coesivos. Porém, as duas palavras também estão inclusas nas classes morfológicas de pronomes indefinidos e de advérbios de intensidade.

1. Como locução conjuntiva, a expressão é sempre invariável ou há casos em que pode flexionar de acordo com o substantivo?

Por exemplo, todas as seguintes frases estão corretas e empregam esse tipo de conectivo?

«Tanto cães quanto gatos são amáveis.»

«Tanto Joana quanto Bia estavam lá.»

«Pegou tantos docinhos quantos pôde.» [Conjunção, pronome ou ambos?]

«Olha, eu estou assistindo tanto quanto você.» [Conjunção, advérbio ou ambos?]

O que me leva à segunda pergunta:

2. Esse conectivo é derivado dos pronomes e advérbios ou têm algo de essencialmente diferente, que o constitui como conjunção?

Obrigada.

Resposta:

Uma locução conjuntiva é um grupo de vocábulos, um todo semântico com valor de conjunção. Exemplos: «no entanto», «não obstante», «por isso», «por conseguinte», «visto que», «ainda que», «contanto que», «depois que», «à medida que», «para que», etc.

Segundo as gramáticas brasileiras*, «tanto... quanto» ou «tanto... como», quando conectam orações («Tanto estudo quanto/como trabalho») ou termos («Tanto Maria quanto/como João estudam português»), são conjunções correlativas aditivas, e não locuções conjuntivas.

Só é preciso perceber que, em outras situações, o quanto ou o como podem ser conjunções comparativas, estabelecendo uma ideia de igualdade. Portanto, não confunda a construção «tanto... quanto/como» aditiva com «tanto... quanto/como» comparativa – note que a mera mudança de posição dos vocábulos pode alterar a relação semântica e a consequente classificação das palavras:

– Ela tanto ri quanto chora. (adição)

Ou seja, ela ri e chora. Neste caso, «tanto... quanto» são conjunções correlativas; isto é, aparecem juntas nessa construção para, de forma mais enfática, realçar a ideia de adição – afinal «Ela ri e chora» não tem o mesmo realce que «Ela tanto ri quanto chora».

– Ela chora tanto quanto ri. (comparação por igualdade)

Ou seja, ela experimenta tristeza e alegria em igual medida. Nesse caso, por ser uma estrutura de comparativo de igualdade, o tanto é um advérbio de intensidade, porque modifica o sentido de chorar, e o quanto, por conectar as orações «Ela chora tanto» e «ri», é uma conjunção comparativa. O mesmo se dá na frase trazida pela consulente: «Olha, eu estou assistindo tanto quanto você», em que o verbo (ou locução verbal) da oração comparativa está implícito: «Olha, eu estou assistindo tanto quanto você (está assistindo)».

...

Pergunta:

Aprendi que o pronome quem concorda com a terceira pessoa do singular.

Por que então há exceções?

Exemplo 1: «Quem são vocês?»

Exemplo 2: «Foram eles quem fizeram essa bagunça?»

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Em «Quem são vocês?», há um caso especial de concordância do verbo ser, que concorda com o predicativo do sujeito, vocês. Em construções desse tipo, com pronomes interrogativos com função sintática de sujeito, o verbo ser sempre concordará com o predicativo. Esse verbo tem muitas peculiaridades na língua portuguesa, não só na concordância.

Quanto a «Foram eles quem fizeram essa bagunça?», há dupla possibilidade de concordância dentro da norma culta, a saber: em construções semelhantes a esta (verbo ser + pronome reto ou substantivo + quem + verbo), o verbo após o quem pode concordar com o quem, ficando na 3.ª pessoa do singular, ou com o seu antecedente, ficando na mesma pessoa e número dele. Exemplos:

– Foram eles quem fez a bagunça?
– Foram eles / os rapazes quem fizeram a bagunça?
– Fomos nós quem fez a bagunça.
– Fomos nós quem fizemos a bagunça.

Todas essas possibilidades são contempladas dentro da norma culta da língua portuguesa, segundo muitos gramáticos normativos.

Sempre às ordens!

Diferenças ortográficas entre o português brasileiro e o português europeu
Letras e acentos gráficos

«O Acordo Ortográfico não veio para pasteurizar a língua» – começar por declarar o gramático Fernando Pestana na apresentação de uma lista de diferenças ortográficas entre o português do Brasil e o português de Portugal. Apontamento publicado em 13 de fevereiro no mural que este autor mantém no Facebook e divulgado aqui com a devida vénia.

Pergunta:

Das estruturas abaixo, em relação às formas verbais, qual é a correta?

«Era seca» ou «era secada»?

«A roupa era seca ao sol.»

«A roupa era secada ao sol.»

Obrigada.

Resposta:

O verbo secar tem duplo particípio: seco(a/s) e secado.

Diz a gramática tradicional o seguinte: se antecedido dos verbos ser e estar, o particípio será irregular: seco(a/s); mas, se antecedido dos verbos ter e haver, o particípio será regular: secado.

Exemplos:

– A roupa era seca ao sol.
– A roupa estará seca pelo sol ainda esta tarde.

– A roupa já terá secado ao sol?
– A roupa havia secado ao sol.

Sempre às ordens!

Observação: na norma popular, diferentemente da lição acima, é normal (pelo menos no português brasileiro) usar a forma participial regular com os verbos ser e estar (A roupa era secada ao sol), conforme exemplifica a consulente.