«A República de Angola defende a elaboração de um vocabulário ortográfico nacional e a retificação de determinadas bases técnico-científicas, para validar o Acordo Ortográfico no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa», anunciou em Luanda a representante de Angola na Comissão Científica do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), Ana Paula Henriques.
A notícia, veiculada no blogue do Instituto Internacional da Língua Portuguesa – e que fica disponível também na rubrica Acordo Ortográfico – clarifica de algum modo a posição de Angola, renitente até aqui, quanto à adoção do Acordo Ortográfico. Ao mesmo tempo, os seus responsáveis reiteram a vontade de elaborarem também o seu vocabulário ortográfico, de cujos trabalhos têm estado alheados, no contexto do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa.
[Ver, ainda: Angola favorável ao Acordo Ortográfico, mas com melhorias + Angola propõe rectificações para aderir ao Acordo Ortográfico]
Pode um uso, tido como incorreto, enraizar-se de tal modo, que os juízos em seu detrimento têm de ser revistos? Claro que sim, pelo menos, tendo em conta um exemplo que vem de Espanha. Apesar de a expressão castelhana «crisis humanitaria» (ou seja, «crise "humanitária"», já aqui muito criticada) não ter aprovação geral no país vizinho, a verdade é que a Fundación del Español Urgente (Fundéu) – entidade dinamizada pela agência Efe, que conta o apoio do BBVA e a assessoria da Real Academia Espanhola, promove o bom uso linguístico nos meios de comunicação de expressão castelhana – emitiu uma recomendação em que considera válida a associação de humanitario a substantivos como crisis (crise), catástrofe, desastre ou drama, em referência a uma situação que pressupunha a intervenção de organizações humanitárias: «En principio, la palabra humanitario significa ‘bondadoso y caritativo’ y ‘que busca el bien de todos los seres humanos’ y resulta un contrasentido en el contexto de un suceso que hay que lamentar, pero el giro puede considerarse una extensión válida por la falta de una expresión clara y concisa en español que aluda a este tipo de situaciones, generalmente asociadas a desastres naturales, conflictos o violencia generalizada y desplazamientos de población». Admitindo que «crise "humanitária"» configura um contrassenso – em espanhol, tal como em português, o adjetivo humanitário tem o mesmo sentido de «em prol da humanidade» – a Fundéu considera, porém, que se trata de uma extensão do emprego do adjetivo, a qual permite obviar à falta de uma fórmula mais económica. Além disso, acrescenta-se no referido parecer, trata-se de um uso consolidado no direito internacional humanitário.*
Os argumentos encontrados para o caso espanhol facilmente se transpõem para o português. Contudo, recorde-se que mesmo em inglês, língua em que humanitarian passou a andar associada a palavras de conotação negativa, nem sempre se considera que a nova aceção é marca de bom estilo. Teremos, mesmo assim, de habituar-nos à ideia de uma crise ser, afinal, humanitária? Fica aberta a discussão, mas, entretanto, voltamos a deixar as ligações às respostas e aos artigos que já dedicamos a este tema – unânimes a condenar tal uso:
HUMANITÁRIO; O inapropriado uso do adjectivo humanitário; Porque é incorreta a expressão «crise humanitária»?; Humanitário ≠ humano; Humanitário?; Errar também será "humanitário"?; Errar é humanitário?...; Como é que uma tragédia pode ser "humanitária"!?; Quando é que um drama pode ser "humanitário"?!; Caos "humanitário"?!; Humanitário e humano; A desumanidade e o humanitarismo.
* Posição contrária tinha há anos Fernando Lázaro Carreter (1923-2004), membro da Real Academia Espanhola, a propósito do massacre ocorrido em 1994 no Ruanda. O parecer então emitido por este académico espanhol pode ser lido no portal elcastellano.org.
«Variante internacional da nossa língua» é como um jornal digital galego se refere ao português1, a propósito de um curso de iniciação ao nosso idioma que decorre em Santiago de Compostela até junho. O espírito da iniciativa, claramente favorável a uma aproximação à lusofonia, fica demonstrado através da frase promocional «a nossa língua é extensa e útil» (no cartaz reproduzido à esquerda), sugerindo, também com humor, que o galego é parte de um universo linguístico mais alargado. Do outro lado do Atlântico, as notícias dão conta de que o português é a língua que mais cresce nos Estados Unidos, em grande parte, graças às oportunidades que o Brasil ou Angola parecem por enquanto abrir aos norte-americanos. Não faltam, portanto, sinais de que a língua portuguesa está a ter reconhecimento internacional. Mas o tempo passa, e a sorte muda. Estará toda a comunidade lusófona consciente deste desafio?
1 Expressivo da atenção que o português recebe dos galegos é o memorando assinado em 19 de fevereiro p. p., entre a Junta da Galiza e o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, para a adoção do português como língua estrangeira de opção no ensino não universitário (mais informação aqui).
A guerra civil na Síria – pontuada de acontecimentos gravíssimos como «a situação em Yarmouk [que] desceu aos mais baixos níveis de desumanidade», e que, até à data, provocou 220 mil mortos, quase quatro milhões de refugiados para os países limítrofes e cerca de, 6,7 milhões de deslocados no interior do dilacerado território sírio – é todo um cenário de incomensurável tragédia... humana. Como adequadamente se descreve numa notícia desenvolvida no jornal português Público deste dia e, depois, no respetivo Editorial – com a apropriada distinção nos qualificativos utilizados conforme o que tem conotação negativa (catástrofe, tragédia, caos, desgraça... humana) e o seu oposto (assistência, socorro, missões... humanitárias). Um excelente exemplo* que bem podia ser seguido por quantos, nos demais media nacionais, persistem no erro tantas vezes aqui assinalado.
[Vide, a este propósito: O inapropriado uso do adjectivo humanitário; Humanitário ≠ humano; Humanitário?; Errar também será "humanitário"?; Errar é humanitário?...; Como é que uma tragédia pode ser "humanitária"!?; Quando é que um drama pode ser "humanitário"?!; Caos "humanitário"?!; Humanitário e humano.]
* Um (acertado) rigor que não se vê noutras situações de mau uso da língua no mesmo jornal – como é o caso da adoção da anómala grafia "jihadista", em vez da forma jiadista, como acertadamente seguem o semanário Expresso e o diário Jornal de Notícias. Sobre as razões que fundamentam a rejeição da grafia "jihadista", leia-se Porquê jiadista, e não "jihadista", O anómalo "jihadista" e "Jihadistas" contra jiadistas.
Porque será que temos o (mau) hábito de ir buscar certas palavras ao campo de diferentes patologias para criticar e até insultar quem é alvo do nosso desagrado ou da nossa irritação? Como é que as designações de uma afeção neurocomportamental e dos seus pacientes – deem-se os casos de autismo e autista – adquirem uma conotação depreciativa e não raro ofensiva, muito para além do sentido estrito da palavra em si? Não será tudo isto a projeção de preconceitos acerca de padrões de suposta normalidade? São estas algumas das questões levantadas pelas jornalistas Susana Venceslau e Gabriela Chagas, num trabalho difundido pela agência Lusa, assinalando o Dia Mundial de Consciencialização do Autismo, e que se disponibiliza em O Nosso Idioma. Igualmente nesta rubrica, e com a devida vénia também, transcreve-se uma crónica assinada pela jornalista Clara Ferreira Alves, publicada no semanário "Expresso" em 3/4/2015, à volta do uso do calão e dos eufemismos correspondentes no discurso produzido dentro e fora do vertiginoso mundo da comunicação digital.
A presente atualização sublinha a importância da perspetiva histórica para a compreensão da língua portuguesa, dando relevo ao seu património de origem latina. Por exemplo, como se explica que, em linguagem mais corrente, o vocábulo prémio, a recompensa que se recebe, seja usado quase em sentido inverso, como pagamento feito por alguém, no âmbito da atividade seguradora? Em O Nosso Idioma, Gonçalo Neves, tradutor, latinista e especialista de interlinguística, dedica um estudo pormenorizado sobre as origens latinas desta palavra, traçando a sua evolução semântica no ramo dos seguros. Refira-se que o vastíssimo contributo do latim para a compreensão de várias facetas da língua portuguesa não tem recebido em Portugal a atenção devida. Antes pelo contrário. Como se dá conta, por exemplo, em Encómio ao latim + Da Matemática ao Latim + Ir ao dicionário e brincar com as palavras + Latim: língua (mais que) morta? + Vitam regit sapientia, non fortuna + Um país sem Latim.
Uma velha questão: pode prever-se quando um nome de lugar se usa com artigo definido?* Há critérios, mas será que funcionam com o topónimo Samouco, nome de uma freguesia do concelho de Alcochete (Portugal)? E, no aportuguesamento de palavras de origem árabe, tanto faz usar ch ou x? E que significa «cavar pés-de-burro»? As respostas estão no consultório.
Lembramos que, durante a semana de celebração da Páscoa e até 6 de abril p. f., o Ciberdúvidas tem o seu consultório interrompido. Não obstante esta pausa de férias, não deixaremos de proceder a novas atualizações, como foi o caso presente – seja na colocação em linha de respostas atrasadas, seja por qualquer outro tema considerado relevante. Para assuntos que não sejam relativos a dúvidas linguísticas, continuamos disponíveis através dos contactos indicados aqui.
* Como assinala a nossa consultora Maria Regina Rocha no texto «Quarteira» ou «a Quarteira»? «Em Quarteira» ou «na Quarteira»?, existe um critério geral, o de considerar que são sempre precedidos de artigo definido os nomes de lugares, aldeias, vilas e cidades que têm origem em substantivos comuns. Por exemplo: «o Porto» (substantivo comum correspondente: porto), «a Figueira da Foz» (substantivo comum correspondente: figueira), «a Guarda» (substantivo comum correspondente: guarda), «a Cuba» (Alentejo; substantivo comum correspondente: a cuba = recipiente de madeira grande, onde se pisam uvas e onde se guarda o vinho ou o vinagre nas adegas; tonel grande, dorna para vinho), «o Rio de Janeiro» (susbtantivo comum correspondente: rio), «a Beira» (cidade moçambicana; correspondente ao substantivo comum beira = margem, orla, borda). Ocorrem sem artigo definido os topónimos não interpretáveis por substantivos comuns ou correspondentes a nomes próprios de pessoa (incluindo os nomes de santos): «venho de Lisboa», «visitei Macau», «vive em Luanda», «moro em São Paulo». Outro critério é ter em atenção o uso dos naturais e residentes do lugar em causa; por exemplo, embora muitos se referiram à localidade alentejana de Alvito, associando-lhe o artigo definido («vou ao Alvito»), a verdade é que quem lá vive emprega o topónimo sem essa marca de determinação: «moro em Alvito».
É de observar, porém, que nem sempre é possível prever o uso correto, porque há casos que contrariam os critérios enunciados, os quais podem ser agrupados em dois tipos (informação e exemplos provenientes da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, págs. 1021-1023):
a) topónimos que, apesar de coincidirem com substantivos comuns, se usam sem artigo definido (Albufeira, Espinho, Oleiros); estão também nestas condições muitos topónimos compostos em cuja constituição entram substantivos que definem tipos de lugar, como cabo («em Cabo Delgado»), campo («de Campo Maior», «para Campo de Ourique»), castelo («em Castelo Branco», «por Castelo de Vide»), castro («de Castro Daire», «em Castro Laboreiro»), monte («para Monte Gordo»), paço («de Paço de Arcos»), ponta («em Ponta Delgada»), rio («por Rio de Mouro»), torres («em Torres Novas»), vila («de Vila de Rei», «sobre Vila Nova de Gaia»);
b) topónimos que não têm origem num substantivo comum conhecido, mas que, mesmo assim, se usam com artigo definido: «a Covilhã», «a Golegã», «o Cacém», «o Buçaco».
Sobre o uso ou não de artigo definido com nomes geográficos, sugerimos a consulta das respostas e textos seguintes: Uso do artigo definido com o artigo Ucanha; Em Alvito, e não "o" Alvito; Cuba (Alentejo)/Cubanos; Uso do artigo definido com Maputo; Na Anadia ou em Anadia?; Omissão de artigo definido com Espanha, França, Itália, Inglaterra; O uso de artigo definido com Mónaco e outros nomes de países; Topónimos com ou sem artigo; O artigo em topónimos estrangeiros; Sobre o género dos topónimos; A e à + topónimos; «Em África» ou «na África»?; [Nas] Caldas da Rainha; Hospital de Pombal; «Quarteira» ou «a Quarteira»? «Em Quarteira» ou «na Quarteira»?; Em/no Recife, de novo; Uso do artigo definido com Maputo (Moçambique)
Na rubrica O Nosso Idioma, transcreve-se do semanário luandense Nova Gazeta uma nova crónica do jornalista Edno Pimentel sobre uma variante incorreta do verbo acreditar, nos usos do português coloquial de Angola. Na rubrica Correio, damos nota do contributo do consulente Alberto Mininho Castinheira, de Zamora (Espanha), a uma anterior resposta sobre a etimologia do substantivo menino, também empregado como apelido/sobrenome. No consultório, a atenção vai para o uso dos verbos zangar-se, candidatar-se e cumprir, além de se esclarecerem dúvidas sobre a locução «a curto prazo», a história da flexão dos verbos irregulares e a expressão «fazer um discurso».
Entretanto, durante a semana de celebração da Páscoa, as atualizações do consultório fazem uma pausa, com regresso marcado para 6 de abril. Neste período fica por isso inacessível o formulário para o envio de questões; mas, como é hábito, deixaremos em linha material que aguardava publicação ou que se imponha pela sua atualidade em matéria de língua. Para assuntos que não sejam relativos a dúvidas linguísticas, continuamos disponíveis através dos contactos indicados aqui.
«(...) e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam
(...)»
Herberto Helder, A Faca não Corta o Fogo – Súmula & Inédita, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, págs. 572/573*
Morreu Herberto Helder (1930-2015), se não o maior, um dos maiores poetas portugueses da segunda metade do século XX. Pouco dado à exposição mediática, Herberto Helder criou uma obra que reiteradamente subverte a língua pelo poema e pela escrita: «[o poema] erra-a [a língua], desfigura-a e amplia-lhe os jeitos, enxerta-lhe novos possíveis discursivos; reinventa-a: reforja o léxico e as relações vocabulares; perturba as formas e os ritmos sintácticos; produz imagens e figuras no regime alucinatório das iluminações e das radiações, que ferem a língua e rasgam a boca e os céus demasiado serenos da significação pré-definida» (Nuno Júdice, "As fronteiras do poético na poesia de Herberto Helder", Diacrítica, 2009, pág. 143). De entre o muito que se tem publicado a propósito deste autor, propomos uma peça do jornal Público, na qual o ator Luís Miguel Cintra diz o poema Lugar (in Poesia Toda) – para ver e (sobretudo) ouvir aqui. Deixamos ainda a ligação para algumas reações ao falecimento de Herberto Helder: "O melhor que disseram de mim foi quando estiveram calados"+"Uma energia cósmica" + "Herberto Helder: as reações à partida do `mestre´" + "Morreu Herberto Helder, a voz mais fulgurante da poesia portuguesa" + "Arnaldo Saraiva: um `mago da palavra que tira magia em tudo que toca´" + "Herberto Helder, o poeta".
* Citado por Rosa Maria Martelo, "Em que língua escreve Herberto Helder?", Diacrítica, 2009, pág. 164.
No contexto da globalização, o português também se afirma como exportador de palavras: fado, samba, saudade já são conhecidas dos dicionários de língua inglesa. E o Brasil conseguiu, entretanto, insinuar em domínios anglo-saxónicos o seu jeitinho («maneira hábil, esperta, astuciosa de conseguir algo, esp. algo que à maioria das pessoas se afigura como particularmente difícil; jeitinho brasileiro», Dicionário Houaiss). Mas cedo se juntou um (quase) equivalente luso – desenrascanço, derivado de desenrascar –, sonoramente bárbaro e presença recorrente em páginas eletrónicas que inventariam as palavras que faltam ao inglês para se tornar uma verdadeira língua global. O jornal digital português Observador assinala o facto, em notícia sobre uma nova recolha, intitulada 28 belas palavras que a língua inglesa deveria roubar. Também no Diário de Notícias, essa inclusão foi tema de uma crónica do jornalista Ferreira Fernandes, aludindo à crise que se arrasta em Portugal: «O vocábulo português que está na lista, desenrascanço (lugar 14), ilustra bem quanto o negócio vai ser favorável à América, Reino Unido e a toda Commonwealth. Sim [nós, portugueses], somos exímios no desenrascar. Mas para chegarmos ao apuro de deixar as coisas por fazer até ao último minuto e, num repente, encontrar uma solução satisfatória, saiu-nos do pelo. E eles vão tê-lo de graça.»
A verdade é que a importação de palavras inglesas é imparável, e um novo anglicismo entra em cena: overhang, ou seja, «uma nuvem negra que pende (hang) sobre (over) a recuperação económica não só em Portugal mas, também, em boa parte da zona euro» (de um artigo do Observador).
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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