No português falado em Angola, é recorrente a alteração errónea do significado dos verbos – por exemplo, acontece empregar-se, por vezes, a voz ativa com sentido passivo. Edno Pimentel aponta um caso desses, o do uso do verbo internar.
[Crónica publicada na coluna Professor Ferrão do semanário luandense Nova Gazeta, de 23 de julho de 2015, à volta dos usos do português em Angola.]
Esta é daquelas missões em que não nos podemos aborrecer mesmo que os alunos, depois de muita explicação, não absorvem o que se lhes transmite. Ser professor é assim mesmo. Paciência! Nada de cara trancada. Para quê (só) chamar nomes feios aos alunos? É que eles vivem em sociedade, estão sob várias influências e, que muitas vezes, chegam a ser mais fortes do que os ensinamentos que recebem da escola.
Embora ainda meninas, a delegada e a sua assistente de uma das turmas por onde passo estão sempre, sem qualquer má intenção, a colocar-me entre a parede. «Se o professor disse que só se evacuam os lugares, os espaços, os nossos órgãos intestinais, como é que eu ouvi hoje, na rádio, alguém dizer os “dois feridos foram evacuados para o hospital”?», questionaram-me.
As minhas técnicas didáctico-pedagógicas, às vezes, parecem não servir porque o modo como os erros/desvios são veiculados pelos media – que têm servido de referência para muitos estudantes – leva muito boa gente a pensar que o certo é errado e vice-versa.
Não foi difícil confirmar isso. Durante o [noticiário] da tarde, uma das televisões locais noticiou que os feridos que tinham sido, erradamente, "evacuados" (levados, transportados, transferidos) para o hospital, "internaram" e [que só poderiam] ter alta [dali] a dois dias.
Os doentes não "internam", pelo contrário, são internados num hospital. Alguns pais também internam os seus filhos (em internatos) para melhor se dedicarem aos estudos. Os meninos que são internados – não os que internam – são bem-sucedidos no fim da formação.
Vindo de uma rádio de referência, quem dirá que há desvio? O que espero, agora, é que esses doentes feridos melhorem e que não sejam evacuados, como muita gente tem sido, de lugares desagradáveis.
Crónica de Edno Pimentel publicada na coluna Professor Ferrão no semanário luandense Nova Gazeta, em 23 de julho de 2015. Título da responsabilidade do Ciberdúvidas, tendo-se mantido a norma anterior ao Acordo Ortográfico, conforme a seguida ainda em Angola.