21 de março, Dia Mundial da Poesia. Assinalado um pouco por todo lado, permita-se-nos uma referência específica à iniciativa do Teatro Sá da Bandeira, no Porto – que põe em cena, no dia 23, o espetáculo A Minha Pátria é a Língua Portuguesa, com textos de Fernando Pessoa, cruzando-se com os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares. Deste, em concreto, lembremo-lo aqui, na rubrica Antologia – onde muitos poemas à volta da língua portuguesa, de autores lusófonos de todos os tempos, se encontram aí coligidos. É o caso deste tão celebrado soneto do brasileiro Olavo Bilac:
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: «Meu filho!»
E em que Camões chorou, no exílio amargo
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
O fascínio exercido pela chamada "língua do povo" sobre os filólogos e lexicógrafos do século XIX e da primeira metade do século XX (por vezes, com alguma idealização romântica) levou-os a registá-la sistematicamente em publicações como a Revista Lusitana. Contudo, ainda hoje no discurso coloquial afloram expressões que, por qualquer razão, não se acham nos dicionários gerais. É o caso de magorreiro, com o significado de «amável, ternurento»: donde virá esta palavra? A resposta fica em aberto nesta atualização, agradecendo nós, desde já, a colaboração de quantos nos leem. Também no consultório, falamos da origem do barlavento, procuramos contrastar conservação com manutenção e comentamos «qualquer coisa de complexo».
A partir desta data, o Ciberdúvidas passa a conter publicidade nas suas páginas – em espaço próprio e devidamente assinalado como tal. Uma opção tomada face aos agravados constrangimentos de financiamento do serviço que aqui se presta, já lá vão 18 anos, à volta e em prol da língua portuguesa. Com essa receita possível – e os donativos dos seus consulentes mais dedicados –. é disso mesmo que se trata, afinal: a viabilização de um espaço desta natureza, de acesso gracioso e sem fins lucrativos, único em todo o espaço da lusofonia. Mas também para a sua melhoria, como a seu tempo se anunciará.
As novas questões abordadas no consultório focam os empréstimos linguísticos, a etimologia e a relação entre sintaxe e semântica. Assim, pergunta-se:
– Donde vem o termo boccia – ou bocha, aportuguesando –, designação quer de um jogo popular italiano quer de um moderno desporto paraolímpico?
– Qual será a etimologia do adjetivo ubíquo, do nome próprio Arnaldo e do termo iode?
– E como contornar a ambiguidade de uma frase como «ele não foi à aula porque estava com preguiça»?
Na rubrica Diversidades, disponibiliza-se um trabalho publicado no jornal português Expresso, da autoria dos jornalistas Joana Beleza e Pedro Santos Guerreiro, sobre o legado de Amadeu Ferreira, uma das figuras mais ativas na defesa do mirandês, a cujo falecimento, em 1 de março p. p., já fizemos ampla referência.
Há alguns anos referimos a situação pouco animadora do português na cidade espanhola de Olivença e na região circundante, território que fez parte de Portugal desde os finais do século XIII até 1801. Mas há sinais de mudança, conforme se pode ler no número de março da revista brasileira Língua Portuguesa, que publica uma reportagem sobre a recuperação do interesse dos próprios oliventinos pela língua dos seus avós, que querem agora ver reconhecida como segunda língua materna. Saliente-se que a fronteira da Estremadura espanhola tem, como a Galiza, fortes laços linguísticos e culturais com a lusofonia, sabendo-se que atualmente o idioma continua a ser falado nas regiões de Cedillo, Herrera de Alcántara e La Codosera. Também se mantêm falares de origem galego-portuguesa no norte da província de Cáceres, mais precisamente em San Martín de Trevejo, Eljas e Valverde del Fresno. E que melhor prova de atenção do que o programa que o curso Falamos Português, da televisão regional da Estremadura, dedicou em 2014 à lusa Atenas, a propósito de dois tempos do indicativo, o pretérito perfeito simples e o pretérito perfeito composto?
Quando se fala de norma-padrão em Portugal, pergunta-se frequentemente: qual é a boa pronúncia? A questão, posta em causa por estudos descritivos e teóricos, não é despicienda na vida prática; e leva a que, por exemplo, o ensino da variedade lusitana a estrangeiros tome por modelo o chamado «português de Lisboa», para o qual tende igualmente a oralidade nos media. Contudo, há quem conteste a preponderância alfacinha: o jurista conimbricense Vital Moreira, em artigo publicado no Diário Económico e divulgado na rubrica O Nosso Idioma, apresenta o dialeto da capital portuguesa como um atentado à ortoépia (ou boa pronúncia) e considera que «a principal responsabilidade da degenerescência do português falado no discurso público é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão»1. A esta acusação, é possível contrapor a possibilidade de a elocução alisboetada ser indício, afinal, do declínio da oratória, ou seja, da arte do bem dizer, que exige efetivamente uma grande concentração na substância do discurso. Abordagem distinta sobre o genuíno falar à moda de Lisboa pode ser lida nesta descrição de Vítor Santos Lindegaard, no blogue Travessa do Fala-Só. Ou, ainda, em O lisboetês, o coimbrês e outros sotaques + Contra o "sotaque único"
* Do mesmo autor, vide os artigos Crónica do Falar Lisboetês e Crónica do Falar Lisboetês (bis).
As notícias constantemente chamam a nossa atenção para nomes geográficos e étnicos que apresentam certas oscilações gráficas e morfológicas. Quem fixa essas palavras? Dê-se o exemplo de shabak, nome de um grupo étnico do norte do Iraque que é tema de uma das novas respostas do consultório. Poderemos apropriar-nos da forma usada em inglês, mas, se quisermos adaptá-la ao português, existem, pelo menos, duas possibilidades, ambas defensáveis. Como optar? Não será tempo de aqui intervir uma entidade que possa arbitrar casos como este, convencionando uma forma correta para evitar a proliferação de variantes? Quem? No Brasil, temos a Academia Brasileira de Letras, cujo VOLP já vai na sua 5.ª edição, mas... apenas para o Brasil. E em Portugal? A Academia das Ciências de Lisboa, cujo dicionário espera há anos atualização e o respetivo vocabulário, que ficou aquém das expectativas? Ou seria o vocabulário mais completo – e com estatuto oficial – no país, disponível no Portal da Língua Portuguesa? Ou – numa perpetiva integrada com todos os países de língua oficial portuguesa – caberia antes ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que promove a elaboração do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa? Ficam as perguntas, mas conviria aprender com o que se faz, por exemplo, com o espanhol em matéria de normatização linguística, por via da Fundéu1 – que bem podia ser tomado em conta nas recomendações, em Portugal, da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), em sintonia com a plataforma que integra todas as entidades reguladoras do setor dos países e territórios de língua oficial portuguesa.
1 Dinamizada pela Agência Efe e com o financiamento do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (mais conhecido pela sigla BBVA), a Fundéu (Fundacion del Español Urgente) conta com assessoria da Real Academia Espanhola e demais academias da América latina de espressão castelhana, tendo como objetivo a promoção do bom uso do espanhol nos meios de comunicação e na Internet. Não será urgente criar algo semelhante, com caráter oficial, para a comunicação social que se expressa em português?
Há dias em que fico completamente curvado com as palavras por dizer
e trepo por elas como uma escada
e deixo-as voar como música
com receio de que enferrujem as cordas que as sabem tocar.
Assim escreveu Amadeu Ferreira (1950-2015) em "Dues lhénguas"/"Duas línguas", transformando em poesia a experiência do bilinguismo. O poema, no qual se reveem certamente todos os que, desde a infância, falam duas línguas (às vezes mais), passa a estar disponível, quer no original em mirandês quer na sua tradução em português, na rubrica Diversidades, como tributo à memória deste autor, falecido em 1/03/2015, cuja biografia acaba de ser lançada em Lisboa:
O Fio das Lembranças – Biografia de Amadeu Ferreira (Âncora Editora), de Teresa Martins Marques.
Embora em Timor-Leste o português seja língua nacional (a par do tétum), a verdade é que a sua implantação neste país não é ainda satisfatória e pode piorar. Com efeito, chegam notícias segundo as quais, na sequência de nova legislação, o ensino da língua portuguesa deixa de integrar os primeiros anos do currículo e apenas ocorre a partir do 3.º ciclo de escolaridade. A medida surge no meio de certa contestação, sobretudo entre especialistas, como é o caso de Benjamim de Araújo e Corte-Real, diretor-geral do Instituto Nacional de Linguística de Timor-Leste, para quem atrasar o ensino do português é descurar a facilidade em aprender línguas que os jovens manifestam até 12 anos e, face a quem vive na cidade, deixar em desvantagem as regiões rurais, onde o conhecimento do português está muito menos consolidado, gerando-se assimetrias na igualdade de oportunidades. Perguntamos: conseguirá o português de Timor-Leste tornar-se uma verdadeira língua nacional? Procurando entender a situação linguística de Timor-Leste em tempos recentes, propomos a leitura dos seguintes artigos:
Timor-Leste, tétum, português, língua indonésia ou inglês?
O mirandês, não sendo um dialeto do português, constitui parte importantíssima do património linguístico de Portugal. Foi sobretudo com José Leite de Vasconcelos (1858-1941) que os portugueses foram descobrindo e valorizando essa dimensão da diversidade linguística da região de Trás-os-Montes. Outras figuras se seguiram na tarefa de divulgar e promover o mirandês, mas, nas últimas décadas, Amadeu Ferreira contava-se entre aqueles que mais contribuíam para a afirmação deste idioma na contemporaneidade, com o estatuto de segunda língua oficial de Portugal. É, portanto, com enorme pesar que se regista o seu desaparecimento prematuro, em 1/03/2015. Amadeu Ferreira deixa uma obra extensa quer aos mirandeses quer aos portugueses em geral, mas dele fica ainda a memória de um enorme talento para cativar diferentes audiências pelas coisas da Terra de Miranda – a começar pelos jovens nas escolas.
De uma nota bilingue, intitulada "Nacimiento de Cousas Nuobas"/ "Nascimento de Coisas Novas", que a família de Amadeu Ferreira enviou à agência Lusa, transcreve-se a seguinte citação do último livro deste autor, Belheç/Velhice, publicado sob o pseudónimo Fracisco Niebro:
Hai un tiempo para nacer i un tiempo para un se morrer.
L'alma nun puode bolar pa l cielo. Senó, cumo podien nacer cousas nuobas? Essa ye la rucerreiçon de las almas: son bidas nuobas. Son bichicos, arbicas i todo l que bibe.
Ye por esso que fázen mui mal an anterrar las pessonas ne l semitério: habien de las anterrar pul campo para ajudar las almas a nacer. Assi, Dius, seia quien fur, ten muito mais trabalho.
A tradução em português encontra-se na referida nota à imprensa, também disponível na rubrica Notícias – onde se dá conta, igualmente, das iniciativas de homenagem à memória de Amadeu Ferreira, previstas para a presente semana.
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