A expressão contradição em termos é tradução literal da expressão latina contradictio in terminis. Uma má tradução, diga-se de passagem, pois nada parece justificara omissão do artigo na versão portuguesa. Em latim, como é sabido, não existem artigos, pelo que qualquer tradutor deverá ter o cuidado redobrado de analisar o contexto e descortinar se o substantivo em questão é determinado ou não. Neste caso, parece-me claramente determinado, pois trata-se de uma contradição inerente aos termos concretos de determinado enunciado, e não a quaisquer outros termos em abstrato.
Entendo, pois, que se justifica plenamente o juízo, explanado aqui, de que a versão contradição nos termos «parece mais conforme à nossa língua». Não creio, porém, ao contrário do que parece sugerir o articulista, que a nossa expressão contradição em termos seja decalque da expressão inglesa contradiction in terms, também ela originária da expressão latina. Estou em crer que nos terá chegado diretamente do latim, embora não esteja em condições de o provar documentalmente de forma cabal.
Outra tradução possível, e quiçá preferível, seria contradição de termos. Neste caso, dada a natureza da preposição de, justifica-se a omissão do artigo.
Quanto à redundância, julgo que esta é apenas aparente. Basta recordar a importância do próprio vocábulo terminus na linguagem filosófica. Por exemplo, Leibniz (1646-1716) definia-o da seguinte forma1: Terminum voco quicquid per se est, seu quod subjectum vel praedicatum alicujus propositionis esse potest («Chamo termo a qualquer coisa que exista por si própria, que possa funcionar como sujeito ou como predicado de alguma proposição»). Dá dois exemplos (Homo, Chimaera) acrescentando que «se excluem as partículas» (excluduntur itaque particulae). Divide os termos em «possíveis» e «impossíveis». Um termo «possível» representa «aquilo que é concebível de forma distinta, sem contradição» (quod distincte cogitabile est sine contradictione), e dá três exemplos (Ens, Deus, Calor). Um termo «impossível», por outro lado, indica «aquilo é concebível de forma confusa» (quod confuse quidem cogitabile est). Acrescenta ainda que, no caso deste último, «quando tentamos concebê-lo de forma distinta» (si distincte cogitare tentes), «verificamos que as noções que o constituem se entrechocam» (comperies notiones, ex quibus componitur inter se pugnare) ou, dito de outra forma, que «envolvem contradição» (contradictionem involvere). Dá vários exemplos, sendo mens corporea («mente corpórea») o mais significativo.
Embora Leibniz, neste passo, não use explicitamente a expressão contradictio in terminis, a sua explanação realça a importância dos termos na génese da própria contradição. A noção de contradictio («contradição»), aliás, assumia extrema relevância na filosofia escolástica e posterior. Consideravam-se até vários tipos de contradictio: in re, in objecto, in actu, formalis, virtualis, etc. O teólogo holandês Lambert van Velthuysen (1622-1685), mais conhecido por Lambertus Velthuysius, fala mesmo em contradictio moralis numa das suas obras,2 e já antes dele o nosso Frei Lourenço de Portel (1541-1642), religioso franciscano e professor de teologia, numa obra que fez escola, publicada em Lisboa,3 se servira do mesmo termo. Perante tal variedade de conceitos, é compreensível que os filósofos e teólogos preferissem certa redundância quando se referiam especificamente à contradição que resulta dos próprios termos, quando estes, evocando ideias contrárias, se justapõem. Fora do âmbito escolástico e filosófico, creio que, na maior parte dos casos, será suficiente ou mesmo conveniente dizer apenas «contradição».
1 Divisio terminorum ac enumeratio attributorum (1683-1685), 132, 5-11.
2 Operum pars secunda, 1680, p. 1465.
3 Dubia regulatoria, 1618, p. 68.