DÚVIDAS

Acerca da litotes
Estou escrevendo um glossário de retórica e poética e admiro particularmente certas figuras, como a litotes, o oximoro, o quiasmo e a antimetábole. Cada página é um verbete exemplificado com a poesia galega, portuguesa ou brasileira. Compreendo a litotes como a sugestão meio eufemística, irônica de uma ideia; ou em dizer pouco para sugerir muito; atenuantemente. Portanto, um conceito um tanto mais elástico, tirado da etimologia da palavra, contrariando a maioria das definições que encontro, costumeiras em enfatizar apenas a negação do oposto. Como um dos exemplos, dentro da minha formulação, escolhi os seguintes versos de Guerra Junqueiro (A Morte de D. João, Introdução): E o povo... o povo é rei! E rei como Jesus, Para beber o fel, para morrer na cruz. Disse-o pouco, mas sugeriu muito o tipo, e de forma irônica, da única "realeza" que cabe ao povo. Se a Sra. Eunice Marta me der o prazer de comentar minha proposição, tomarei por fé seus ensinamentos, ainda que contrários ao que imagino. Agradeço antecipadamente.
«Episódio de quase morte súbita» e «evento com aparente risco de vida» (saúde)
Tenho-me confrontado com a tradução de «near miss sudden infant death syndrome» por síndrome de morte súbita do lactente abortada. Não me parece que o abortada esteja correcto (como em near drowning – que geralmente traduzo por pré-afogamento, mas não sei se correctamente). Existe uma forma mais adequada de traduzir o near miss nestas duas situações? Obrigada.
Acerca do relativo cujo
Certa vez li um artigo cujo autor expressou a opinião de que o pronome relativo cujo está na realidade com os dias contados, ou seja, previu-se a sua extinção para dentro em breve. De fato, pelo menos aqui no Brasil, quase ninguém o emprega na linguagem falada e, quando se usa na escrita, muitas vezes esse pronome está fora de propósito (sem função ou com função errada). Vendo o quadro por esse lado, realmente não existem boas perspectivas para a sobrevivência do cujo, o qual tende a sumir-se como tem acontecido à mesóclise. Parece-me que o cujo sofre da «síndrome de Filinto Elísio», que o empregava muito mal. Qual é, portanto, a vossa opinião? Credes também que o cujo não sobreviverá?
À volta de gripar, engripar e engripado
[...] [T]enho um outro comentário a fazer [sobre a forma engripar]: [...] à forma "gripar" (com remissão no Houaiss a "grimpar") corresponde o étimo francês "gripper" (na acepção de mecânica), no entanto, o mesmo, bem como outros dicionários — o Priberam, por exemplo — apresentam o verbo gripar como produto de uma formação portuguesa (mesmo se a palavra primitiva tenha entrado na língua portuguesa através de um empréstimo ao francês grippe, atestado em português desde 1881), sendo constituído por gripe+ar, um derivado sufixal, portanto é homónimo do primeiro (por isso mesmo têm direito a entradas diferentes). A forma gripar na acepção de «provocar ou ficar com gripe» é atestada pelo menos desde 1942 e o seu particípio, grippado (sic), desde 1928, como nos informa o Houaiss. Quanto a engripar, foi-lhe acrescentado o prefixo en- à forma já existente gripar (de gripe+ar e não de gripper), sendo por isso decomposto em: en-+ a base gripe +sufixo -ar, tendo, então todas as características para ser um derivado parassintético, embora me custe a compreender, pelas razões já anteriormente expostas e que conto com a vossa magistral ajuda para a sua resolução. Ainda a propósito deste tema, teria uma outra pergunta (de resposta bem mais fácil, segundo creio). Na vossa primeira explicação à minha questão, que remetia então a engripado, foi-me dito que este era "apenas" o particípio passado de engripar, e que engripar, esse sim, teria sido formado parassinteticamente. Mas, seguindo essa lógica de raciocínio, deveríamos responder também que engripar é o infinitivo impessoal. Ambos têm a marca da desinência do tempo verbal a que pertencem: engripado- ado, do lat.-atu, engripar - ar, do lat -are, forma do infinitivo dos verbos da primeira conjugação. Por último gostava de vos pedir um conselho para uma obra de referência acerca das regências verbais e nominais que não fosse uma gramática. Um grande bem-haja a toda a vossa equipa por todo o excelente trabalho que tem vindo a realizar.
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa