Entre os dois verbos existem, de facto, diferenças semânticas que, como é natural, resultam da própria etimologia.
O verbo quebrar — do latim crēpāre, «produzir som seco, estalar; partir-se; quebrar; fender» (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, vol. V, 4.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1987) — herdou directamente o seu valor do significado original do seu étimo latino, não tendo sofrido grandes alterações de sentido, que gira sempre à volta do campo semântico de «corte; interrupção; abalo», algo que provocou alterações ao estado de alguma coisa ou de alguém, tal como se pode verificar pela lista de significados atestados pelos dicionários: «reduzir a pedaços; romper; partir; fracturar; fragmentar; rachar; fender; cortar; enfraquecer, debilitar; abater; perturbar; interromper; perturbar; infringir; violar; transgredir; desfazer; dissipar; abalar; pôr termo a; acabar; interromper; cortar» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001). Por isso, verificamos vários casos em que esse verbo ocorre:
«O vidro quebrou-se com a trepidação.»
«A música estridente quebrou o silêncio.»
«Ela quebrou as regras.»
«Aquela notícia foi tão devastadora, que a quebrou de tal forma, que teve de ser hospitalizada.»
Por sua vez, o verbo partir — do latim partīre, «dividir em partes; repartir; distribuir» — retém do seu étimo o sentido original, porque é usado, na maioria das vezes, precisamente para designar a acção de «dividir» (ex.: «Partimos o bolo em fatias»), de «separar» (ex.: «A Coreia partiu-se em duas depois da Guerra de 1950»), de «repartir» e de «distribuir» (ex.: «Ele partiu os bens pelos filhos»). Foi, decerto, destes sentidos de partir que se formou o termo «partilha(s)» do domínio do direito para designar a «divisão de bens de uma herança ou de um casal».
A extensão semântica de partir para «quebrar; fazer em pedaços» deverá ter surgido por associação de ideias, uma vez que a acção de «dividir» e de «repartir» implica, frequentemente, «desfazer a unidade», «romper».
Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (op. cit.), terá sido a partir dos sentidos de «quebrar, dividir» que se desenvolveu o de «partir-se de alguém» (séc. XIII), colocando a hipótese de se poder tratar, neste sentido, de um galicismo (partir francês = deixar um local; ir-se embora»). Lembremo-nos da cantiga de amor de D. Dinis em que o verbo partir ocorre com tal valor: «Senhora, partem tam tristes/ meus olhos por vós, meu bem».
Não se estranhe, portanto, que o verbo partir designe, também, «sair de algum lugar», «retirar-se», «ir-se embora», «pôr-se a caminho», «afastar-se», «originar-se (física ou intelectualmente) de», «proceder», «provir», conferindo a ideia e movimento ao sentido original de «separar, dividir, repartir».
Assim sendo, apesar da sinonímia com o verbo quebrar, são frequentes os casos em que o sentido do verbo partir se distancia do de quebrar, como se pode observar nas seguintes frases:
«Os dois já partiram do hotel.»
«Decidimos partir para uma encenação completamente nova.»
«Todo este barulho parte do apartamento aqui vizinho.»
«A sugestão da homenagem partiu da filha.»
«Partiu de uma falsa premissa.»