Vejamos: no que diz respeito à primeira frase sugerida, não poderá ser usada vírgula antes do marcador de negação não, pois, neste caso, apesar da inversão verificada, a negação continua a ter «escopo sobre o predicado» «comprou frutas» (Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 771). No fundo, a ordem mais comum dos constituintes na frase em análise seria «Ela não comprou fruta, mas [comprou] legumes». Ora, sendo assim, se a configuração frásica *«Ela não, comprou fruta, mas legumes» é agramatical, já que «os termos essenciais e integrantes de uma oração [se] ligam [...] sem pausa não podendo ser separados por vírgula» (veja-se esta resposta), a construção *«Ela comprou, não fruta, mas legumes» será igualmente, por maioria de razão, agramatical. Neste caso, a inversão verificada servirá para, por motivos que dependerão do contexto comunicacional em que a citada frase se inserirá, chamar a atenção do interlocutor justamente para o facto de não ter comprado fruta, isto é, para a negação e para a íntima relação que esta estabelecerá com o complemento directo «fruta». Já a utilização da vírgula antes da conjunção coordenativa adversativa mas, na mesma frase, me parece aceitável, em linha, aliás, como o recomendado por Cunha e Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp.643/644): «Emprega-se ainda a vírgula no interior da oração [...] para separar as orações coordenadas sindéticas, salvo as introduzidas pela conjunção e — Não era velho, mas parecia nunca ter sido novo».1
A segunda frase proposta pela consulente apresenta — na forma e no conteúdo — diferenças substanciais em relação à primeira. No que diz respeito à forma, estamos perante uma estrutura correlativa aditiva (e não perante uma conjunção adversativa, como acontecia na frase anterior), podendo, deste modo, a locução «não só... mas também» ser substituída pela conjunção coordenativa copulativa/aditiva e: «Ela comprou fruta e também legumes», o que faz com que a vírgula antes do mas, neste caso concreto, seja claramente opcional (veja-se, de novo, esta resposta). No entanto, reitere-se que, nesta frase, o recurso à virgula antes do marcador de negação não continua a ser agramatical pelos mesmos motivos que impediam o seu uso no enunciado anterior, pois a inversão de elementos frásicos é, nos mesmos moldes, também aqui, uma evidência («Ela não comprou só fruta...»). Quanto ao conteúdo, as diferenças parecem-me claras: neste caso, o enunciador explicita que, para além da fruta, comprou também legumes, chamando a atenção para o facto, através do recurso à inversão já analisada, de não se ter limitado a comprar apenas fruta, o que talvez possa ser considerado surpreendente para o emissor desta mensagem.
1 Note-se, porém, que Mateus e outros (op. cit.), por exemplo, não seguem esta regra estipulada por Cunha e Cintra, pelo menos no que diz respeito ao caso específico da conjunção mas, quer ao nível dos exemplos utilizados, ex.: «Eles partiram para o Algarve mas não foram de férias» (p. 553), quer ao nível do próprio discurso autoral, ex.: «Note-se que este tipo de restrição não é válido para todas as elipses mas apenas para aquelas que apresentam um elemento lexicalmente realizado [...]» (p. 554).