Consultório - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Respostas Consultório
Álvaro José de Barros Lima Estudante Ilhéus, Brasil 20K

Gostaria de saber o significado dos vocábulos lógica, dialéctica, gramática e retórica – e também de oratória. O que compreendiam estas áreas no período medieval, dentro do contexto das artes liberais? Qual seu uso moderno? Eles mantêm alguma relação com as mesmas áreas de hoje e também entre si? A gramática utiliza-se da lógica, retórica, dialéctica ou oratória em suas estruturas? Há alguma referência bibliográfica sobre a relação destas áreas com a gramática?

Agradeço antecipadamente o auxílio.

Diego Cruz Psicólogo Florianópolis, Brasil 7K

Anteriormente enviei uma dúvida com o seguinte texto:

«Gostaria de saber se há algum critério seguro e bem aceito na língua portuguesa para diferenciar uma oração relativa livre de uma subordinada interrogativa. Minha dúvida é motivada pelo fato de que, ao que parece, uma interrogativa subordina é possível ser introduzida por preposição: “perguntou de quem era o vestido”, o que já não parece possível com uma relativa livre:*"conhece de quem era o vestido”. No entanto, o que me parece é que o que permite tal distinção seria o próprio significado relacionado ao verbo da oração principal. No entanto, eu fico em dúvidas numa frase como esta: “Imagino de quem ela falou.” Não sei se ela pode ou não ser considerada gramatical. Um critério que eu, a partir de algumas poucas leituras sobre assunto, tenho estipulado é o seguinte: substituir o pronome relativo livre por algum demonstrativo acompanhando de seu pronome relativo, se resultar agramatical ou se o sentido diferir bastante, tal oração então seria interrogativa, caso contrário, seria uma oração relativa livre. Ex. “Imagino quem entrou na sala” – ?“Imagino aquele que entrou na sala”. Esta última, além de soar um pouco esquisita, muda bastante o sentido da frase. Logo, parecer-me-ia que estamos diante de uma construção cuja subordinada é uma interrogativa indireta. A partir desses argumentos – os quais coloco em dúvida - não me pareceria absurda uma frase como a que eu mencionei anteriormente: “imagino de quem ela falou”, uma vez que por este critério – o qual não sei se pode ser válido – tal oração seria uma subordinada interrogativa, a qual poderia ser introduzida por preposição. Como eu tenho acompanhando algumas respostas de Carlos Rocha a perguntas sobre o tema, gostaria, se possível, que ele comentasse sobre minhas indagações. No entanto, deixo livre para fazê-lo qualquer consultor que tenha interesse.»

No entanto, acho pertinente apresentar exemplos da aplicação do critério acima proposto também nos casos em que há em jogo uma preposição na oração subordinada. A frase 5 não se encaixa nesses casos. Aqui os apresento:

1) «Imagino de quem ela falou» – «Imagino aquele de que ela falou» (O sentido muda, logo a primeira parece ser uma subordinada interrogativa.)

2) «Imagino do que gostas» – «Imagino aquilo de que gostas» (O sentido muda, logo a primeira parece ser uma subordinada interrogativa.)

3) *«Vi com quem você saiu ontem» – «Vi aquele com quem você saiu ontem» (O sentido permanece, logo a primeira subordinada, sendo uma relativa livre, não poderia estar preposicionada. Ter-se-ia então de transformá-la numa relativa com antecedente.)

4) *«Vi ontem de quem você gosta» – «Vi ontem aquele de que você gosta» (O sentido permanece, logo a relativa livre teria de ser transformada em relativa com antecedente. Exemplo igual ao anterior.)

5) «Eu conheço quem comprou os ingressos» – «Eu conheço aquele que comprou os ingressos» (O sentido permanece, logo, a primeira seria uma relativa livre.)

Grato.

Paulo de Sousa Tradutor Cascais, Portugal 26K

A vossa pergunta/resposta intitulada «"Font" = tipo, carácter, cunho, símbolo» leva-me a apresentar as notas que se seguem, recolhidas de várias fontes oficiosas sobre a matéria e, simultaneamente, perguntar se a informação apresentada estará realmente correcta. Grato pela atenção.

TIPO (DE LETRA) = Conjunto unificado de caracteres (alfabéticos, numerais e marcas de pontuação) cujos desenhos e traçados distintivos [TYPEFACE]) partilham as mesmas características, exibindo propriedades visuais semelhantes e consistentes.

Ex.: Times New Roman

FONTE = Variante de um TIPO (DE LETRA) cujos caracteres têm um determinado estilo (que pode compreender variantes serifadas ou não serifadas), corpo (tamanho) e forma (espessura, largura e inclinação).

Ex.: Times New Roman Bold Italic Corpo 14

O termo FONTE é geralmente confundido com TIPO. Tradicionalmente, em tipografia, uma FONTE refere-se geralmente a um TIPO (ou Família Tipográfica) de um dado tamanho. Um TIPO é um conjunto de desenhos correspondentes aos caracteres específicos de cada linguagem. Compreende os caracteres alfabéticos, numerais, marcas de pontuação e outros ideogramas ou símbolos relativos à linguagem em questão desenhados segundo um conjunto de características ou estilo. A Família Tipográfica compreende as variações do desenho do TIPO em peso, amplitude, orientação ou estilo (p. ex.: Itálico, Negrito, ambos). Tradicionalmente, uma FONTE (do inglês font, ou fount), compreende o conjunto de características que definem a identidade relativas ao seu desenho, abraçando todas as variantes do TIPO e/ou da Família. Assim pode compreender uma série de variantes serifadas e não serifadas como o caso da Stone de Robert Slimbach, ou da Rotis de Otl Aicher. Actualmente, FONTE refere-se ao ficheiro digital onde estão definidos os desenhos dos TIPOS através de linguagens como Post Script, ou True Type (p. ex.) e ainda podem conter dados específicos como as métricas a utilizar (espaçamento e kerning*, caracteres compostos ou tabelas de substituição). Por isso um designer de tipos (type designer), responsável pelo desenvolvimento do desenho, pode não ser a mesma pessoa ou desempenhar o mesmo papel que um Font Developer responsável pela tradução das instruções do desenho para um ficheiro digital.

* KERNING é o acto de determinar uma medida para aproximação ou afastamento de pares específicos de caracteres numa fonte. O mesmo que compensação.

Espaçamento ou espacejamento [SPACING] é a quantidade de espaço em branco entre letras, palavras, ou linhas de um texto. O espaçamento entre letras é normalmente determinado pela largura dos caracteres de uma fonte e, em tipografia digital, também por seus pares de KERNING. O espaçamento entre palavras é normalmente determinado pelo uso de claros ou material branco na composição com tipos móveis e, na tipografia digital, pelo uso dos caracteres de espaço. Na composição com tipos móveis, o espaçamento mínimo entre linhas consecutivas de um texto é determinado pela altura dos tipos e pode ser modificado pelo uso de lâminas de material branco chamadas entrelinhas. Na tipografia digital, o espaçamento padrão entre linhas é predeterminado pelo arquivo de fonte, mas a entrelinha pode ser modificada em programas de manipulação de texto.

Aurora Saraiva Professora Lisboa, Portugal 28K

Estamos a programar o próximo ano letivo e eu e as minhas colegas deparámo-nos com a seguinte dúvida: como explicar a alunos de 5.º ano a noção de radical/forma de base/palavra simples? Será necessário abordar todos estes conceitos?

Muito obrigada pelos possíveis esclarecimentos prestados.

Valdemar Andrade Magistrado do Ministério Público (jubilado) Coimbra, Portugal 5K

Na resposta à pergunta 15437 (relativa à palavra presidenta), escreve-se o seguinte:

«O facto de começar a haver dicionários que registam a palavra presidente alterando a terminação de -e em -a para diferenciar a forma do feminino apenas significa que esses dicionários resolveram registar um modismo, uma ocorrência sem suporte linguístico na morfologia actual.»

Ora sucede que já dicionários editados em 1944 (o de Augusto Moreno) e em 1953 (o de Cândido de Figueiredo) registam a palavra presidenta, o que mostra que não está a começar nos nossos dias (já na segunda década do século XXI) a aceitação daquela palavra.

Isso leva-me a perguntar: poderá ainda considerar-se um modismo uma palavra que já há 60/70 anos era recebida em dicionários?

Antecipadamente agradeço os esclarecimentos que me forem prestados.

Paulo Araújo Economista Rio de Janeiro, Brasil 7K

A respeito da consulta formulada, em 3/6/2011, pelo Sr. Luiz Eduardo Bizin, professor em Sydney, Austrália, sobre a origem da palavra saudade, o Sr. Carlos Rocha nos dá excelente aula sobre o tema. Em resposta anterior, sobre o mesmo assunto, no Ciberdúvidas, foi feita menção ao verbete no magnífico dicionário de José Pedro Machado. Tenho esse dicionário e em sua epígrafe Machado diz que «Cabe ao [dicionário] de Antenor Nascentes o pioneirismo dos dicionários portugueses só etimológicos. De onde se depreende que todos os mais são e serão seus seguidores». Nascentes parece ter se dedicado com muito afinco ao vocábulo, e como esse dicionário é de 1932, reimpresso em 1955, mas hoje raro, tomo a liberdade de aqui reproduzir tudo que ele apurou sobre essa tão rica particularidade da língua portuguesa, sem correspondência semântica idêntica em qualquer língua; a mais semelhante que encontrei foi no catalão, enyorança, mas ainda assim incompleta porque não exige a vontade de rever.

«SAUDADE – Do lat. solitate, solidão, desamparo, que deu o arc. soedade, soidade, suidade, que sofreu influência de saudar (Diez, Dic., 486, M. Lübke, REW, 8074, A. Coelho, Pacheco J., Gram. Hist., 153, Pacheco e Lameira, Gram Port., 347, Leite de Vasconcelos, Opúsculos, I, 216, G. Viana, Apost., II, 407, Otoniel Mata, O meu idioma, 217, Nunes, Gram. Hist., 95, Xavier Fernandes, ALP, III, 73-6); esp. soledad, gal. soidade, soidá, soedade, soedá, suidade, saudade. Do significado de solidão, desamparo, passou ao do sentimento de quem se encontra solitário, longe daquilo que ama, a pátria, a família. Soedade encontra-se em Arraiz, Diálogos, II, 12 e V, 1. Soidade aparece (às vezes soydade) no Cancioneiro da Vaticana, ns. 119, 210, 214, etc., Cancioneiro da Ajuda, n. 389, e Azurara, Crônica da Guiné, 142. Finalmente suidade, aliás, suydade, em D. Duarte, Leal Conselheiro, 112, 151, 157, Cancioneiro da Vaticana, n. 758, Azurara, op. cit., 340, Samuel Usque, Tribulações de Israel, 3º , fl. 40 v, Conde D. Pedra, Livro da virtuosa bemfeitoria, 206 e 292. No século XVI a forma arcaica ainda aparece viva na Imagem da vida cristã, de Fr. Heitor Pinto, mas a moderna já aparece em Camões, soneto 83, Lusíadas, III, 124, em Gil Vicente, no Cancioneiro Geral, 39 v., na Eufrosina, etc. Eduardo Carlos Pereira, Gram. Hist., 66, viu influência de saúde. Cortesão admitiu a inaceitável série: soidade- *soadade- *suadade- saudade. G. Viana aceitou a influência de soudade, pronúncia vulgar a que corresponde outra mais vulgar em Lisboa sòdade. Cláudio Basto, RL, XVII, 275, XVIII, 178, admite que a transformação de soidade em saudade é de ordem literária; a mudança de oi em au seria influenciada, para assim dizer, por uma falsa latinização, ao invés da habitual mudança de au em oi. Lembra que já Bernardo de Lima, Dicionário da Língua Portuguesa, pág. VII, queria atribuir essa mudança aos escritores, quando notava ser o vocábulo saudade mais harmônico que soidade e que, por isso, embora havendo tido igual uso, começara a ser mais usado. C. Michaelis, A saudade portuguesa, objeta que, se o ditongo latino au se pode transformar em oi, cfr. auro, ouro, oiro, oi não pode transformar-se em au, logo é difícil admitir que de soidade saísse saudade.

Além disso, da forma saudade, que parece moderna, há exemplos, raros, é certo; em documentos do século XIV, como a Vida de Santo Amaro: E Velliides lhes disse: Ay amigas, nom choredes ante ell, que auerá gran coyta e gran saudade (fI. 119). Entendeu aquela autora que devia ter havido confusão entre saúde, saudação, saudar (de salutare) com a palavra saudade, que derivaria de uma forma salutate. João Ribeiro, Curiosidades Verbais, 197-201, entende que saudade pode provir do ár. saudá.

De acôrdo com informações do professor Ragy Basile, apresenta três expressões árabes, suad, saudá e suaidá, que têm o sentido moral de profunda tristeza e literalmente do sangue pisado e preto dentro do coração; na medicina as-saudá é uma doença do fígado que se revela pela tristeza amarga e melancólica. Poderia objetar-se, acrescenta êste autor, que são raras as palavras que exprimem sentimento, tomadas no árabe. Convém, entretanto, lembrar que a palavra, como foi dito, designa igualmente uma doença e muitas dêsse teor vieram do árabe: achaque, enxaqueca, soda (dor de cabeça), etc. E também são doenças a morriña galega, que traduz saudade e o Heimveh alemão que migrou do sul para o norte.

E toda medicina hispânica e européia foi na era medieval ensinada por Avicena, Averroés e outros grandes mestres. Há perfeita identidade entre moléstias nervosas e sentimentos: hipocondria, melancolia, angústias... A respeito do vocábulo convém consultar: D. Duarte, Leal Conselheiro, cap. Do nojo, pesar, desprazer, avorrecimento e suydade; Duarte Nunes do Leão, Origem da lingoa portuguesa, 3ª ed., pg. 79; Fr. Isidoro de Barreira, Tratado das significações das plantas, flores e frutos que se referem na Sagrada Escritura; Severim de Faria, Notícias de Portugal; Sousa Macedo, Flores de Espanha e excelências de Portugal; D. Francisco Manuel de Melo, Epanáfora, ed. de 1676, pg. 287; Garrett, Camões; Camilo, Coisas leves e pesadas, pg. 91; Cortesão, artigo na revista portuense A Águia, 2ª série, 116; G. Viana, artigo na revista O Positivismo, IV, 169-70; C. Michaelis, A Saudade portuguesa, Julio Dantas, artigo em o Correio da Manhã, do Rio de Janeiro.»

Luísa Silva Estudante Porto, Portugal 10K

Dentro da análise descendente existem três variantes que não consigo compreender: macroestrutura global, macroestruturas intermédias e microestruturas.

Isto insere-se na competência textual?

João Couvaneiro Professor Almada, Portugal 5K

Qual a origem da expressão «letras são tretas»? Alguém sabe de referências antigas a esta expressão ou de autores consagrados que a ela tenham recorrido?

Maria Dias Professora Braga, Portugal 13K

Aprendi, e tenho por norma fazer como aprendi, que as iniciais maiúsculas se reservam para os nomes próprios ou por deferência. Porém, no agrupamento onde lecciono costumam devolver actas para correcção quando referimos os encarregados de educação, em iniciais minúsculas, quer nos estejamos a referir ao grupo em geral, quer a um determinado em particular. Eu pergunto: como devemos escrever este nome? «... os encarregados de educação...» ou «... os Encarregados de Educação...»? «... o encarregado de educação do aluno...» ou «... o Encarregado de Educação do aluno...»? (neste caso não teria também de ser «Aluno»?)

Muito obrigada.

José Vasconcelos Estudante Rio de Janeiro, Brasil 5K

[...] [F]iz [uma] pergunta [sobre o futuro do pretérito] a vocês, mas parece que não há resposta objetiva, convincente e verdadeira a ela. O fato é que há uma maior quantidade de registros nas gramáticas normativas do futuro do pretérito como indicando hipótese (vejam por si, contem); isso não seria um critério para encaixarmos entre os verbos do modo subjuntivo, ora? Os tempos do subjuntivo também podem indicar certezas, fatos, e, ainda assim, não são encaixados entre os indicativos, ora. E então, como fica? Vejo apenas arbitrariedade, e não uma lógica. Podem dar seu parecer sobre minhas considerações?